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A bomba fiscal e a reconstrução do Brasil

A bomba fiscal e a reconstrução do Brasil

Aloizio Mercadante

No início da madrugada de quarta-feira, 3, a Câmara dos Deputados aprovou, na votação em primeiro turno, a chamada PEC dos Precatórios.

Foram apenas quatro votos além do necessário para mudanças constitucionais.
O relator negociou emendas até o último momento, mesmo que elas nunca tenham sido formalmente apresentadas. 

O relatório que foi à votação era uma emenda aglutinativa, sendo que o relator não pode redigir,
pois não é autor. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), patrocinou outro estupro
regimental, permitindo que deputados em viagem pudessem votar à distância. Foi um vale-tudo processual.

Para piorar, veio a público a informação de que o governo liberou R$ 1,2 bilhão em emendas do relator, o tal orçamento secreto, na véspera da votação da PEC. Isso é gravíssimo.

A prática revela o uso de um orçamento que não é transparente e não obedece a critérios técnicos para convencer parlamentares a aprovarem uma mudança constitucional que, no futuro, vai abrir espaço a esse tipo de emenda exclusivamente fisiológica. É a completa degradação da relação institucional e da autonomia entre os Poderes.

Entretanto, o mais grave é que essa PEC é inconstitucional. No passado, houve um acordo e uma nova legislação sobre precatórios, dos quais participei ativamente como líder do governo no Senado na época de Lula, que envolveu o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

O acordo previa pagamento na fila para os precatórios, com um percentual destinado a eventuais
leilões para quem quisesse receber antes, sempre em função do tamanho do deságio oferecido. Simples e transparente, o acordo beneficiava o poder público, respeitando o interesse dos credores.

Ainda assim, o STF julgou inconstitucional. Imagina qual será o destino desse emaranhado de mudanças com muitos interesses ocultos? Por isso, é evidente que a PEC dos Precatórios, já chamada de PEC do Calote, cujo papel é gerar recursos para Bolsonaro disputar a reeleição, e emendas no orçamento para os deputados, será derrubada pela Suprema Corte.

A PEC limita os valores de pagamento dos precatórios aos valores de 2016, corrigida a inflação.
E muda o cálculo do teto de gastos, abrindo um rombo de R$ 91 bilhões. Ela pagará 40% dos precatórios devidos do antigo Fundef em 2022, 30% em 2023 e os outros 30% em 2024. Como utilizar tal argumento para o voto favorável? Sem a PEC, o Fundef seria pago integralmente.

O insustentável teto de gastos, que deveria ser reformado com regras estáveis e duradouras, virou um puxadinho de R$ 91 bilhões. E a razão fundamental e inconfessável dessa maioria foi o aumento expressivo das emendas de relator para alimentar o orçamento secreto e o fisiologismo crescente que alimenta a base de sustentação do desgastado governo Bolsonaro.

A votação dessa PEC também foi um desastre para setores da oposição, que mais uma vez
se alinharam ao Palácio do Planalto.

O PSDB e a chamada terceira via, com seu aparente antibolsonarismo tardio, deram uma importante contribuição. Além deles, outros 25 deputados
do PDT e PSB votaram a favor do texto, sendo que cinco deputados do PDT são do Ceará, diretamente ligados a Ciro Gomes.

O ex-ministro da Integração Nacional suspendeu sua candidatura presidencial diante deste vexame. O PT foi coerente e votou em bloco, o único partido com candidatura presidencial competitiva que mais uma vez votou com seu programa e por suas propostas.

A prioridade nunca foi a construção de uma nova regra fiscal consistente e duradoura, que supere a ortodoxia fiscal permanente e insustentável do teto, imposta pelo golpe. Muito menos a motivação é uma política de renda para a proteção dos mais pobres, jogados ao desemprego massivo e à fome generalizada.

É absurda a extinção de um programa exitoso como o Bolsa Família, reconhecido internacionalmente, com extraordinários resultados, que poderia ser ampliando com maior acesso de beneficiários e reajuste no valor recebido, congelado desde o Golpe de 2016.

O chamado Auxílio Brasil é inconsistente e eleitoreiro. Além de não ter fonte de receita permanente para depois de 2022, retirara do Auxílio Emergencial 22 milhões de beneA prioridade nunca foi a
construção de uma nova regra fiscal consistente e duradoura, que supere a
ortodoxia fiscal ficiários. Pior. A partir de 2022, sangra mais R$ 20 bilhões do teto de gastos.

Enquanto isso, o Banco Central anuncia juros de dois dígitos e a bomba fiscal é programada para o próximo presidente. A estagnação vai se instalando, o custo de vida da população segue elevado, a privatização operacional e o desmonte da Petrobrás mostram seu lado mais perverso e a fome e a insegurança alimentar tomam conta das periferias das grandes cidades.

Há, ainda, alguma chance de reverter o resultado na segunda votação, porque a margem da vitória
foi muito apertada. E, ainda, no Senado, que por vezes tem sido mais rigoroso e prudente em relação aos interesses fisiológicos da Câmara. Para isso, é importante a pressão popular e da opinião pública.

O Brasil segue sem rumo, enquanto Bolsonaro e a base fisiológica dele se apropriam de recursos que deveriam proteger os mais pobres e alavancar os investimentos para a reconstrução do país. Vivemos uma verdadeira tragédia histórica que precisa ser superada o quanto antes. Não haverá reconstrução do Brasil com este desgoverno. 

Aloizio Mercadante – Presidente da Fundação Perseu Abramo. Capa: Sue Dinheiro.


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