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Cartunista faz humor como protesto na África do Sul

Cartunista faz humor como protesto na África do Sul

O ditado diz que ”a caneta é mais poderosa do que a espada”. No caso das charges do sul-africano Zapiro, que faz ilustrações políticas desde os tempos de Mandela, não há nada mais certo do que isso

Por  Aline Lara Rezende

Jonathan Shapiro é o cartunista mais famoso, e querido, da Africa do Sul. Zapiro, como assina em suas charges, usa o desenho e o humor como forma de protesto e como uma arma para lutar contra injustiças sociais há mais de 20 anos.

Como todo bom ativista político, suas histórias são passionais. Ele conta que virou ativista do dia pra noite quando, em suas palavras, “uma catástrofe aconteceu”: foi recrutado pelo exército durante o Apartheid. Aos 23 anos de idade, Zapiro era completamente contra o regime e já cheio de opinião. Ele serviu o exército por dois anos e se recusou a pegar em qualquer arma durante este tempo. Na mesma época, se filiou a uma organização que lutava contra o regime. Enquanto contribuía com o movimento fazendo ilustrações políticas, sua mesa de trabalho, dentro de um quartel, era cheia de adesivos com frases “Free Mandela”. Por conta de sua ligação com essa organização, foi preso. Mas foi solto logo em seguida, já que estava com uma bolsa garantida para estudar mídia e cartum na School of Visual Arts, em Nova York, sob a orientação do americano Art Spiegelman.

Desde criança, Zapiro queria ser cartunista. Até hoje, seus ídolos continuam os mesmos: “Tintin faz parte da minha vida”, disse ele que, no dia da entrevista à Trip, estava vestindo uma camiseta com a estampa do personagem de Hergé. Citou também o Charles Schultz, autor de Snoopy, e vários cartunistas editoriais e mais políticos, como os britânicos Ronald Searle e Ralph Steadman, a iraniana Marjane Satrapi, o suiço Patrick Chappatte e seu amigo Gado, do Quênia.

Nossa conversa aconteceu logo depois de sua palestra no evento What Design Can Do, em Amsterdã, conferência que abordou o impacto social do design na África. Todas as vezes que falava de Nelson Mandela, ele entrava no personagem e imitava a sua voz. Carinhosamente, como um velho amigo zoando o outro.

Durante a sua palestra, você contou algumas histórias de conflitos com a justiça por conta de seus desenhos, que chegou a ser preso por causa de algumas charges. Os cartunistas são os heróis não reconhecidos do jornalismo? Desde sempre, cartum, charges e caricaturas têm sido sobre lutar pelos fracos e oprimidos. A sátira, que o povo reconhece por vezes como caricaturas exageradas e outras vezes como irônicas, têm como função fazer uma crítica sobre o que está acontecendo ao nosso redor, assim como derrubar os poderosos do pedestal. Isso vem de uma tradição muito antiga, lembra dos bobos-da-corte? A função deles era entreter a corte, mas suas canções eram sátiras sobre os poderosos da época, inclusive o rei. Parte do trabalho do cartunista é não aceitar nada como verdade absoluta. Tem que ler as entrelinhas. Isso é o que mais me empolga.

Você falou bastante sobre sua atuação no movimento de libertação de Nelson Mandela e contra o Apartheid. Você teve a chance de conhecê-lo pessoalmente? Sim, por meio da minha esposa, que é fotógrafa e à época estava trabalhando em um documentário sobre ele. Ela o fotografou por algumas semanas e, claro, fiquei morrendo de inveja. Um dia, me deixou acompanhar como assistente de fotografia. A condição era que eu ficasse quieto, sem dar um pio. Mas, ao final, me apresentei e fiquei sabendo que ele conhecia meu trabalho. [“Zapiro, it is a pleasure to meet you”, disse, imitando a voz de Mandela]

 

Isso deve ter sido fantástico. Foi incrível! Depois, o encontrei várias vezes por conta de trabalho e também em grandes eventos. Eu estava lá no parlamento no dia de seu último discurso enquanto Presidente.

