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Emir Sader: Seria possível um Trump tropical?

Emir Sader: Seria possível um Trump tropical?

No período da globalização, os fenômenos internacionais tendem a ter peso ainda maior no plano nacional. Por isso é fundamental a sua compreensão, tanto para entender as eventuais analogias, quanto as diferenças, assim como para evitar a repetição mecânica de velhos clichês da esquerda, desgastados pelo seu uso e também pela sua reiterada inadequação, que mais confundem do que ajudam a compreensão dos fenômenos.

A emergência do neoliberalismo representou uma imensa vitória da direita e revés da esquerda, em vários planos. Não vamos repeti-los aqui, mas é fundamental recordar o desgaste da imagem do Estado, da política, dos partidos, das soluções coletivas e do próprio socialismo. No seu lugar, emergiram com força o mercado, as empresas, uma certa “sociedade civil”, os “indivíduos”, o consumidor.

Foi no período neoliberal que esse modelo foi assumido por forças social democratas e até mesmo nacionalistas (México e Argentina, por exemplo), isolando as forças que resistiram à sua emergência. As transformações no processo produtivo enfraqueceram aos sindicatos, assim como fortaleceram correntes de extrema direita, que conquistaram, em base ao chovinismo e à discriminação contra os imigrantes, a setores importantes da classe média e também da classe trabalhadora.

A hegemonia do capital financeiro no plano econômico, por sua vez, reorganiza a unidade interna do grande empresariado em torno da especulação financeira, enfraquecendo os processos produtivos, com suas consequências também para os projetos da esquerda. Sem esgotar os novos fenômenos, podemos nos dar conta – e sabemos, pela realidade concreta –, que é um período de fortalecimento global e nacional da direita e enfraquecimento da esquerda, nas suas múltiplas dimensões.

Os governos antineoliberais da América Latina atuaram e seguem atuando contra a corrente, afirmando a prioridade dos direitos sociais, distribuindo renda, retomando o crescimento econômico, fortalecendo o Estado, resgatando o papel da política, dos bancos públicos, da educação e da saúde pública, entre outras conquistas relevantes.

As políticas de austeridade na Europa e, em geral, a adesão da social democracia a modalidades de neoliberalismo geraram forte identidade entre os partidos tradicionais, que perderam apoio pelos efeitos negativos das políticas neoliberais. A bipolaridade partidária europeia foi se enfraquecendo, conforme essas políticas de austeridade, mais acentuadamente depois da emergência da crise recessiva internacional a partir de 2008, se intensificaram, gerando desgastes crescentes em amplos setores da população.

Perry Anderson analisa como as alternativas à austeridade vêm de partidos de extrema direita e da esquerda radical. Aqueles levam a vantagem de posições mais radicais: saída da União Europeia, saída do euro, entre outras, além das posições anti-imigrantista, que ganham a setores amplos da classe média e da própria classe trabalhadora. Em vários países da Europa partidos de extrema direita se fortalecem e aparecem como os que melhor galvanizam o descontentamento social com os efeitos das políticas neoliberais, em que o tema da defesa do emprego é central.

O Brexit e a vitória eleitoral de Donald Trump nos EUA representam a expressão desse fenômeno de novas maneiras. O triunfo do Brexit teve no voto de setores da classe trabalhadora do interior da Inglaterra, descontentes com a falta da defesa dos seus empregos pelos partidos tradicionais, a diferença decisiva que permitiu a vitória da alternativa da direita.

Nos EUA, de forma similar, setores da classe trabalhadora que haviam votado em Sanders nas internas do Partido Democrata, decidiram a eleição em quatro estados decisivos, ao deslocar seu voto para Trump, ao identificar nele a defesa dos seus empregos, tema praticamente ausente na campanha de Hilary Clinton.

As forças de direitas somaram, à sua plataforma conservadora, a questão do emprego, com um tom fortemente anti-imigração, certo, mas foi a forma que assumiu essa defesa nos debates eleitorais e que terminaram sendo decisivos para seus triunfos. E esse elemento agregado foi determinante para seus triunfos, mais além de se cumprem ou não com essa promessa.

Embora existam paralelamente outros fenômenos na direção oposta, nesses mesmos países, como o fortalecimento da direção de Corbyn no Partido Trabalhista inglês e a extraordinária campanha de Sanders nos EUA, globalmente a direita continua se fortalecendo.

O Syriza não conseguiu colocar em prática suas posições no governo, o Podemos e a França Insubmissa têm ainda dificuldades para surgirem como alternativas de governo na Espanha e na França, mas o governo de Portugal tem sucesso na sua plataforma antineoliberal e mostra que ela é factível, mesmo na Europa do euro, embora ainda seja um fenômeno isolado.

Por tudo isso, é totalmente equivocado dizer que há um “aguçamento da luta de classes no mundo de hoje”. É um clichê herdado do trotskismo, que na sua própria natureza tem essa previsão, diante de qualquer conjuntura, que nunca se confirmou.

