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Arquipélago do Bailique corre risco de sumir do mapa

Arquipélago do Bailique corre risco de sumir do mapa

Por Rudja Santos/Amazonia Real

O conjunto de oito ilhas do Amapá sofre com a erosão de terras e a salinização da água doce; moradores temem ficar sem condições de sobrevivência no local. Na imagem acima mostra casa abandonada pelo fenômeno de terras caídas 


Arquipélago do Bailique (AP) – É improvisando e resistindo que vivem hoje cerca de 13 mil ribeirinhos do Arquipélago do Bailique, um conjunto de oito ilhas que fica a 180 quilômetros de Macapá, no leste do Amapá. São 57 comunidades banhadas pelo rio Amazonas, com acesso apenas por via fluvial, através das mais diversas embarcações. A população enfrenta dois fenômenos, que têm comprometido a sua sobrevivência: a erosão das terras à margem dos rios, conhecida como “terras caídas”; e o aumento da salinidade das águas dos mananciais, que compromete o acesso à água potável e uma recorrente crise hídrica.
A agência Amazônia Real percorreu oito comunidades para ouvir a população do Bailique. A viagem até a primeira comunidade, Itamatatuba,  dura cerca de 4 horas a partir de um atalho saindo do município de Itaubal. Pelo caminho, passando pelo rio estreito, já é possível ver as consequências das “terras caídas”. A paisagem é desoladora, não apenas pelas casas abandonadas, mas pelo perigo de navegação por conta de grandes árvores, que caíram com a erosão. Pequenas embarcações têm dificuldade de fazer a travessia. Navios comerciais e de transporte de passageiros utilizam outro caminho rio adentro, mas essa viagem pode durar em média 12 horas. 

Em toda a extensão do arquipélago, é possível encontrar casas de madeira sendo desmontadas por causa das “terras caídas”. É o sinal de que seus moradores estão buscando um outro lugar para sobreviver. Este é o caso do autônomo Raimundo Santos, de 62 anos, da comunidade de Vila Progresso. Ele disse à reportagem da Amazônia Real, em outubro, que se permanecer “o risco é grande”. Conta que parte da casa dele já foi engolida pela erosão.  “Hoje moro sozinho aqui e estou tentando salvar o que sobrou da casa. Já é a terceira vez que eu preciso desmontar ela porque nas outras duas o rio levou. Medo eu tenho, de dormir e já acordar dentro do buraco, mas não tem o que fazer”, lamenta. 
Já a salinização das águas do rio Amazonas no arquipélago do Bailique, como relatam os moradores das ilhas, sempre ocorreu em determinada época do ano, mas eles alertam para o agravamento da situação. É nesta região que o manancial se encontra com o Oceano Atlântico. “Já tem uns três anos que vem piorando. Agora em 2021, estamos nesse sofrimento há três meses. Eu já tenho problemas de estômago e quando eu bebo essa água eu sinto muita dor”, conta Iranete Braga, 30 anos, moradora da comunidade Andiroba, onde vivem cerca de 38 famílias. Ela afirma que a família vem sofrendo com coceiras desde o início do processo de salinização.
Para tentar conter os danos causados à comunidade pelas águas salgadas, em meados de outubro, o governo do Amapá em parceria com a Companhia de Água e Esgoto do Amapá (Caesa), começou a transportar tanques de água para o arquipélago. No entanto, os moradores reclamam da qualidade do produto. A aposentada Raimunda Silva conta que a comunidade recusou a oferta. “Logo que eles abriram o mangueiro saiu aquela água horrível, amarela, e então a gente não quis. O medo era de adoecer, já que ninguém sabe como aquela água veio dentro do tanque. A gente é do Bailique, mas não é porco para tomar água desse jeito. Se fosse garrafa de mineral a gente aceitava, mas desse jeito é melhor tomar a água salgada”, afirmou a moradora do Itamatatuba.

