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Fronteiras perigosas na Amazônia

Fronteiras perigosas na Amazônia

Por Jaime Sautchuk

As esparsas fronteiras na Amazônia, especialmente as do Brasil com a Venezuela, de repente ganharam as páginas da mídia, mas ainda são um mistério envolto em perigos à maioria dos brasileiros. A maior parte delas está em terras planas da Planície Amazônica, mas uma grande parte toma conta do Sistema Parima de Serras, onde está também o pico da Neblina, o ponto mais elevado do país.

A parte plana toma uma região pouco habitada e bastante desconhecida, no extremo Oeste brasileiro. A tríplice fronteira no alto rio Negro, onde se encontram Venezuela, Colômbia e Brasil. Ali, ocorre um fenômeno interessante, em que o Canal do Cassiquiare, após percorrer 320 km rumo sul, desde que deixa o Orinoco, vem encontrar-se com o colombiano Guainía e, juntos, formam o Negro, já em território brasileiro.

Quanto ao Cassiquiare, dois fatos  interessantes.  Primeiro,  o de que ele não é canal, como veremos mais adiante. Segundo, que ele nasce marrom, como defluente do montanhoso Orinoco, e percorre a calma e densa floresta amazônica escurecendo aos poucos, por razões que também demonstraremos mais adiante.

REGIÃO DE PLANÍCIE

Em verdade, me refiro à matéria que fiz no ano 2.000, publicada pelo jornal Folha de São Paulo, ilustrada com fotos de Juan Pratginestòs, cujo conteúdo é este: Expedição da Universidade de Brasília refaz trajeto do explorador alemão Alexander von Humboldt (1769–1859) 200 anos depois e revela que o maior rio da Venezuela é também um dos formadores do Amazonas – Jaime Sautchuk – especial para a Folha.

“O rio Orinoco, que drena 70% do território venezuelano, é um dos dois  principais  formadores do rio Negro e, portanto, do Amazonas. O canal do Cassiquiare, ligação natural do Orinoco ao Negro, descoberto em 1744, não é um simples canal, como se imaginava, e desempenha papel muito mais relevante na geografia da região.

O Cassiquiare é, isso sim, um defluente (contrário de afluente) do Orinoco. Ele se separa do curso principal desse rio para juntar-se ao colombiano Guainía e formar o Negro, próximo da fronteira dos dois países com o Brasil. E corre sempre no mesmo sentido.

A constatação é de membros da Expedição Humboldt Amazônia 2000, organizada pela Uni- versidade de Brasília (UnB), após analisarem a geologia e o relevo da região e constatarem a direção do fluxo da água. O grupo é composto por 39 cientistas, que percorrerão até novembro cerca de 7.000 quilômetros de rios amazônicos.

‘É um caso único no mundo’, diz o hidrólogo francês Alain Laraque, autor das medições realizadas no início de setembro. Com equipamentos de ponta, as aferições são as primeiras feitas no Cassiquiare em cem anos. São medidas de temperatura, condutividade elétrica, turbidez, pH, batimetria, velocidade da correnteza e localização por GPS (Sistema de Posicionamento Global).

Ao deixar o Orinoco, ele atinge velocidade e profundidade maiores que as do rio principal. Ali, sua largura é de 50 m e sua água é marrom. Depois de percorrer 320 km e receber inúmeros afluentes de água escura, o Cassiquiare vai mudando de cor, e atinge uma largura de 500 m ao encontrar-se com o Guainía, também preto.

Ambos são rios de planície, que retiram pouco sedimento de seus leitos. A cor escura de sua água deve-se à decomposição de matéria orgânica da floresta. São verdadeiros xaropes de plantas, com elevada acidez. Daí a escassa presença de peixes nessas águas.

Daí, também, a diferença em relação aos rios de montanha, como o próprio Orinoco e, depois, o Solimões. Este vem dos Andes peruanos e forma o Amazonas, ao encontrar-se com o Negro, gerando o famoso ‘encontro das águas’, na altura da cidade de Manaus (AM).

