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Adeus, Café!

Adeus, Café!
 
Zezé Weiss
 
Uma cobra anônima picou o meu Café na manhã chuvosa desta quinta-feira, 18 de novembro.
 
Era mania do meu Café pular a janela bem cedo, dar seu passeio pelo quintal e voltar pra cama serelepe, pra dormir mais um pouco. Chegava miando, alegre da vida. Encostava o focinho no meu braço e, enquanto eu não me levantava, também ele não se levantava.
 
O Café bagunçou os meus afetos. Antes dele, nunca deixei bicho dormir no meu quarto, muito menos na minha cama. Ele rompeu essa barreira. Decidia onde queria ficar, e quando queria se encostar. Era o dono do pedaço.
 
Era o Café quem decidia quando pular no teclado do meu lap top, inviabilizando total o meu trabalho; quando trazer um lagarto pro quarto, pra chamar a minha atenção. Empurrasse, ele pulava de novo, uma, duas, dez vezes. Inútil resistir.
 
De dia, o Café estava onde eu estivesse, o tempo todo. Hoje, ele voltou do passeio com a patinha inchada. Era uma baita de uma picada de cobra. Em pouco tempo, o corpinho enrijeceu.
Tomou o soro antiofídico, no hospital veterinário. Ficou internado. Teve várias paradas cardíacas.
 
No começo da tarde, o coraçãozinho do meu Café parou de vez. 
 
Um bichinho tão dengoso, tão terno, tão companheiro. O gatinho mimoso que amoleceu meu coração foi embora num sopro de vento.  Sou só gratidão pelo tempo feliz que vivemos juntos.
 
Adeus, Café!
 
P.S. Gratidão, Ed, por trazer o Café pra casa. Você com essa sua mania de dar guarida a bichinhos perdidos na maldade do mundo. Gratidão por insistir comigo para ficar com ele. Acabou que o Café virou uma das grandes paixões da minha vida. Me causou imensa alegria. Gratidão!
 
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 
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