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Dona Procópia: Matriarca do Kalunga Riachão

Dona Procópia: Matriarca do Kalunga Riachão

Kalunga significa lugar sagrado, de proteção. No sentido dado pelos moradores do Sítio Histórico, significa “lugar sagrado que não pode pertencer a uma só pessoa ou família”, ou “lugar onde nunca seca, arável, sendo bom para as horas de dificuldade”. Esse objetivo ainda é preservado. Vivem em “comunas” e no Riachão a matriarca é a Iaiá, Dona Procópia.

Por Iêda Vilas -Bôas 

Monte alegre fica quase na divisa de Goiás com Tocantins, tem histórias curiosas e interessantes, tem gente alegre, festeira e receptiva. Quero falar, aqui, do lugar mais importante, historicamente, daquela região. Por estar entre serras e com difícil acesso, os negros fugitivos acabaram encontrando um lugar especial, bom de se morar e esconder.

Comida farta vinda da pesca no Rio Paranã, clima ameno e a certeza da liberdade tão sonhada, ali se formou a Comunidade Kalunga. Os primeiros habitantes eram do povo africano Banto, os que gostavam de música, rodas de dança e capoeira. A terra começou a ser habitada em meados do século XVIII, quando africanos escravizados fugiram em busca de liberdade.

Kalunga significa lugar sagrado, de proteção. No sentido dado pelos moradores do Sítio Histórico, significa “lugar sagrado que não pode pertencer a uma só pessoa ou família”, ou “lugar onde nunca seca, arável, sendo bom para as horas de dificuldade”. Esse objetivo ainda é preservado. Vivem em “comunas” e no Riachão a matriarca é a Iaiá, Dona Procópia.

É ela que dá aconselhamentos, que puxa as rezas, instrui sobre plantações e colheitas. Só não benze, cargo que deixou para sua nora Quita. A comida e a farinha feita com suor e esmero fica a cargo e responsabilidade da filha Domingas, da filha Patrícia e já vem aprendendo o ofício a neta Clarice, que carrega também a responsabilidade de concluir pedagogia na UFG, mas já vai com emprego garantido na Escola Aldeia, que nas pessoas de Carol Parrode, Cristina Morais , Heloísa Curado e Barbara Miguilim, trouxeram esperanças para o quilombo.

Dona Procópia teve dois filhos, um menino e uma menina. Nunca evitou filhos e no dizer dela, Deus quis assim. Seus dois filhos criaram prole grande, são muitos netos, bastante bisnetos e seis “teteranetos”, como ela repete sempre orgulhosa.

As festas populares dos Kalunga são sua marca registrada. A forte religiosidade do povo é demonstrada por meio dos festejos em homenagem aos santos de cada época. As festas são a caracterização genuína da cultura popular, em que o sagrado e o profano se misturam. Rezas e a dança da Sussa e do Lundu, que tem uma proveniência adversa.

É a Bia Kalunga que mantém viva a tradição, a oralidade e , agora, caminha para escrever sobre seu povo após terminar uma Especialização em Educação do Campo, pela UnB. É ela que ensina o que quer dizer ser Kalunga.
Ela está presente em tudo aquilo que faz parte do seu patrimônio cultural, em seus costumes e suas tradições.

Aprende e aprendeu com Iaiá/D. Procópia o que os mais velhos preservam e transmitem às crianças. A neta Bia é a guardiã do Museu Vivo Dona Procópia. Honra maior para um ser, ainda em vida, ser reconhecido como parte da importante história dos Kalunga e ter um museu com sua história pessoal e a história de seu povo.

Ela é a professora da Escola e se vale de muitas histórias que eles contam para resgatar a identidade e a memória de todo o seu povo. Desde o tempo de seus ancestrais, ela foi sendo passada de geração em geração. Às vezes são histórias que se perdem lá para trás, no tempo da lenda, tempo do era uma vez… Um tempo em que os bichos falavam e com suas histórias ensinavam lição para as pessoas.

Histórias que falam dos seres da mata e dos que vivem perto de casa. Histórias do saci, do Saruê, contada pelo pequeno e criativo Wigme de 5 aninhos. O Saruê faz medo até em incrédulos, também chamado o pé só, mas que no Kalunga às vezes se confunde mesmo é com o capeta. Histórias que contam que ele gosta de dançar e tocar viola e vem tentar as pessoas na época em que isso é pecado. E as histórias que contam que ele protege os bichos dos caçadores e pode ser apanhado em arapuca, em dia de Sexta-Feira da Paixão.

Sabe-se que a alegria e receptividade do quilombo se deriva da musicalidade dos negros de Angola e do Congo, aqui, no Brasil incorporou a tradicional dança da umbigada (semba, em quimbundo).  Outro importante evento é o tradicional Levantamento do mastro de São João e a mesa cheia de comidas e bebidas para a Festa do Império Kalunga. A Festa do Divino tem seu apogeu com a coroação do imperador e da rainha.

Os Kalunga do Riachão são remanescentes de um povo que se escondeu e que luta, há mais de 300 anos, por sua comunidade, pela liberdade e sobrevivência. Vivem sob a tutela da Dona Procópia que vem preparando sua neta Bia Kalunga (ALANEG) para herdar sua liderança e sua função na comunidade.


Imagens internas: arquivo pessoal. Capa: Calleb Reis/Revista Xapuri.

NOTA DA REDAÇÃO: Este texto, da escritora Iêda Vilas-Bôas, foi publicado originalmente em 25 de setembro de 2021. Iêda partiu para o mundo dos encantados em 8 de abril de 2022. Para honrar sua memória, no primeiro aniversário de seu encantamento, republicamos parte dos textos memoráveis que Iêda Vilas-Bôas publicou na nossa Revista Xapuri. Este é um deles. Paz e Bem. 


 

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