Ao contrário. Duras políticas de austeridade na Europa, já por quase 10 anos, não tiveram resposta em grandes mobilizações populares, especialmente do movimento sindical, apesar do alto nível de desemprego e de desgaste do poder aquisitivo dos salários. Foi a direita quem mais capitalizou os efeitos antipopulares dessas políticas e não a esquerda.

Pior ainda. A França era considerada, por Engels, o “laboratório de experiências políticas”, porque ali tudo se dava de forma exemplar, radical, desde a Revolução de 1789, passando pela de 1848, chegando à Comuna de Paris de 1871. Essa tendência teve continuidade centralmente pela força da classe trabalhadora francesa, que era comunista ou socialista na sua quase totalidade.

No entanto, como sinal da virada conservadora da Europa e da França em particular, há várias décadas que a maioria da classe trabalhadora francesa vota na extrema direita, na Frente Nacional dos Le Pen. Em vários outros países, entre eles a Inglaterra e os países escandinavos, a extrema direita cresce tirando eleitores dos partidos social democratas, que enfraquecem suas bases operarias.

Em que medida pode-se pensar que fenômenos similares podem se dar aqui, quando Bolsonaro aparece com destaque em pesquisas? A novidade que pode ter aparecido para ficar é o protagonismo da extrema direita na política brasileira, antes apenas marginal, como produto da radicalização extrema de setores significativos da classe média, pelo ódio ao PT e a líderes de esquerda, como expressão do seu ódio à ascensão social das classes populares. Esse ódio se expressa em posições extremamente conservadoras, preconceituosas, a favor de soluções violentas, defendendo as bandeiras mais retrógradas e discriminatórias que existem no país hoje.

Chega a impressionar que posições dessa índole, antes isoladas em setores pequenos, hoje sejam defendidas por camadas mais amplas, concentradas na classe média, mas que se estendem a alguns setores das classes populares. No entanto, ao contrário do Brexit ou do Trump, o seu catálogo de posições não inclui demandas sociais, nem sequer do emprego. Ao contrário, expressam posições de incômodo e agressividade contra as políticas sociais, contra a ascensão social das classes populares, se somam ao pacote do governo que tira direitos dos trabalhadores.

No plano social se identificam com o golpe, não se pronunciam contra os superlucros bancários, chegam a identificar os problemas do Brasil na violência, que deveria ser combatida com mais violência. Há até mesmo um diagnóstico absurdo que chega a quantificar quanto o país perderia pela violência descontrolada na sociedade, que só seria controlada com mais e mais violentas ações da polícia e até mesmo das FFAA.

Enquanto se mantiver nesse plano, há um teto no possível crescimento de Bolsonaro, especialmente se ele não incorpora grandes reivindicações populares, particularmente o tema do emprego. Ele não reproduziria aqui o potencial do Brexit e de Trump. Só poderia crescer bastante, se a direita se der conta, em algum momento, que ele poderia ser o único candidato que poderia disputar com Lula. Aí, independentemente das posições que assuma, a direita pode fazer dele a única alternativa anti-Lula, intensificando ainda mais as campanhas contra este e promovendo Bolsonaro como o anti-Lula.

Alternativa não impossível, mas hoje menos provável, porque seria um tudo ou nada muito perigoso para as oligarquias dominantes, com uma candidatura que teria muitas limitações para chegar a amplos setores da população – por exemplo, do Nordeste -, além de que levaria a terem de defender posições extremamente preconceituosas e, no caso eventual de uma vitória, ficar nas mãos de um candidato descontrolado. Mas este seria um problema menor, se chegassem a depender dele para tentar derrotar o Lula.

Para a esquerda, a luta principal é para centrar a agenda nacional nas questões sociais tratando de impedir que a disputa seja centrada no tema da segurança pública, e que setores importantes das classes populares – vítimas diretas da insegurança e da violência –, adiram à centralidade dos problemas de segurança e da necessidade de ainda mais violência.

A esquerda teria, finalmente, que incorporar, não como tema central, mas importante, a necessidade de tirar as consequências do consenso geral existente hoje até mesmo entre os conservadores, do fracasso da “guerra às drogas”, e assumir formas de descriminalização, como a adotada pelo Uruguai.

Mas, no fundamental, retomar a centralidade dos problemas sociais, preocupando-se antes de tudo pelo tema do emprego e incorporando no discurso e nas medidas, também a setores das classes médias, vítimas das políticas do governo golpista, mas que resistem a localizar nele a raiz dos seus problemas.

A direita parte do isolamento que conseguiu produzir da esquerda, mas esta tem na popularidade do Lula, no seu discurso social, sua grande vertente para romper esse isolamento e derrotar a direita, seja na sua modalidade mais extremista ou em qualquer outra, de dentro ou de fora da política tradicional, que trate de encarnar o anti-Lula, que hoje representa o antidemocracia, o antidireitos sociais da massa da população e o antinacional.

Emir Sader
Sociólogo
Autor do livro “O Brasil que queremos. ”

Palavra-chave: Trump

Arte de Donaldo Trump: Imagem livre

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