Pesquisar
Close this search box.

Contra a estupidez, o comunismo! Ahn?

Contra a estupidez, o comunismo! Ahn?

 Na quinta-feira, 2 de setembro, discuti num programa sobre leitura veiculado no Instagram (No Sofá Amarelo), a constatação óbvia de que “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”, como disse o Umberto Eco. E deram espaço para himalaias de lixo cultural que sufocam iniciativas de natureza iluminista, completei.

Por Antônio Carlos Queiroz 

Em contraponto, mencionei o fenômeno que chamo de comunismo cultural, isto é, o compartilhamento gratuito de livros, teses, dissertações, filmes, músicas, pinturas, cursos de línguas e milhares de outras criações culturais e educacionais em plataformas digitais como a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (bbm.usp.br), a Biblioteca Nacional de Portugal, a Gallica francesa, a Biblioteca Digital Hispánica, o archive.org americano, o dominiopublico.gov.br, as páginas das universidades públicas etc etc.

Nesse universo destaca-se a Wikipédia, de longe a melhor enciclopédia do mundo, atualizada diariamente “enquanto o fato ainda não acabou de acontecer”, como diria Drummond. 

Ciente do espanto que provocaria, acrescentei o argumento do sociólogo americano Robert K. Merton, fundador da sociologia da ciência, segundo o qual a ciência moderna obedeceria a um “imperativo institucional comunista”. Comunista? Pois é, o Merton, um funcionalista, disse que a ciência é um patrimônio comum da humanidade, o que implica o cientista no dever de publicar as suas descobertas, de se opor à confidencialidade, e de ter sobre elas direitos morais mas não patrimoniais etc.

Por minha conta, eu disse que o princípio comunista da ciência parece ter sido inaugurado pelo primeiro secretário da Royal Society de Londres, o filósofo natural alemão Henry Oldenburg (1619-1677), junto com a adoção da prática da revisão por pares (peer review).

Fundador da primeira revista mundial dedicada exclusivamente à ciência, a Philosophical Transactions (março de 1655), ativa até hoje, Oldenburg contava entre seus correspondentes estrangeiros o dinamarquês Rasmus Bartholin; o belga René François Walter de Sluse; os franceses Adrien Auzout, Henri Justel, Pierre Petit e Ismaël Bullialdus; os alemães William Curtius, Johan Hevelius, Gottfried Leibniz, Ehrenfrid Walter von Tschirnaus; os italianos Paolo Boccone, Giovanni Domenico Cassini, Marcello Malpighi; e os holandeses Christian Huygens e seu pai, Constantijn, Antoni Leeuwenhoek, Bento de Spinoza, Peter Serrarius, Isaac Vossius etc.

CUDOS – A proposição do éthos da ciência, composto de quatro imperativos institucionais (os CUDOS), foi apresentada por Robert K. Merton (1910-2003) no artigo A ciência e estrutura social democrática de 1942. Além da norma comunista, compõe as “normas mertonianas” outras três: o universalismo, que exclui da objetividade científica critérios religiosos, raciais, políticos, nacionais, classistas, de gênero etc; o desinteresse, pelo qual o cientista, embora tenha interesses legítimos, como o direito à propriedade moral (reconhecimento público), deve agir como se não tivesse interesses pessoais nas pesquisas; e o ceticismo organizado, a atitude crítica de descartar afirmações sem o devido exame baseado em critérios lógicos e empíricos, e de se opor à credulidade e ao dogmatismo. Posteriormente, acrescentaram à lista outros princípios, como o da originalidade.

Na prática, os CUDOS sempre foram violados pelos donos do Capital, a serviço da ignorância e da estupidez, a começar pela imposição do sistema de patentes para garantir a exploração comercial dos produtos tecnológicos, rigida e convenientemente separados de suas matrizes científicas. É por isso que as grandes companhias farmacêuticas lucram os tubos vendendo vacinas contra o coronavírus da Covid-19, por exemplo.

O conhecimento sobre o comportamento dos vírus, aprimorado por milhares de pesquisadores de dezenas de países, em geral financiados com dinheiro público, é hoje desavergonhadamente apropriado por meia dúzia de multinacionais que exploram a desgraça dos povos, com a ajuda dos atravessadores, aliás.

Essas empresas violentam assim a máxima do Galileu Galilei na peça de Bertolt Brecht segundo a qual “a única finalidade da ciência é a de aliviar a canseira da existência humana”.     

Espertalhões – Em 2011, a economista ítalo-americana Mariana Mazzucato demonstrou, no livro O Estado Empreendedor, que as maiores firmas de alta tecnologia, como a Microsoft, a Apple, o Google e a Amazon montaram os seus negócios com base em tecnologias chamadas “espertas” (smart), como na palavra smartphone. Mas o que teriam de “espertas” essas engenhocas? O fato de quase todas as suas funcionalidades terem sido desenvolvidas por agências do Estado financiadas pelo público, e, claro, embaladas por designers descolados a serviço dos “gênios de garagem” como Steve Jobs e Bill Gates. 

