Por Thiago de Mello
Podem até ser um tanto tristonhas. Mas me fazem um inefável bem à alma os cantos dos pássaros noturnos da floresta. Dormem de dia, trabalham e cantam de noite. Eles enxergam no escuro.
O mauari, espécie de garça cinzenta que só aparece quando a noite chega, enxerga o peixe comendo o capim na flor da água. O bacurau, pássaro pequeno, avermelhado e bom de garras, canta o próprio nome: só que repete várias vezes as duas primeiras sílabas até largar, compridamente, o nome completo.
Mas gosto muito mesmo é do canto das corujas que moram nas centenárias mangueiras e no pé de cupu do nosso quintal. São de várias espécies e tamanhos. Tem a coruja-preta, a buraqueira, o pequenino caburé, o próprio mocho, o corujão de olhos vermelhos, e a alvacenta suindara. Todas de poderosas garras. Os ratos e lagartos passam mal com elas.
Disse que o canto delas me faz bem à alma. Pois o meu corpo também lhes fica agradecido. Porque o canto das corujas acalenta o meu sono da madrugada. Cada qual canta na sua hora e na sua vez. Uma não se mete no canto da outra. Mas, às vezes, tenho a impressão de que conversam.
Já identifiquei o pio miudinho dos filhotes pedindo comida: uma perninha de calango, uma asa de mariposa. O canto mais agudo é o da suindara, que tem casa no cupuaçuzeiro e que estremece as ramagens com as suas asas grandonas.
Perdão, há um instante em que os cantos delas se confundem: é quando a noite vai se acabando. Elas cantam, aflitas, para se despedir das estrelas.
Assustador, pior ainda, agourento, é o canto da coruja que aqui na mata a gente chama de rasga-mortalha. É a única que canta voando, que canta a qualquer hora da noite ou do dia. Porque o seu canto é um aviso. É como o ruído de um pano que rasga de alto a baixo: áspero, estridente. Quando ela passa cantando sobre o telhado da casa onde tem gente enferma, é aviso de que a morte está a caminho.
Thiago de Mello
Poeta maior do Brasil e da Amazônia, em “Amazonas: águas, pássaros, seres e milagres”. Editora Salamandra, 1998.
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