Fale um pouco sobre charges no atual contexto político em comparação com a época do Apartheid. É mais fácil ser cartunista hoje? Há muitas coisas que eram bem mais difíceis no Apartheid, mas outras eram mais fáceis também. A maior dificuldade era a censura. Charges e matérias eram facilmente excluídas, assim como o jornal podia ser fechado. E tudo isso dentro da lei. A primeira charge que fiz, em 1987, foi censurada. Era um panfleto para uma organização política chamada United Democratic Front, que se opunha ao Apartheid. Em compensação, era muito fácil saber contra quem você estava lutando. Quando as coisas mudaram na África do Sul, depois do fim do regime, de repente, a dificuldade estava em saber o que atacar. Não estava muito claro. Eu estava apoiando o governo e a essência do que o país estava tentando fazer era se transformar em um Estado democrático. Eu acreditava no Presidente Nelson Mandela. Mas, com o tempo, comecei a perceber coisas contra as quais lutar e dentre elas estava até o próprio Mandela. O bacana era que ele entendia isso e me apoiava, me enxergava com um crítico e satírico. Ele mesmo me disse isso. Um dia, do nada, recebi uma ligação dele e foi a coisa mais importante que já me aconteceu na vida.

Ele te ligou? Sim. Foi em 1988, eu estava no estúdio trabalhando. Minha esposa atendeu o telefone e disse: ‘o gabinete do presidente está na linha’. Atendi e uma mulher me alertou: ‘espere na linha para falar com o presidente Mandela’. Pensei que era uma pegadinha e continuei trabalhando quando escutei aquela voz: ‘Olá! É o Zapiro?’. Disse que sim, mas pensando em qual dos meus amigos conseguia imitar aquele tom. Aí, me toquei que não era brincadeira. Fiquei um pouco nervoso, falei umas bobagens e, então, ele disse: ‘estou muito chateado’. Eu realmente quis saber o que é eu que tinha feito de errado. Ele contou, em tom de brincadeira, mas bem irônico, que quando estava em Capetown gostava de ver minhas charges no jornal Cape Argus, que também circulava em Soweto, em Joanesburgo. Na verdade, Mandela havia descoberto que eu não publicaria mais no Argus e veio me contar imediatamente. Ao final da conversa, agradeci e disse: ‘Te conheço pessoalmente há cerca de três anos. Nesse tempo, você viu minhas charges cada vez mais críticas ao Congresso Nacional Africano (ANC) e ao governo…’ Ele me interrompeu e disse que era o meu trabalho. Aquilo foi a coisa mais importante que alguém já me falou na vida. Primeiro: foi dito por Nelson Mandela, um pessoa importante para mim, um chefe de Estado que acreditava no meu trabalho. Mesmo quando tive que ser mais crítico ao governo, ele me apoiou. Ali vi, não só eu, mas muitos outros cartunistas, que estávamos em uma democracia. Seu trabalho mudou depois disso? Por um curto período, depois que Mandela assumiu a presidência, desenhei charges mais positivas, pois estava apoiando o país. Estava deixando clara a minha opinião. Não gosto de charges que não levem a uma reflexão. Nem toda charge tem que ser um ataque bombástico à política. Mas a maioria é exatamente isso. Depois dessa fase, me tornei mais crítico em relação ao governo. Agora, principalmente com o Zuma [Jacob Zuma, atual presidente da Africa do Sul], estou muito mais crítico. Em meio ao caos político em que se encontra o Brasil, você gostaria de mandar algum recado ou dica para os nossos chargistas e cartunistas? Geralmente, evito dar dicas ou mandar mensagens. Isso faz com que eu me sinta um pouco arrogante. Mas é importante que exista solidariedade entre pessoas que trabalham em áreas similares. África do Sul e Brasil têm em comum o Global South. Ou seja, somos parte de um mundo em desenvolvimento em que jornalistas, cartunistas, artistas promovem ou defendem causas e não apenas fazem um jornalismo objetivo. São pessoas com noções progressistas, de esquerda, que tentam fazer o dever patriótico de expor a corrupção e o que não funciona. Tive muita sorte em ouvir de Nelson Mandela que este é o meu trabalho. Esse é um incentivo que destaco na minha história: alguém como ele encorajou os que são críticos e que usam a sátira e bom humor para promover uma boa causa.

Fonte: Revista TRIP

 
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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