Esperança contra a barbárie
por João Paulo Rillo
São tantas coisas
que começo a guardar
sentimentos
nas sacolas de supermercados
Preciso parar
de comprar
atrocidades a prazo
Não foi pra isso
que lutamos tanto
Não foi pra isso
que sonhamos tanto
Tá tudo envenenado
O amor
plantado com herbicidas
se transformou
numa bomba de ódio
Não perco
nenhum segundo
com a barbárie do presente
É triste
dilacerante
assistir inerte
o desmonte
como uma plateia
de um circo pegando fogo?
É!
Mas isso não é um circo
ele não é um palhaço
é um assassino
cruel
belicoso
“vagabundo!
miliciano!
bandido!
estelionatário!
corrupto!
criminoso!”
os desabafos
berrados com energia
liberam endorfina
são livres
e aliviam
Mas eu paro por aí
me incluam fora do Fora
E isso não significa
passar o pano
na realidade
Não há manto suficiente
“pra cobrir
tanta infâmia
e covardia”
Mas me incluam
fora do Fora
Deixa estar
educar
politizar
desgastar
sucumbir
De que vale
trocar a cara
se o corpo
o cérebro
continuarão o mesmo?
não seremos nós
– os que lutam e resistem –
a prestar serviços
aos inimigos
expulsar apenas um diabo
não significa a vitória do céu
o processo
é pedagógico
e precisa ir até o fim
até o fim
– com a exceção de um levante
que não acontecerá por decreto –
Estendamos as mãos
aos verdadeiros
companheiros
Com eles
construiremos
no presente
um jardim de futuro
Sem
veneno
mágoa
desprezo
ódio
a utopia plantada
milhares de vezes
de fora pra dentro
nos devolverá a floresta
se faz urgente
plantar milhares
de jardins de sonhos
Com relações
sinceras e fraternais
E isso
não será
de uma hora pra outra
Nada plantado hoje
será colhido
hoje mesmo
A grande busca
é descobrir
mais prazer no plantio
do que na colheita
Virar o ano
é uma mística cultural
forte e universal
uma catarse
quase que vital
para muitos
que seja!
mas não vou
perdoar nada
não vou esquecer
nada
do que aconteceu
neste ano
É com memória
que desejo
a todos que lutam
um ano novo
com muita esperança
nos velhos sonhos
*João Paulo Rillo é diretor de teatro, militante do PSOL e ex-deputado estadual paulista.
Fonte: Viomundo
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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