Mazzucato listou no capítulo 5 do livro (O Estado por trás do iPhone) as doze principais tecnologias embarcadas no iPod, iPhone e iPad, que diferenciam esses produtos de seus rivais no mercado. Cada uma dessas tecnologias foi criada por alguma agência estatal antes de começar a dar lucros para a Apple. São elas:

1) Microprocessadores ou unidades de processamento centrais (CPU): desenvolvidos pelas empresas Bell Labs, Fairchild Semiconductor e Intel, por encomenda da Força Aérea Americana e da NASA;

2) Memória de acesso aleatório dinâmico (memória RAM): Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA);

3) Microarmazenamento do disco rígido ou discos rígidos (HD): Departamento de Energia dos Estados Unidos (DoE) e DARPA;

4) Tela de cristal líquido (LCD): desenvolvida pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), Fundação Nacional de Ciência (NSF) e Departamento de Defesa (DoD);

5) Baterias de lítio: Departamento de Energia dos Estados Unidos (DoE);

6) Processamento digital de sinais (PDS), com base nos avanços nos algoritmos da transformação rápida de Fourier (TRF): Agência de Política de Ciência e Tecnologia (OSTP); 

7) Internet: DARPA;

8) Protocolo de Transferência de Hipertexto (HTTP ) e Linguagem de Marcação de Hipertexto (HTML): Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN);

9) Tecnologia de celular e redes: Exército americano;

10) Sistema de Posicionamento Global (GPS): Departamento de Defesa (DoD) e Marinha;

11) Navegação click wheel (anel de comando sensível ao toque do iPod):  CERN; telas multitoque (touch screen): Departamento de Energia, CIA, Fundação Nacional de Ciência (NSF) e Departamento de Defesa (DoD); 

12) Inteligência artificial com programa de interface com s voz do usuário (SIRI): desenvolvida pelo Stanford Research Institute (SRI), por encomenda da DARPA.

No capítulo 9 do livro, Mariana Mazzucato argumenta que as empresas como a Apple deveriam devolver parte de seus lucros para o Estado empreendedor,  o qual, com recursos públicos, faz operações de risco para desenvolver tecnologias avançadas que depois costumam beneficiar só as empresas privadas.

Quem é radical? – Mazzucato é moderada, ela não propõe nenhum mecanismo de socialização dos meios de produção. Ela sugere apenas a cobrança de algum retorno direto (além de impostos) das firmas de alta tecnologia para cobrir as perdas inevitáveis dos investimentos feitos pelo Estado, e também para repor os fundos de inovação necessários para as próximas rodadas. Por óbvio, sua proposta é vista no mercado como “radical”.

Pensando bem, radicais mesmo são, por exemplo, as seis editoras oligopólicas mundiais de artigos científicos – ACS, Reed-Elsevier, Springer, Wiley-Blackwell, Taylor & Francis e Sage –, cujos programas parecem ter como alvo o imperativo comunista da ciência. Os artigos, produzidos por pesquisadores financiados com impostos em vários cantos do mundo, são apropriados por essas editoras caça-níqueis para serem comercializados, dificultando assim a sua divulgação entre os seus pares. 

Por isso considero perfeitamente compreensíveis e louváveis as iniciativas dos sites de popularização do conhecimento como o libgen, que oferece gratuitamente milhões de livros e artigos científicos; e o Sci-Hub, fundado há dez anos pela ciberativista Alexandra Elbakyan, do Cazaquistão. Essa plataforma dá acesso a milhões de artigos científicos a partir de seu indexador DOI (Digital object identifier).

Nem vou mencionar o Pirate Bay, que distribui filmes, livros e músicas grátis, pra depois não dizerem que estou defendendo a pirataria! 

Antônio Carlos Queiroz – ACQ é jornalista e militante dos movimentos sociais. 


Salve! Você pode apoiar nosso trabalho comprando um produto na nossa Loja Xapuri ou fazendo uma doação de qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Contamos com você!

P.S. Segue nosso WhatsApp: 61 9 99611193, caso você queira falar conosco a qualquer hora, em qualquer dia. GRATIDÃO!


Camisetas

Banners II - camisetas

Toda Camiseta da Loja Xapuri é uma declaração de esperança, uma expressão de solidariedade, um compromisso com a resistência.

Banners II - camisetas

Toda Camiseta da Loja Xapuri é uma declaração de esperança, uma expressão de solidariedade, um compromisso com a resistência.

previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow

 

E-Book A Verdade Vencerá – Luiz Inácio Lula da Silva

Em entrevista aos jornalistas Juca Kfouri e Maria Inês Nassif, Lula expressa sua indignação com o massacre sofrido ante a farsa da Lava Jato. Imperdível!

[button color=”red” size=”normal” alignment=”center” rel=”follow” openin=”samewindow” url=”https://lojaxapuri.info/produto/e-book-a-verdade-vencera-luiz-inacio-lula-da-silva/”]COMPRE AQUI[/button]

 

 

 

 

0 0 votos
Avaliação do artigo
Se inscrever
Notificar de
guest
0 Comentários
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários

Parcerias

Ads2_parceiros_CNTE
Ads2_parceiros_Bancários
Ads2_parceiros_Sertão_Cerratense
Ads2_parceiros_Brasil_Popular
Ads2_parceiros_Entorno_Sul
Ads2_parceiros_Sinpro
Ads2_parceiros_Fenae
Ads2_parceiros_Inst.Altair
Ads2_parceiros_Fetec
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow

REVISTA

REVISTA 113
REVISTA 112
REVISTA 111
REVISTA 110
REVISTA 109
REVISTA 108
REVISTA 107
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow

CONTATO

logo xapuri

posts recentes