A região cortada pelo Cassiquiare é de planície, um enorme vale entre os Andes e o maciço da Guiana, onde estão as serras do Imeri, Parima, Pacaraima e Tumucumaque. É um parque nacional venezuelano, de selva amazônica, habitado principal- mente por índios das etnias Iecuana e Ianomâmi. A floresta, praticamente intocada, ocupa as margens do canal em toda a extensão.

Como a maioria dos rios da região, o Cassiquiare é navegável na maior parte do ano por embarcações grandes. No período de menos chuvas na região (dezembro a março), sua profundidade diminui, dificultando a navegação. De qualquer modo, ele quase não é usado como meio de transporte entre Brasil e Venezuela.

 

HUMBOLDT BARRADO

O viajante alemão Alexander von Humboldt percorreu a região e transpôs o Cassiquiare em 1800, chegando até a fronteira com o Brasil, já no rio Negro. Ali, foi detido pelas autoridades portuguesas e impedido de entrar no território brasileiro.

A expedição da UnB, 200 anos depois, presta homenagem ao cientista, percorrendo o  trajeto que ele fez e o que pretendia fazer. Seus dois coordenadores, o historiador Victor Leonardi e o  biólogo Cezar Martins de Sá, ambos da universidade, afirmam que não esperavam resultados tão positivos no que se refere ao verdadeiro papel do canal do Cassiquiare na região.

Na parte venezuelana, a expedição contou com a participação da Universidade Simón Bolívar, uma das principais instituições universitárias da Venezuela. Um grupo de seus pesquisadores acompanhou as medições.

Até 1950, o rio Orinoco era navegado apenas até poucos quilômetros acima do Cassiquiare, onde está a vila de La Esmeralda. É uma mistura de aldeia Iecuana com missão religiosa católica e base militar. Acima dali, o rio tem muitas corredeiras, o que fazia supor que suas nascentes estivessem bem próximas.

A RIGOROSA LEGISLAÇÃO VENEZUELANA SOBRE A ENTRADA DE CIENTISTAS ESTRANGEIROS LIMITOU PESQUISAS NAQUELE PAÍS

Foi só em 1951 que uma missão venezuelana localizou a nascente do Orinoco, 350 km acima de La Esmeralda, próximo à fronteira com o Brasil. Ela está a cerca de 200 km a leste do pico da Neblina.

Nos dois lados da fronteira, há cerca de 15 anos, ocorreu um surto de garimpo, hoje bastante reduzido. A última povoação não-indígena na entrada do Cassiquiare é uma missão da entidade norte-americana New Tribes. Há muitas aldeias indígenas, inclusive ianomâmis, em toda a extensão do parque. Só depois do seu encontro com o Guainía, formando o rio Negro, é que surgem povoações maiores.

As primeiras são as cidades de San Carlos de Rio Negro, do lado venezuelano, e de San Felipe, no colombiano. Menos de cem quilômetros rio abaixo, está o povoado de Cucuí, a primeira localidade brasileira, pertencente ao município de São Gabriel da Cachoeira (AM).

Há uma estrada de terra, com 240 km de extensão, ligando Cucuí à sede do município. Mas o rio continua sendo a principal via de transporte por ali.

DE HELICÓPTERO

O único trabalho de pesquisa feito pela expedição Humboldt na Venezuela foi este do Cassiquiare. De resto, a missão foi considerada de intercâmbio científico-cultural, devido ao rigor das leis daquele país quanto a pesquisas por estrangeiros. Em algumas áreas de fronteira, a expedição viajou em helicóptero da Força Aérea venezuelana, por causa dos conflitos armados na vizinha Colômbia.

A situação colombiana, aliás, reflete-se em toda a região. O Brasil retomou o Projeto Calha Norte, há anos paralisado, e está ampliando a presença militar em toda a fronteira. Há, nessas ações, sintonia com o Plano Colômbia, iniciado pelo governo dos EUA sob o pretexto de combate ao narcotráfico.

Já em solo brasileiro, a expedição deu início a um grande número de trabalhos científicos, técnicos ou de simples interação com as comunidades ribeirinhas.

A região do alto rio Negro, conhecida como Cabeça do Cachorro, hoje é formada, em sua maior parte, por terras indígenas ou unidades de conservação. Ali mais de 30 mil índios estão organizados em 42 associações, e essas formam a forte Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).

