Pesquisar
Close this search box.

Me chamo Democracia e peço socorro no Brasil

Me chamo Democracia e peço socorro no Brasil

Uma crônica sobre as balas que mataram Marielle, provocaram a chacina de Maricá e atingiram a caravana de Lula. Votaremos em outubro?

Por Xico Sá no El Pais – 

Meu nome é Democracia, dizem que nasci na Grécia, e não ando passando muito bem no Brasil ultimamente. Logo aqui, onde sou sempre adolescente e vivo espremida entre um golpe e outro. Na maca, jogada nos corredores de hospitais de guerra, clamo por ajuda. Mesmo que o tom pareça piegas -viva a pieguice honesta-, juro que não é chantagem: ou cuidam desta jovem em farrapos ou deixo o país das Desigualdades Eternas antes das eleições de outubro.

As balas, nada perdidas, alvejam Marielle, Anderson e os cinco meninos do rap de Maricá, Rio de Janeiro: Sávio Oliveira, Mateus Bittencourt, Matheus Baraúna, Marco Jhonathan e Patrick da Silva. Há uma gota de sangue em cada rima no conjunto habitacional Carlos Marighella.

 

Sou alérgica a insultos à história, mas, democraticamente, tolero. Repare no que tive que ouvir esta semana, logo da boca dele, o vice que versa, como se fosse a mais legítima das autoridades: 1964 não foi golpe de Estado, o povo se regozijou com o desejo de centralização do poder. Dada a urgência da hora, nem entrarei no mérito da tramoia de 2016 que levou o próprio Temer ao comando.

Meu nome é Democracia e meus tímpanos foram estourados pelos megafones da intolerância. À direita e à esquerda de quem entra no debate, do lado dos jacobinos ou dos girondinos, mortadelas ou coxinhas. Dói como uma pedrada de um inimigo. E vocês sabem como venho aos “trancos e barrancos” por estas plagas tropicalientes — não custa nada lembrar o título da divertida aula-livro do professor Darcy Ribeiro.

Não sou de ficar de mimimi por qualquer bomba de gás lacrimogêneo, sou à prova de gás pimenta e balas de borracha. Não sou de ficar de mimimi nem gastar meu tempo com memes. Os sinais, no entanto, não são para amadores. Espalham por gabinetes, casernas e blogosfera de Brasília que podemos não ter eleições neste 2018.

Só cantando aquela do Chico, o mesmo das minhas conterrâneas mulheres de Atenas, para aguentar a barra: “O que será, que será? / Que andam suspirando pelas alcovas / Que andam sussurrando em versos e trovas/ Que andam combinando no breu das tocas/ Que anda nas cabeças, anda nas bocas/ Que andam acendendo velas nos becos/ Que estão falando alto pelos botecos/ E gritam nos mercados que com certeza…”

Citando A boa política do professor Renato Janine Ribeiro, repito, no mais antigo espírito grego: “A internet não é uma ágora”. Está a léguas e léguas submarinas de ser aquela praça em que se reuniam os cidadãos para as decisões importantes. Onde queres ágora, tens a bolha dos algoritmos.

Meu nome é Democracia -na versão brasileira ainda sou uma garotinha- e logo mais terei que ser tolerante com a moçada que comemora o golpe de 31 de março de 1964. Desse bolo não lambo os beiços. Cuidado, caveira, cuidado, veneno.

Foto: Geledés

ANOTE AÍ:

Matéria publicada no jornal El Pais: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/30/actualidad/1522425261_440624.html

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor do romance Big Jato (editora Companhia das Letras), entre outros livros.

 

0 0 votos
Avaliação do artigo
Se inscrever
Notificar de
guest
1 Comentário
O mais novo
Mais antigo Mais Votados
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
julio cesar bonassa de oliveira

LIBERDADE IGUALDEDA E JUSTIÇA

Parcerias

Ads2_parceiros_CNTE
Ads2_parceiros_Bancários
Ads2_parceiros_Sertão_Cerratense
Ads2_parceiros_Brasil_Popular
Ads2_parceiros_Entorno_Sul
Ads2_parceiros_Sinpro
Ads2_parceiros_Fenae
Ads2_parceiros_Inst.Altair
Ads2_parceiros_Fetec
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow

REVISTA

REVISTA 113
REVISTA 112
REVISTA 111
REVISTA 110
REVISTA 109
REVISTA 108
REVISTA 107
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow

CONTATO

logo xapuri

posts recentes