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“Chico Mendes morreu por uma causa justa, morreu pela Liberdade!”

“Chico Mendes morreu por uma causa justa, morreu pela Liberdade!”

“O Chico Mendes morreu com o corpo traçado de tiros por querer fazer a independência dos povos da Amazônia extrativista, dos povos da floresta” 

Por Elias Rosendo 

Em julho passado fiz 85 anos e este ano [2008] eu escrevi um livrinho sobre a vida de Chico Mendes. Estou com o lado direito do meu corpo paralisado por um derrame que tive há cinco anos, mas como ainda tenho boa vista e boa memória, dei pra escrever esses livros de cordel. 

Escrevo com dificuldade, só com a mão esquerda, mas assim mesmo consegui terminar o cordel de Chico Mendes, que vai desde o dia que ele nasceu até o dia  em que ele foi morto no escuro da noite, no quintal da casa dele, lá em Xapuri.

Conto de quando fundamos o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, eu sendo eleito presidente do primeiro sindicato dos trabalhadores criado no Acre, e o Chico sendo eleito para ser meu secretário. Lá, a primeira coisa que o Chico pediu para comprar foi uma máquina de bater letras, mesmo nenhum de nós dois sabendo usar. 

Eu comprei, mas logo desisti de aprender. O Chico, não. O Chico insistiu com as teclas até aprender a escrever naquela máquina de datilografia. Depois, um tempo mais tarde, ele passou por lá, disse que era coisa de estimação e trouxe essa máquina  para Xapuri. Hoje, onde ela está, eu não sei.

O Chico eu conheci bem pequeno, coitadinho, com sete para oito anos, já estava cortando seringa com o pai dele; com a mãe e os irmãos, depois que o pai morreu. Ele querendo ir pra Xapuri estudar, a  mãe sem condição de deixar. Depois apareceu uma pessoa que ensinou ele a escrever, a fazer contas e a pensar na política. 

Eu e ele no Sindicato de Brasileia, junto com o Wilson Pinheiro, vimos aparecer as primeiras ameaças, os primeiros despejos, as primeiras violências contra os trabalhadores.

Nessa época eu fiquei sabendo dos maus tratos que um capitão do Exército, que era médico e tomava conta do Hospital de Brasiléia, estava fazendo com os trabalhadores. Revoltado, dei queixa do capitão na política e, como tudo era farinha do mesmo saco, em vez de mudar o tratamento do povo na doença, o capitão mandou me avisar que eu estava marcado, que ele ia me pegar, que a polícia ia fazer esse favor pra ele.

E eu que não tinha o arrojo do Wilson Pinheiro, caí fora. Eu passava pelo Sindicato, mas era correndo. A maior parte do tempo eu andava era sumido, no mato mesmo. O pessoal falava que eu não aparecia porque era farrista, mas o que aconteceu comigo foi medo mesmo.

Em vez de enfrentar o capitão do Exército em Brasiléia, eu resolvi ir cortar seringa na Bolívia. A gente vazava pelo Seringal Porvir, entrava na Bolívia, cortava seringa, colhia o leite e depois voltava pra casa. A gente fazia isso porque a borracha da Bolívia dava muito mais produção. Enquanto no Porvir se colhia quatro, cinco latinhas de látex, no Seringal Caramano tinha dia que a gente tirava da seringueira até 20 latas de leite, e do bom.

Lá, também, de vez em quando tinha que correr da polícia, mas a gente sabia que morte não ia ter, porque os soldados bolivianos eram só de assustar, não de tocaiar, nem de matar.

O Wilson Pinheiro, que era um cara valente, corajoso, acabou assumindo como presidente do Sindicato no meu lugar. Eu achei justo, porque ele era um cara de acossar, e eu não dava para aquilo. Ele andava depressa, eu ia mais devagar. Eu dizia pro Wilson Pinheiro: “Manera, amigo, anda com o passo mais lento. Do jeito que tu tá indo, os cabras vão te pegar.” Ele continuava chamando assembleia, organizando empates, marcando posição no conflito. 

O Wilson era uma pessoa muito boa, muito bacana. Ele comprou dois caminhões e andava pelos seringais com esses caminhões aviando as precisões dos companheiros. Antes do assassinato, os jagunços fizeram pressão e queimaram os caminhões dele. Aí ele foi morto. O Chico ficou ameaçado e para sobreviver acabou se mudando para Xapuri.

