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Cidadania: Mudar o mundo a partir da aldeia

Cidadania: Mudar o mundo a partir da aldeia

O Brasil possui 5.570 municípios. Mais de 90% da população está na área urbana. São Paulo, com quase 12 milhões de habitantes, possui população maior que a de vários países. Alguns outros possuem grandes extensões territoriais, como Altamira no Pará. Com seus 159.533,730 Km², é maior que os estados de PE, AL e SE juntos, e quase duas vezes maior que Portugal.

A Constituição Federal de 1988 reconheceu o Município como ente da federação, inserindo-o na organização político-administrativa do Estado. Os municípios passaram a ter competências constitucionais específicas, e algumas em comum com a União, com os estados, como a política ambiental.

Há competências concorrentes: a União edita normas gerais; estados, DF e municípios suplementam essas regras e as adaptam às peculiaridades locais; Exemplo: a legislação sobre orçamento.

As competências privativas dos municípios estão no Artigo 30 da Constituição Federal – legislar sobre assuntos locais; instituir e arrecadar tributos; prestar serviços públicos de interesse local, como o de transporte coletivo – de caráter essencial; manter, com a cooperação técnica da União e do Estado, programas da educação infantil e do ensino fundamental; prestar, com a colaboração da União e do Estado, serviços de saúde; promover o ordenamento territorial e a proteção do patrimônio histórico-cultural local.

Porém, a grande maioria dos municípios brasileiros possui estruturas administrativas pouco organizadas e com recursos financeiros, logísticos e humanos restritos. As escassas possibilidades de geração de receitas próprias os tornam dependentes das transferências dos governos estaduais e federal, limitando suas ações para a promoção do desenvolvimento local e a valorização de seus profissionais.

Sem a realização de reforma agrária e com um projeto que estimula o consumo de bens duráveis e concentra nas cidades a oferta de serviços básicos e programas assistenciais, estas se tornaram possibilidade de uma vida melhor. Coerente com o processo de segregação, os brasileiros com menor renda foram empurrados às periferias, sem possibilidade de inserção efetiva à cidade.

Para os expulsos dos centros economicamente viáveis, sobram as terras não regularizadas, os espaços precários nas periferias, os locais de risco, os loteamentos irregulares. Fora dos mapas e dos cadastros, não se beneficiam dos serviços públicos essenciais, como luz, água e saneamento.

Consequências: baixa qualidade de vida, violência, déficits habitacionais e de infraestrutura, enchentes, desmoronamentos com mortes, desmatamentos, ocupação de Áreas de Proteção Permanente, poluição, congestionamentos, crescimento da população moradora de favelas, aumento da segregação, estresse, depressão, individualismo, competição.

Conquistas recentes: criação do Ministério das Cidades, promulgação do Estatuto das Cidades, aprovação dos marcos regulatórios do saneamento, dos resíduos sólidos, aprovação de Planos Diretores, retomada das políticas de habitação e saneamento.

Exemplo de ação governamental importante para desenvolvimento municipal: Programa Territórios da Cidadania, que agrupa municípios próximos e com características similares, para promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável.

Outro exemplo: Programa de Aquisição de Alimentos promove o acesso à alimentação e incentiva a agricultura familiar. Estimulou a Lei 11.947/2009, que determina que no mínimo 30% do valor repassado a estados, municípios e Distrito Federal pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para o Programa Nacional de Alimentação Escolar seja utilizado na compra de gêneros alimentícios da agricultura e do empreendedor familiar.

O Brasil está comprometido com a promoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, definidos pela ONU em 2015 para os próximos 15 anos, a serem implementados com o engajamento dos municípios. Garantem direitos de educação, transporte, lazer, saúde, alimentação, saneamento, acessibilidade, igualdade. Destaca-se o objetivo 11, que exige maior protagonismo dos governos locais.

Os desafios exigem coragem para implementar as mudanças que garantam moradia digna em locais regularizados; habitação, emprego, mobilidade urbana, lazer, ambiente saudável, trabalho; acesso aos serviços para quem mora no campo; vida digna e bem-estar a todos/as; exercício pleno da cidadania. Essa, a lógica do poder voltado para o interesse público.

A aposta precisa ser na democracia participativa, que promova e valorize a comunidade. O chão para esse exercício é o município, que tem poder para, a partir do fortalecimento local se transformar em indutor de políticas públicas para outras esferas.

O Brasil possui conhecimento técnico, experiência profissional acumulada, e planos e leis que regulam a implementação de um desenvolvimento sustentável para a maioria da população. Os trabalhadores/as municipais, para atender a população de forma adequada, precisam ser valorizados e qualificados para que essa atenção seja aprimorada.

As próximas eleições para prefeitos e vereadores dizem respeito ao poder local. É hora de avaliar propostas e cobrar compromisso com a justiça e a igualdade dos cidadãos, para que se efetive a cidadania nas cidades. O princípio é de que, para mudar o mundo, temos que começar mudando a própria aldeia. Ou seja, a partir do município, construir esse outro mundo possível, com dignidade e cidadania.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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