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Os Lázaros do Brasil

Os Lázaros do Brasil

 

Uma operação conjunta da Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e Batalhão de Operações Especiais (BOPE) matou 25 homens suspeitos no dia 31 de outubro, no município de Varginha, em Minas Gerais. Sim, isso mesmo eram suspeitos de pertencerem a uma quadrilha que praticava assaltos. Segundo as notícias na mídia tradicional, foram mortos numa troca de tiros, no entanto nenhum policial foi morto. Tempos duros.

A pandemia da Covid-19 descortinou um país com cidadãos doentes não só pelo vírus, mas pela dor, a fome e a depressão social e a desesperança. Para deixar o quadro ainda mais caótico, estamos vivendo tempos de barbárie?

Como se não bastasse, um Brasil obtuso, egoísta, defendido com dentes afiados nos tribunais das redes sociais, e, reverberados na mídia tradicional, se avoluma a cada dia que passa. É fato, o incentivo vem do próprio presidente da República, afinal a partir do seu comportamento e atitude é como se houvesse uma chancela, uma espécie de passaporte para que seus apoiadores se sentissem “liberados” em colocarem para fora o ódio principalmente em relação à cultura, à história. Quanto aos direitos humanos, então nem se fala. Como se já não bastasse, a situação da vida das pessoas piorou muito mais. Causando uma depressão social, como analisa a psicóloga e psicanalista do Sistema Único de Saúde (SUS), professora de neuropsiquiatria, a paraense Maria Bethânia Coelho. “Todo esse caos desse atual governo, dentro do posto de saúde a gente percebe como tá a vida na pandemia. Muita depressão social, porque nos falta o sustento, além da doença, além do luto”.

Espirram preconceito, racismo, egoísmo, exclusão, violência contra a mulher e homofobia.

A sociedade do espetáculo

Se tomarmos como exemplo a operação cinematográfica em julho deste ano na caça do “criminoso Lázaro Barbosa”, podemos ter mais um pouco da impressão dos tempos que vivemos e das sociedades construídas que não prepararam os cidadãos. “Pelo contrário, vivemos tempos de intolerância, dificuldades nas relações humanas, violência dentro de casa, mas também nos falta alimento e estrutura.”Uma das condutas que vemos no comportamento agressivo e intolerante”, argumenta Bethânia.

Uma verdadeira operação cinematográfica de caça a Lázaro Barbosa, executado com 38 tiros.Envolvido com mais de 30 crimes, entre eles a chacina de quatro pessoas, além de grilagem de terras. Uma operação policial que envolveu 270 homens. Para se entender um pouco, à luz da psicanálise, o Jornal Brasil Popular conversou com o psicólogo e psicanalista, Gaio Fontella, que estudou detalhadamente o caso Lázaro.

Para ele, tudo começou errado, do ponto de vista dos direitos humanos, Lázaro não podia ter sido tratado pela polícia, “revela uma perversão dentro da própria polícia, de não ter a capacidade de fazer uma rendição, agora vamos para análise de conjuntura. Quem é o nosso grande chancelador da população se armar, quem é que disse o CPF cancelado, bandido bom é bandido morto, Bolsonaro. Então nós temos esse contexto que favorece essa emergência de tudo que é perverso e o Lázaro, ele foi apenas, digamos mais uma porta-voz desta perversão que está eclodindo na sociedade.”

Produto do ambiente

Gaio mais adiante detalha o perfil de Lázaro, “ Ele é um produto deste ambiente, acho que ele é um protótipo daquelas criaturas que são usadas por mandantes, grileiros, os ocupantes de terras, tudo que acontece naquela região.Para mim a tendência é isso, porque, ele cometeu mais de 30 crimes, fora a chacina. Independente dele ser alguém que tem mandantes por trás, a estrutura dele psicológica se enquadra muito com uma estrutura perversa”. Gaio acrescenta “porque vamos pensar, se ele fosse pego vivo seria muito mais importante por uma questão de direitos humanos, porque a gente não tem que comemorar a morte, isso também é um traço perverso de quem comemora. Veja bem, estrutura perversa é uma coisa, traço perverso alguém pode ter circunstancialmente em algum momento, acho que o que está em jogo além da estrutura perversa dele como autor, tanto o Bolsonaro, como o Lázaro fazendo um paralelo, tá uma relação do que há de perverso nas pessoas, nas instituições, na polícia”.

Sobre festa e fogos de artifício comemorando ação da Polícia e a mídia

Se revela também um perfil perverso midiático, parece que a mídia estava torcendo.Todo um caso que o caso Lázaro nos revela, acho que a gente tem que ter um olhar holístico para isto, não singularizador, em que um serial killer tem que ser morto e acaba o problema. Será que o problema acaba? Num lugar onde permanentemente, seguidamente as pessoas estão sendo mortas por interesses locais. Claro, ele tinha um gozo de desafiar a polícia, de despistar, de andar pelo rio. A gente analisa pela lente maior e pela lente menor, e acho que tem algo que a gente analisaria pela emergência da pulsão de morte, porque ele desafia a morte, é tão perverso que ele nega até o risco porque ele se meteu com 270 policiais com seis tiros. Então, ele tava achando que era o cara, ele achava que podia enfrentar, podia debochar da polícia e a polícia por seu lado, foi extremamente desmedida a ação, uma operação que não é um sucesso, do ponto de vista dos direitos humanos é um fracasso total e da logística da segurança nem se fala. Uma outra questão, ele foi liberado do sistema semiaberto, mas o que faltou? Faltou uma análise psicológica mais aprimorada, ele não poderia com todo esse histórico dele, teria que ter um acompanhamento. Revela o quanto nós somos faltosos nesses ambientes, como faltam políticas públicas de saúde mental em todas as áreas da nossa sociedade, inclusive no sistema prisional”.

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

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