Depois de um ano de trabalho, duro labor, eis que chegara o momento tão esperado: as férias. Encontrei logo de chegada ao hotel uma mensagem, que mexeu profundamente comigo. Alguém na primazia do exercício de sua função deixara anotado, junto a um bloco de papel e uma caneta:
“Este apartamento foi cuidadosamente arrumado por: Andressa, Camareira responsável. Utilize o bloco de anotações caso queira compartilhar alguma preferência”. O convite fora feito: escrever!
Neste instante, o padre escritor lembrou que, em tempos de luta focada na deseducação do povo, precisava soltar e registrar suas palavras pela escrita. Sacou da caneta e em disparado escreveu o primeiro bilhete, uma reflexão que havia sido inspirada na Ilha Morro de São Paulo-BA, no dia 18 de janeiro de 2020.
Opções de Férias
1. Eu optei!
Eu optei por gostar de todos os lugares que eu for; de todas as comidas que experimentar; da água que eu beber; das pessoas que eu conhecer; das histórias que ouvir; gosto de ouvir também quando falam mal dos governantes e administração pública, assim podemos avaliar e discutir sobre o assunto, escuto a todos.
Optei ainda por agradecer. É um sentimento muito forte.
Optei com grande alegria poder vestir uma roupa qualquer sem me preocupar com o meu estereótipo já fixado no imaginário popular.
Optei por ser padre, sim! E também ser gente!
Optei para ouvir todos os ritmos, não tem como ser diferente. Somos uma mistura!
Optei por ser pastor de homens, todo eles e qualquer um.
Optei pelo todo que compõe o homem: suas poesias, histórias, dramas e representações da vida.
Optei pela linguagem do amor que supera obstáculos, vence preconceitos e me permite comunicar com todos os povos!
Optei por não falar do assunto que ainda sangra minha alegria de viver. É um grande desconforto pensar nas gotas de sangue que meu coração lacrimejou naquele tempo de noite escura.
Optei por não escavoucar o que me causa silêncio.
Optei por buscar a tranquilidade no recolhimento da oração e da fé.
Optei por carregar a certeza de que ainda se pode fazer amizade.
Optei por enxergar sempre o melhor de cada um que cruza o meu caminho:
Optei por crer que Deus multiplica mais e mais. Que Ele conhece nossos corações e para aqueles que se mantém fiéis a Ele em todos os momentos a recompensa chegará.
Optei por perceber que pessoas boas existem sim, elas estão ao nosso redor e que nem sempre são notadas , elas estão próximas a nós com suas histórias que sempre nos enriquecem.
Optei por viver a minha história entrecruzando-a com a história, com a vida do outro. Ainda que não seja tão fácil.
Optei por andar por todos os lugares levando a mensagem do Cristo com afeto e esperança.
Optei por fazer de cada momento um encontro de história: entre as letras e o trabalho.
Optei por valorizar cada pão que se podia comer, valorizando as mãos que o fizeram e o trabalho humano em todas as funções necessárias para o bem estar do outro.
Optei pelo significado novo da esperança.
Optei por encontrar uma nova forma de se viver a vida da escrita.
Optei por continuar a achar o Brasil lindo e sua gente mais linda ainda!
Optei por continuar me inspirando a beleza da simplicidade.
Optei por continuar minha missão, possibilitando e desejando que todos tenham as mesmas oportunidades que eu, de poder tirar férias, de viajar, de conhecer outros estados.
Optei por rezar e contribuir para que todos tenham direitos iguais e vida digna. E que as pessoas não sejam iludidas por uma obra feita ou outra, mas que sejam conscientes que todo o dinheiro vem de impostos, que são pagos pelo povo.
E deixo meu pedido, Senhor!
– Que todos valorizem nosso lindo Brasil, que todos possam conhecer os maravilhosos Estados brasileiros com suas ricas culturas e conhecer a história da nossa gente,
Que todos possam ser alfabetizados e letrados para que não sejam enganados. Fica a dica: viajar ajuda cada pessoa a valorizar o que tem e a ter outros quereres! Saia pelo Brasil! Tenha um destino. “Destino: não ter destino!” Então, viaje às expensas das férias.
Se nada mudar, invente, e quando mudar, entenda. Se ficar difícil, enfrente, e quando ficar fácil, agradeça. Se a tristeza rondar, alegre-se, e quando ficar alegre, contagie. E quando recomeçar, acredite, você pode tudo. Tudo é possível pelo amor, e pela fé que você tem em Deus! “
Padre Joacir d’Abadia, filósofo autor de 12 livros, especialista em Docência do Ensino Superior, bacharel e Filosofia e Teologia.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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