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O golpismo como tragédia e como farsa

Marx tomava, no XVIII Brumário, o comentário de Hegel de que a história se repete duas vezes, agregando que uma vez se dá como tragédia, a segunda como farsa.

No Brasil, o golpismo tenta retomar a afirmação do Carlos Lacerda sobre o Getúlio: “Não pode ser candidato. Se for candidato, não pode ganhar. Se ganhar, não pode tomar posse. Se tomar posse, não pode governar.”

Getúlio ganhou, tomou posse, governou – na sua fase mais nacionalista, mas terminou se suicidando quando a desestabilização golpista liquidou suas possibilidades de seguir governando. A tragédia se consumou.

Que condições o golpismo tem agora de impedir que o Lula seja candidato? Derrotá-lo, se ele for candidato? De impedir sua posse, se ele ganhar? De impedir que governe, se ele for eleito?

Por ora a direita joga a primeira carta, com empenho, porque sabe que, se for candidato, Lula ganha e assim as condições de impedir que ele tome posse ficam muito mais difíceis. Menos difícil, consideram, que ele seja impedido, ainda sem nenhuma prova, de ser candidato.

Vão conseguir? Não é um tema jurídico, mas político. Os promotores acreditam que, se condenarem o Lula, passam à história pelo serviço prestado à direita brasileira. Pretendem dar a esse eventual ato um verniz de condenação de um líder popular, que não estaria acima da lei. Quanto mais popular o Lula aparece, creem que seu ato provaria o caráter implacável da Justiça. Acreditam no poder do papel, da condenação jurídica. Mas é uma disputa aberta, em que se verá que autonomia tem sua ação diante do clamor popular.

Caso seja candidato Lula, que capacidade tem a direita de impedir que ele ganhe? A busca desesperada de alguém de fora da política, que apareça minimamente não comprometido com o governo mais impopular da história do Brasil, demonstra as dificuldades desse caminho.

Caso ganhe, que possibilidade teria a direita de impedir que o Lula tome posse? Somente as de caráter jurídico, nessa situação muito mais fragilizada, diante da consagração que uma nova vitória eleitoral teria para o Lula.

E, caso seja candidato, ganhe as eleições, tome posse, a direita poderia retomar algum caminho de golpe institucional? Também se vê difícil, porque a nova vitória do Lula representaria a consagração da vontade nacional de que o país retome o caminho do desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Se vê, já agora, como políticos tradicionais não vão querer estar fora dessa nova onda popular, dificultando a recriação de um clima golpista e a obtenção de maioria no novo Congresso para reeditar essa aventura. O prestígio popular do Lula será um obstáculo forte a que esse clima possa ser reinstaurado.

Uma nova vitória eleitoral do projeto encarnado por Lula representará também uma grande derrota da direita, com o fracasso do golpe e da tentativa de restauração neoliberal. É certo que uma nova vitória eleitoral do Lula vai requerer, antes de tudo, um referendo revogatório, para reinstaurar as condições de governabilidade. Assim como vai requer a convocação de uma Assembleia Constituinte, que redefina os poderes do Judiciário, do Congresso, dos bancos privados, que instaure a redemocratização dos meios de comunicação, entre outras questões que uma profunda democratização do pais demanda.

O novo golpe impõe a necessidade de uma nova estratégia de redemocratização do país, que desta vez não pode se limitar a restabelecer as normas formais do liberalismo político. Requer o que não foi feito na transição de saída da ditadura militar: a democratização das profundas estruturas de poder no país. A democratização dos meios de comunicação, da propriedade da terra, do sistema bancário, da produção da cultura, das estruturas econômicas, do sistema político.

Se o primeiro golpe foi uma tragédia, o segundo é uma farsa, que precisa ser derrotada, para que as conquistas democráticas estabeleçam raízes profundas na sociedade e no Estado brasileiro.

Emir Sader

Sociólogo

Autor do livro “O Brasil que queremos. ”

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