Em São Gabriel, a Expedição Humboldt concluiu sua primeira etapa no regresso ao Brasil. Seu primeiro trecho começou em Manaus, por terra, em 1º de setembro, entrando na Venezuela por Roraima. Ainda há três etapas até Belém do Pará, onde chegará no dia 4 de novembro. Só então haverá um relatório final de todas as atividades, que será divulgado em livro e vídeo.”

TRAÇANDO O CONFLITO

A fronteira Oeste da Venezuela é toda com a Colômbia. Sua maior parte é plana e baixa, quase ao nível do mar, e também bastante úmida. Uma pequena parcela toma, porém, uma região serrana, que percorre o trecho final da Cordilheira dos Andes, no sentido Sul-Norte, tomando em seguida o sentido na América Central.

Atualmente, os EUA veem a Venezuela como um vizinho incômodo. É difícil ao presidente Donald Trump ver a maior reserva de petróleo do mundo estacionada ali ao lado, no portal do Caribe, sob o controle de um governo de esquerda. Por isso, ele tem feito tudo o que pode pra criar uma situação de conflito, de guerra até, envolvendo o Brasil.

Esse processo levou ao rompimento de relações entre os dois países e, num momento tenso, forçou o fechamento de fronteiras por parte do governo venezuelano, pois esta foi a alternativa que sobrou aos vizinhos governados por Maduro.

O Brasil não tem, contudo, motivo algum pra brigar com a Venezuela e, caso venha a entrar em confronto, será por razões que não têm natureza diplomática. Os motivos seriam bem outros.

O Brasil só teria a perder com essa contenda. A começar pela energia elétrica que vem da hidrelétrica venezuelana de Guri e abastece o estado de Roraima, com previsão de chegar também a Manaus e boa parte do Amazonas, que será cortada. E o acesso por terra ao Caribe será bloqueado.

Ademais, devemos levar em conta que o principal rio venezuelano, o Orinoco, é um dos formadores do Negro e, portanto, do Amazonas. O Cassiquiare, defluente do Orinoco, encontra-se com o colombiano Guainía na área conhecida como Cabeça de Cachorro, na tríplice fronteira do Brasil com Colômbia e Venezuela.

Ali é plena Planície Amazônica, que tem mais de 1.000 km de extensão no sentido oeste-leste, até chegar ao Sistema Parima de Serras, parte montanhosa da fronteira, onde estão o Pico da Neblina e o Monte Caburaí, o ponto mais setentrional do território brasileiro.

A fronteira é bem mais extensa, toda ela terrestre e habitada por boa quantidade de grupos indígenas – entre os quais os Yanomami – e outras populações tradicionais. Esse contingente, por certo, tomará partido da Venezuela.

Isso quer dizer que a passagem da rodovia asfaltada pela cidade de Pacaraima (RR), por onde têm entrado os refugiados venezuelanos, é apenas um detalhe da região fronteiriça.

Tirando o Equador, os demais sete territórios nacionais da Amazônia são limítrofes ao Brasil e, em maior ou menor escala, serão afetados por um eventual conflito. Especialmente a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa.

A hoje esfarrapada diplomacia brasileira vai acabar se metendo na histórica disputa territorial da Venezuela com a Guiana e pode acabar sobrando também pra Guiana Francesa, que é um condado (estado) além-mar da França. Ou seja, o governo francês irá tomar satisfações.

É certo que uma guerra na região envolveria também a marinha e a aeronáutica de ambos os países, até porque Caracas, a capital bolivariana, está bem longe, lá do outro lado, à beira-mar. E quase um terço da população do país, de 32 milhões de pessoas, está na sua região metropolitana.

Há, por trás de tudo, os interesses geopolíticos dos EUA e das indústrias bélicas que financiaram as campanhas do presidente Donald Trump naquele  país e de seu seguidor, aqui. São por demais conhecidas, por exemplo, as relações do então candidato brasileiro com a Taurus, principal fabricante de armas em solo brasileiro.