Os impactos socioambientais

Na comunidade do Carneiro a população busca água doce
(Foto: Rudja Santos/Amazônia Real)

A bióloga Silvia Faustino, professora da Universidade Federal do Amapá (Unifap), demonstra preocupação com as possíveis consequências do fenômeno da salinização. Ela explica que existem vários motivos que podem explicar o aumento da sal na água doce do rio Amazonas, mas aponta que, entre eles, está a construção de hidrelétricas. “O rio Araguari também desembocava no Oceano Atlântico igual ao Amazonas. Imagina um rio de grande volume levando suas águas mar adentro. Então a diluição era muito maior porque tinha mais força quando o rio não era represado. Agora o rio não chega mais e diminuiu um grande volume de água doce também permitindo maior entrada do oceano para o continente”, disse.
O rio Araguaia é represado, em um raio de 12 quilômetros, por três hidrelétricas: Cachoeira Caldeirão, em atividade desde 2016 e controlada pelas empresas  CWEI Brasil Participações, do grupo China Three Gorges (CTG); Ferreira Gomes, em operação desde 2014 pela empresa Ferreira Gomes Energia – Grupo Alupar Investimento S/A; e Coaracy Nunes, que tem a concessão da Centrais Elétricas do Norte (Eletronorte) e foi inaugurada em 1976. É a primeira usina da Amazônia, criada pelo governo da ditadura civil-militar para sustentar a extração do minério de manganês na Serra do Navio. 

Barragem da UHE Cachoeira Caldeirão, vista da jusante (Foto: PAC)

Apesar das hidrelétricas, o arquipélago do Bailique também enfrenta a crise do apagão como em outros municípios do Amapá desde o ano passado. Ainda não há pesquisas que comprovem que o represamento das barragens das hidrelétricas seja a causa do aumento do sal na água dos rios Amazonas e Araguaia. A reportagem procurou a Eletronorte para a empresa comentar o caso, mas não obteve retorno. 

Segundo Valdenira dos Santos, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa) e doutora em geológica e geofísica marinha, o fenômeno da erosão no arquipélago do Bailique é comum e está associado à variação das águas nos períodos chuvosos e não chuvosos, assim como às correntes do rio. Ela explica que, à medida que as chuvas se precipitam sob o solo e, se ele estiver decapeado, a tendência é que esses terrenos às margens do rio caiam por ação da gravidade, colapsando rapidamente grandes áreas se o fenômeno for de grande magnitude. Decapeado é quando uma rocha está sem a sua primeira camada de terra. “Quando as terras caem, acabam jogando grande quantidade de sedimentos na água”, diz a pesquisadora. 
Valdenira dos Santos explica que o fenômeno da salinização ocorre sazonalmente com rios que deságuam no Oceano Atlântico. “É como se o rio jogasse 70 piscinas olímpicas no mar a cada segundo”, explica. Segundo ela, é comum que a água salina entre no rio, diluindo o sal do mar dentro da água doce. Ela afirma que no período chuvoso, a água dilui mais e fica mais doce. No período mais seco, o volume da água do rio diminui e acaba ficando mais salgada.
A pesquisadora também alerta que é necessário a realização de investigações para traçar hipóteses mais robustas sobre o aumento do nível de salinidade. “Temos discutido o que pode ser feito. É preciso ter formas de abastecimento de água potável para as comunidades, mas quando se trata de sal, a tecnologia é mais aprimorada e para traçar ações que sejam efetivas e duradouras, precisamos de informações científicas”, esclarece a geóloga, destacando que isso explica na demanda de aparelhos caros, que no momento não estão ao alcance do Iepa.

Doação de água potável 

População da comunidade do Carneiro recebe doação de água doada pela prefeitura
(Foto: Rudja Santos/Amazônia Real)

A principal unidade escolar do arquipélago, a Escola Bosque, é uma das mais afetadas pelas erosões e já teve de interditar prédios do complexo. Com capacidade para quase 800 alunos, hoje funciona com esse número reduzido à metade. A diretora-adjunta da unidade, Denise Figueiredo, teme pela segurança dos estudantes. Hoje a escola ocupa até a cantina como sala de aula, enquanto aguarda a execução de um projeto mencionado pela Secretaria Estadual de Educação para a construção de um novo prédio em um local mais seguro. Ela ainda esclarece que com a falta de energia e água constante no local, tem sido difícil manter as portas abertas.
A assessoria de comunicação da Caesa explica que, mesmo com a desinfecção da balsa, o movimento das marés acabou por liberar um pouco de ferro na água. Para solucionar a situação, a partir do segundo carregamento, instalou um filtro na balsa, que assegurou a qualidade da água durante o processo de descarga já nos reservatórios do Bailique. 
O diretor-presidente da Caesa, Valdinei Amanajás, informou em nota, que a água distribuída é para fins de consumo e preparo de alimentos. Ele também disse que as famílias devem ter espaço para armazená-la, pois, segundo ele, um maior número de viagens da balsa de abastecimento demandaria muita logística e tempo.
Para Gisele Soares, moradora da comunidade do Carneiro, a orientação não agradou. “A gente não tem onde armazenar e nem como ir buscar na Vila Progresso (principal comunidade do Bailique). A gasolina está muito cara e não temos como trazer a água em grande quantidade na voadeira”, lamentou.
A companhia também esclarece a falta de estações de tratamento de água no arquipélago, afirmando que havia quatro, mas que três foram perdidas por conta das terras caídas, sendo inviável, segundo a Caesa, investir recorrentemente em estruturas que serão destruídas em poucos meses pela erosão.

