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Nicolas Behr: O descobridor de Brasília

Nicolas Behr: O descobridor de Brasília

Se formos desencavar a gênese de Brasília, no baú encontraremos os nomes de Cruls, o inventor; Niemeyer, o criador; JK, o implantador; e Nicolas Behr, seu descobridor. Um, com mapas e astronomia. Outro, com arquitetura e urbanismo. Outro mais, com projetos e concreto armado. E o seguinte, com poesia. Todos com ousadia, criatividade, vontade e muita competência.

Por Jaime Sautchuk

Os intrigantes e geniais traçados de Lúcio Costa, cores e plantas de Burle Marx, mais as edificações do Oscar emprestaram ao poeta suas nuances e segredos. As linhas tortas do Cerrado, as dicas do passado e revelações do futuro ganham formas em palavras escritas, quase desenhadas, de poemas pós-modernos.

Nascido em Mato Grosso, em 1958, Nikolaus Hubertus Josef Maria von Behr viveu até a adolescência entre Cuiabá, a capital, a fazendola dos pais e o colégio interno de padres jesuítas na remota Diamantino. Os sertões do Centro-Oeste, nas beiradas da Amazônia, lhe proporcionaram uma infância muito feliz, segundo ele conta.

Em 1974, contudo, a família se mudou de mala e cuia pra Brasília, em busca de vida nova. Estudando no então efervescente Colégio do Setor Leste, já com o nome resumido a Nicolas Behr, ele se meteu com política estudantil e literatura, muito presentes naquela escola pública da capital.

Três anos depois, lançou seu primeiro livreto artesanal de poemas, com o sugestivo título de “Iogurte com Farinha”. Em formato de bolso, estilo cordel, impresso em mimeógrafo a álcool, com tiragem de 8.000 exemplares, a obra era vendida por ele próprio, de mão em mão, em praças, universidade e principalmente bares. Um sucesso.

Por bom tempo, tirou dali seu sustento, embora de custo baixo, já que morava com os pais. No ano seguinte, publicou mais três, no mesmo formato: “Grande Circular”, “Caroço de Goiaba” e “Chá com Porrada”. Ganhou destaque na “Geração Mimeógrafo”, como ficou conhecida a poesia marginal produzida à época no Brasil inteiro, que incluía gente como o paranaense Paulo Leminsky.

Mas, logo Nicolas foi preso pela polícia política da ditadura, sob a acusação de “porte de material pornográfico”. A justiça o impediu de publicar novos livros, de agosto de 1978 a março de 1979, mas nesse período ele produziu a série “O que me der na telha”, que eram versos grafados em telhas de barro, por ele mesmo moldadas. Absolvido das acusações, seguiu adiante.

O estilo enxuto, afiado, já estava assentado. Em um dos pequenos volumes ele já explicava, em versos, seu jeito de versejar: “estes são poemas minuto / que foram escritos para / serem lidos em segundos / e pensados por horas”.

Pra ele, a poesia deve conter uma dose de humor e muita leveza, pois “o que pesa, afunda”. Outra característica de seus poemas é o descaso com a rima, que muitas vezes nem dá as caras, dando lugar a uma certa harmonia na leitura e no próprio visual do versado, que segue um ritmo brasiliense, por assim dizer.

No ano seguinte, lançou mais dez livretos e arranjou emprego em agência de publicidade, como redator. Ao mesmo tempo, atuava em atividades do Movimento de Defesa da Amazônia (MDA) e fundou o Movimento Ecológico de Brasília (MOVE).

No campo cultural, participava também do Grupo Cabeças, um ajuntamento de jovens de muitas artes, que é tido por estudiosos como um embrião da explosão do rock de Brasília, que projetou várias bandas, inclusive a Legião Urbana, de Renato Russo.

Em 1986, largou a publicidade e passou a trabalhar em outra ONG ambientalista, a FUNATURA-Fundação Pró-natureza, pra assegurar um ganha-pão. Estava enfronhado, pois, na questão ambiental.

No mesmo ano, casou com Alcinda Ramalho, com quem montou, alguns anos depois, o Pau-Brasília, um viveiro e loja de plantas do Cerrado, que é a principal atividade econômica do casal. E tiverem três filhos, hoje já adultos.

No viveiro, eles produzem principalmente mudas de palmeiras e frutíferas nativas do Cerrado, comercializadas em vasos, com adubo orgânico. No mais das vezes, são espécies raras, de difícil cultivo, que ao longo dos anos foram sendo eliminadas do cenário natural cerratense pela mão humana.

Nicolas considera o viveiro o seu fio-terra, sua ligação mais forte com o mundo real. O manejo das plantas exige disciplina, organização e horários. Na loja, atender a freguesia acaba sendo estimulante, pelas conversas com pessoas diferentes, trocas de ideias com gente comum, sobre assuntos corriqueiros da cidade.

O fato é que, após bons anos sem nada publicar, em 1993 ele voltou às lides, só que agora com livros impressos em gráficas, em formatos convencionais, que conseguem parar em pé nas estantes de residências, livrarias e bibliotecas.

A rebeldia no formato ficou no passado, mas o estilo do conteúdo se manteve o mesmo, com exceção de obras como o livro botânico “Palmeiras do Brasil: nativas e exóticas”, do qual é coautor.

A partir dali ele passou a grafar Braxília, com “x” em vez de “s”, um jeito de se diferenciar, mas com um sentido implícito. “Passei a usar o ‘x’ como forma de expressar uma outra utopia, como aquela que tornou Brasília real, mas é a minha utopia, uma incógnita”, explica ele.

E manteve, também, tom crítico aos três poderes da União, mais visíveis na capital, com seus palácios suntuosos. Um exemplo, no livro “Braxília Revisitada-vol 1”, de 2004: “na mitologia candanga juscelino é Zeus e o olimpo é um cargo de assessor num desses tribunais superiores”

Em 2014, Nicolas lançou o “BrasiliA-Z, Cidade-Palavra”, que ele chama de dicionário, mas que, em verdade, é uma coletânea de verbetes que se referem a eventos, ou momentos, por ele vivenciados desde que ali aportou. Livro de memórias, portanto.

Fechando as contas, até agora ele publicou 16 livretos em mimeógrafo e 22 livros de poesia. São encontrados nas boas casas do ramo ou na bolsa dele, pois a venda de mão em mão é um vício do qual ele não se cura.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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