Prevalece, porém, a pretensão ianque de controlar  fisicamente o Caribe e toda a parte norte da América do Sul. Fazem parte dessa estratégia o cerco a Cuba e o domínio sobre o Canal do Panamá, importante ligação dos oceanos Pacífico e Atlântico.

HISTÓRICO DE LUTAS

O trecho do Cassiquiare é emblemático também pelo fato de ser uma área de muito pouco movimento na Planície Amazônica, tanto na navegação pelo rio Orinoco quanto na circulação pelos caminhos em terra, na região. Por trás dessa tranquilidade, há muita história de outro matiz.

Nos 320 km de extensão desse defluente do Orinoco há poucas cidades e vilas, tanto do lado venezuelano como no lado colombiano. Neste, porém, a região toda foi alvo dos conflitos entre sucessivos governos do país e as Forças Armadas Revolucioná- rias da Colômbia, ou FARCs, travados por mais de 50 anos.

A cidade de San Felipe, mais ou menos no meio do caminho, foi visitada pelos membros da Expedição Humboldt, durante um dia inteiro. Em verdade, o grupo atravessou o Orinoco por curiosidade e pra usufruir da legislação colombiana sobre caça e pesca, bem mais branda que a de seu vizinho.

Almoçou carne de animais silvestres com as misturas comuns em toda a região, que inclui bebidas alcoólicas,  em  especial  a cerveja colombiana. Muitas conversas e diversão até o final da tarde, quando voltou ao lado venezuelano do rio, onde estava ancorado o barco que seguia com a Expedição. Só aí fomos saber que a cidade estava sob controle das FARC, fato absolutamente normal à população e viajantes hospedados por ali.

É bem verdade que já estavam em andamento as negociações que visavam chegar ao histórico acordo entre o governo do então presidente Juan Manuel Santos e as FARC, selando o fim da luta armada. O acordo teve suas negociações mediadas por Cuba, que mantinha boas relações com os dois lados em conflito.

Pelo texto do documento, as FARC se comprometem a largar armas num processo gradativo, que repõe os membros do grupo armado à vida normal do país. No dia em que o acordo foi fecha- do, o fato foi exaltado pelo mundo inteiro como um fato histórico.

E pode-se dizer também que o acordo é vitória de uma luta de 50 anos e de toda uma nação. Na primeira fase, o acordo define a questão agrária, item básico de um ajuste mais amplo, e foi aplaudido pelo mundo inteiro,  da ONU à Casa Branca.

Em sua homilia do domingo, da janela do Vaticano, o Papa Francisco abençoou o acordo  e disse orar para que este seja um primeiro passo “para a paz permanente”. Antes dele, a Conferência Episcopal da Colômbia (equivalente à CNBB no Brasil) havia emitido comunicado entusiasmado, manifestando a fé dos bispos daquele país em que, agora, “esteja aberto o caminho para a paz”.

No dia em que o acordo foi selado, o então secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-Moon, fez questão de ele próprio anunciar o fato ao planeta. “É uma conquista significativa e um passo importante para o mundo todo”, disse ele.

Em Washington, o governo dos Estados Unidos também engoliu em seco e soltou um comunicado elogioso. O porta-voz ajunto do Departamento de Estado, Patrick Ventrell disse que a Casa Branca “há muito tempo apoia com força o presidente Manuel Santos e o governo da Colômbia em sua busca por uma paz duradoura e da segurança às quais o povo colombiano tem direito”.

Coloca, pois, o acordo como um feito do governo colombiano, como se fosse uma espécie de capitulação das FARC. Em verdade, porém, o que foi aprovado é o centro do programa das forças revolucionárias, apresentado ainda na década de 1960, quando adotou a luta armada como forma de tentar mudar a Colômbia. Uma proposta das FARC, portanto. Mas isso não é o mais importante.

É certo que sucessivos governos da Colômbia não queriam conversa. Preferiam tentar massacrar as FARC pelas armas. Foram formados, inclusive, tru- culentos grupos paramilitares, com mais de cinco mil homens, que década após década combateram os revolucionários sem as regras internacionais que impõem limites a esses conflitos, condenando morte de civis, tortura, etc., que esses grupos não respeitam.

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