Chegando em Xapuri, o Chico, que nessa época já era um cara muito querido, acabou se elegendo vereador pelo MDB. Mas ele não gostava do MDB, ele queria mesmo era seguir o Lula e fazer um partido dos trabalhadores. Então  em 1980 ele foi para São Paulo, lá fundaram o PT, e ele voltou pro Acre pra fazer o PT. O Chico Mendes chegou dizendo que era pra todo mundo somar força no PT, e nos nos juntamos com ele. É por isso que eu me afeiçoo tanto com o PT, eu estou nesse partido e dele não saio mais, esse foi o partido que eu entrei com o Chico Mendes e é nele que eu vou morrer.

O PT nós começamos desde 80, mas a primeira eleição com candidato do PT só teve em 82. Eu fui candidato a vice-governador, na chapa do Nilson Mourão para governador. A gente não teve quase nada de voto, porque dinheiro pra campanha não tinha e o partido era muito pequeno.

Tivemos quatro mil e poucos votos, e o Nabor Junior foi quem ganhou para governo do Estado, com mais de 36 mil votos. Depois foi que o PT começou a ganhar mandatos, o primeiro governador do PT foi o Jorge [Viana], depois veio o Binho [Marques], e o Lula já vai terminar o segundo mandato de Presidente da República. Essa é uma história bonita de se ver.

O Chico Mendes morreu com esse ideal de defender a floresta. Ele era um cara que não tinha medo de fazer empate na mata, mas ele achava também que tinha que sair para levar para fora as nossas propostas. Ele juntou um monte de seringueiros e foi pra Brasília defender as reservas extrativistas, que só saíram depois da morte dele. 

Quando o Chico via uma motosserra ele ficava doido de tristeza. Ele falava: “Que pena que eu tenho dessa floresta, que dó que eu tenho do seringueiro que vai ser expulso, que não vai mais ter seringa pra cortar, nem castanha pra colher.” Ele era muito humano, o amor que ele tinha pela floresta era um amor que ele tinha também pelo seringueiro.

O Chico Mendes depois que foi para o Encontro dos Seringueiros em Brasília voltou cheio de amigos, cheio de influências.  Toda vez que a gente se encontrava ele falava que a gente precisava fazer como o Wilson Pinheiro, que com uma chamada colocava duas mil pessoas na praça para a assembleia do Sindicato.

“Tá certo, Chico, mas para chegar a esse ponto de novo, nós temos que ir conscientizado as pessoas pouco a pouco, nós temos que ir com mais cuidado, ninguém precisa perder a vida, ninguém precisa passar pelo aconteceu com a família do Wilson Pinheiro.” Eu sempre fui assim, de ir mais devagar.

Aqui no Acre todo mundo ficava sabendo das ameaças contra o Chico Mendes, e isso me preocupava muito, mas não tinha nada que eu pudesse fazer. A gente sabia que todos os patrões lá da área de Xapuri queriam acabar com vida ele. Hoje fico pensando que o Chico foi um pouco como Tiradentes, que morreu pela liberdade.

No meu livro falo isso: que o Chico Mendes também deu a vida por uma causa, pela causa da floresta. O Chico Mendes foi esquartejado por lutar pela Independência do Brasil de Portugal. O Chico Mendes morreu com o corpo traçado de tiros por querer fazer a independência da Amazônia extrativista, dos povos da floresta. 

É por isso que eu quero prestar essa homenagem pra ele na forma de cordel, imprimindo um livreto com ele bem grande na capa e eu junto com ele, mas lá atrás, no pano de fundo, porque homem de valor mesmo era ele.

Elias Rosendo – Seringueiro. Amigo e companheiro de Chico Mendes. Texto transcrito de depoimento prestado a Zezé Weiss e Marcos Jorge Dias, no segundo semestre do ano de 2008. Em seu texto antológico, Elias Rosendo comete uma incorreção: o Sindicato de Brasiléia foi o segundo do Acre. O primeiro a ser criado, com a assessoria da Contag, foi em Sena Madureira. Capa desta matéria: Comitê Chico Mendes/Divulgação. 

Elias Rosendo faleceu em 8 de janeiro de 2018, aos 93 anos. Veja matéria da Revista Xapuri, assinada por Gomercindo Rodrigues, por ocasião do encantamento de Elias Rosendo:


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

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