Pesquisar
Close this search box.

Brasil: Um futuro voltado para o passado

Tumbas, múmias e biodiversidade

Por Nurit Bensusan
Planfleto
Panfleto distribuído por representantes de comunidades tradicionais na COP-14. Brasil futuro voltando para o passado, diz a manchete | Divulgação

Ninguém duvida que o Brasil é um país de contrastes: de riqueza e de pobreza; de tecnologia de ponta e de calçadas esburacadas; de políticas inovadoras de inclusão e de violência e exclusão nas ruas. Tais contrastes se manifestam também quando o assunto é biodiversidade: uma natureza exuberante, às vezes festejada, às vezes tratada como uma maldição a ser superada.

A participação do país nas Conferências das Partes (COP) signatárias da Convenção da Biodiversidade reflete essa bipolaridade. O Brasil já ganhou prêmios como a “Motosserra de Ouro”, na COP-10 em 2010, em homenagem ao desmatamento que a agricultura brasileira promove, ou o prêmio “Capitão Gancho contra a Biopirataria”, na COP-7 em 2004, relacionado com nossas políticas falhas no combate a apropriação indevida de nosso patrimônio genético. Mas, por outro lado, o país também liderou muitos debates relevantes e ajudou a construir importantes instrumentos da convenção, como a Iniciativa Internacional de Polinizadores e o Protocolo de Nagoya sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Provenientes da sua Utilização. Este último ainda não foi ratificado pelo Brasil, retrato bem-acabado da nossa bipolaridade.

Na COP-14 que acontece nesse momento, em Sharm El-Sheikh, no Egito, porém, não parece haver dois polos: só há apreensão com os destinos da agenda ambiental no Brasil. Jornais internacionais, como The Guardian, explicitam a preocupação que assombra os participantes da reunião da Convenção da Biodiversidade com o futuro do meio ambiente em um dos países mais importantes nesse tema, enquanto negociadores brasileiros históricos recebem pêsames e abraços de condolências pelos corredores.

Além do papel significativo que o Brasil desempenhou em muitas discussões, o país deu importantes exemplos de ações de conservação da biodiversidade, tais como os esforços bem-sucedidos, até pouco tempo atrás, de redução do desmatamento na Amazônia, a implementação de políticas ambientais para povos e terras indígenas, o estabelecimento de áreas protegidas e as políticas de valorização das cadeias de produtos da sociobiodiversidade, como, por exemplo, açaí, castanha e borracha. A sociobiodiversidade é a diversidade de espécies e ambientes associada aos conhecimentos de povos indígenas e comunidades tradicionais.

Diante das declarações de integrantes do futuro governo brasileiro, porém, a continuidade dessas ações fica em xeque. Até mesmo a comemoração que normalmente sucederia o anúncio das áreas de conservação marinhas recém-criadas no Brasil não aconteceu e foi substituída por uma perplexidade e uma desconfiança em relação ao futuro.

Segundo a matéria do The Guardian, o resultado da eleição no Brasil lançou uma sombra sobre a conferência ambiental global. A reportagem diz que, apesar do novo governo não ter começado, alguns de seus futuros integrantes já manifestaram seu apoio a medidas que enfraquecem a proteção da Amazônia, o que se traduziria em menos áreas controladas por povos indígenas e comunidades locais e mais abertura para o agronegócio, a mineração e as empreiteiras. Ainda de acordo com a reportagem, essas posições possivelmente colocarão o futuro presidente do Brasil numa rota de colisão com a Convenção da Biodiversidade.

Talvez não seja à toa que a COP-14 seja no Egito: terra símbolo de uma grandeza e uma magnificência que não existem mais. Tumbas e múmias são hoje o que talvez a nossa ímpar biodiversidade seja no futuro. Uma remota lembrança de algo exuberante que só persiste nas lendas e nos mitos.

Como disse um delegado presente na COP-14, a sensação é de luto, como se alguém tivesse morrido. Talvez a comparação proceda mesmo. Quando o país com mais biodiversidade do planeta faz movimentos em direção a políticas que serão certamente mais causadoras de desmatamento e de mudanças climáticas, uma parte da esperança de um mundo melhor, de fato, morre.

ANOTE AÍ

Fonte: Instituto Socioambiental

0 0 votos
Avaliação do artigo
Se inscrever
Notificar de
guest
0 Comentários
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários

Parcerias

Ads2_parceiros_CNTE
Ads2_parceiros_Bancários
Ads2_parceiros_Sertão_Cerratense
Ads2_parceiros_Brasil_Popular
Ads2_parceiros_Entorno_Sul
Ads2_parceiros_Sinpro
Ads2_parceiros_Fenae
Ads2_parceiros_Inst.Altair
Ads2_parceiros_Fetec
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow

REVISTA

REVISTA 114
REVISTA 113
REVISTA 112
REVISTA 111
REVISTA 110
REVISTA 109
REVISTA 108
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow

CONTATO

logo xapuri

posts recentes

×