Bebendo água salgada

Crianças com feridas na pele pelo contato com a água salgada, na comunidade do Carneiro (Foto: Rudja Santos/Amazônia Real)

Mesmo recebendo água do governo do Estado e da Prefeitura de Macapá, os moradores continuam utilizando a água salgada para atividades como banho e limpeza. 
O caso da Iranete não é isolado. Há diversos relatos de pessoas com alergias e doenças de pele. Isolene Rosário Tavares, 42 anos, conta que este ano, a água começou a ficar salgada no início de setembro e que nunca tinha ficado tão grave, causando problemas de saúde principalmente nas crianças. “Estou cheia de coceira e feridas, já fui ao médico e tomei remédio, mas continuo usando a água salgada, então a alergia não passa. A minha neta tomou até antibiótico e melhorou, mas o remédio acabou e a coceira voltou. Meu neto Gabriel, de 5 meses, também ficou com muita coceira e com feridas. No final de outubro, pegamos a água mineral que a prefeitura (de Macapá) entregou, mas o banho ainda continua com água salgada”, afirmou a moradora da comunidade do Carneiro. Ela ainda conta que estava pegando água doce em outra comunidade, mas que agora ela já está salgada também. 
O risco ambiental é outra questão a ser enfrentada. Segundo a bióloga Silvia Faustino, os peixes de água doce podem não se adequar à quantidade de sal presente no rio, o que pode causar impacto no modo de pescar e se alimentar, assim como perda da biodiversidade, flora e fauna. Para ela, as plantas nativas também podem ser prejudicadas por não estarem acostumadas ao novo dinamismo de um ambiente salinizado. 
Em 2019, foram instaladas placas solares e uma estação de tratamento e dessalinização da água na comunidade do Franquinho, através de um projeto coordenado pela Universidade Estadual do Amapá (Ueap). O responsável pela manutenção da estação, o morador Paulo Robson, explicou que o dispositivo faz 50 litros de água por hora, mas não cai direto na torneira, ficando armazenada em um reservatório. A quantidade está longe de suprir a demanda da comunidade, além de não estar funcionando por falta de manutenção. “Quando ele deu problema, a gente se aperreou um pouco porque não tem outra maneira. A gente até guardou água da chuva, mas não é suficiente para terminar o período da água salgada e o dessalinizador deu problema justamente nessa época”, explica Robson. 

Placas de energia solar na comunidade Franguinho
(Foto: Rudja Santos/Amazônia Real)

As placas solares têm se tornado cada vez mais comuns nas ilhas do Bailique e o motivo é a constante falta de energia. Comerciantes relatam prejuízos nos produtos resfriados e eletrodomésticos queimados. A Companhia de Eletricidade do Amapá informou que a distância do arquipélago de outros centros urbanos dificulta a manutenção da rede, e com a região sendo afetada pelo fenômeno das terras caídas, a erosão acaba danificando postes e redes que levam energia para o local. No início de outubro, um homem de 26 anos morreu na Vila Progresso, após se encostar a um dos cabos de energia que estava caído na passarela. 
Sobrevivendo de doações, os moradores cobram do poder público uma solução definitiva para os diversos problemas das comunidades. Enquanto isso não acontece, a vida no Bailique permanece difícil e sem perspectiva de melhorar, correndo o risco de sumir do mapa.

O arquipélago do Bailique no Amapá enfrenta abandono dos moradores
(Foto: Rudja Santos/Amazônia Real)

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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