De onde surgiu Lampião, o apelido de Virgulino
Por Wagner G. Barreira
É raro, raríssimo, cangaceiro sem apelido, rito de passagem em que se abandona o trato de batismo pelo nome de guerra. A prática rendeu centenas de denominações.
Há pássaros em profusão no céu do cangaço — Asa-Branca, Bem-te-vi, Andorinha, Beija-Flor — e uma fauna exuberante: Açucena, Algodão, Coco Verde, Moita Brava. Pelo sertão, esgueiram-se Jararaca, Jiboião, Cobra-Verde e Caninana. O cotidiano está presente nas alcunhas de Sabonete, Caixa de Fósforos, Colchete. Há nomes modernos, como Zepelim, Maquinista, Velocidade, e improváveis, como Anjo, Amoroso e Delicadeza.
Ao entrar no bando de Sinhô Pereira, nada mais natural que os irmãos Ferreira ganhassem nomes: o de Antônio (Esperança) e de Livino (Vassoura), simplesmente não pegaram. Virgulino recebeu o apelido que o tornou famoso pelo comportamento sob fogo. É difícil precisar quando surgiu.
A versão mais aceita conta que, em meio a uma troca de tiros noturna, o céu sem lua, um dos companheiros deixou cair um objeto — e não conseguia encontrá-lo. Virgulino sugeriu que o procurasse com o clarão de sua arma e a cada disparo repetia: “Acende, Lampião!”, “Acende, Lampião!”. A velocidade dos disparos dava a impressão de disparo contínuo, de luz permanente.
Uma variante, contada por Rodrigues de Carvalho, diz que o batismo ocorreu depois do combate, já no acampamento, em meio a uma bebedeira generalizada: “Um apelido bonito impressiona amigos e inimigos”, teria dito um cangaceiro.
“Não é preciso nada, não, pessoal! Não precisa de apelido nenhum não! Basta que o cabra tenha vontade de brigar quando for preciso e isso eu garanto. Uma coisa eu posso dizer, sem estar contando pabulagem: no tiroteio de ontem à noite, a boca desse rifle velho não se apagou“, afirmou Virgulino.
O grupo aplaudiu e um dos presentes brincou que as noites tinham se apagado para o bando, pois deixariam de brigar no escuro. “Temos um lampião, pessoal!”.
Wagner G. Bandeira, em ‘Lampião e Maria Bonita: Uma história de amor e balas”. Editora Planeta, 2a edição, 2018.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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