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Des-esperando Godot

Des-esperando Godot

Por Carlos Alberto Mattos/ Brasil 247

Zé Celso Martinez Correa e Monique Gardenberg se juntam para varrer as ilusões de “Esperando Godot” em versão audiovisual online

Esperando Godot é a representação teatral absoluta da falta de sentido da vida vida quando esta se apoia na esperança eterna de uma recompensa ou uma salvação. Bem ao seu feitio, Samuel Beckett não usou, porém, de nenhuma retórica para afirmar essa, digamos, mensagem. Tudo se dá pela alegoria branca, ou seja, pela ausência de objetivo ou mesmo de drama naquilo que se vê no palco.
Vinte anos depois de uma primeira montagem, no CCBB-RJ, Zé Celso Martinez Correa e Monique Gardenberg voltam ao texto de Beckett. Monique não mais apenas como produtora, mas também como diretora cinematográfica numa versão audiovisual da peça.  
Afora essa concepção mais voltada para as câmeras do que para um público presencial, Zé Celso subverte também o desfecho. Para não dar spoiler, limito-me a dizer que ele recorre a Exu e aponta para o fim das ilusões e para a resignação dos homens a sua pobre condição.

Zé Celso tira partido das brechas alegóricas abertas pelo texto de Beckett para fazer referências à Covid 19, à perda de direitos na era da iFoodização do trabalho e a dados prosaicos como Paulo Gustavo, Carmen Miranda, Nelson Rodrigues, o Edifício Martinelli, a Ilha do Bananal e piada de português. Faz sobretudo uma conexão entre Pozzo e Bozo, vestido num arremedo de farda militar e portando um fuzil. 
Essas alusões são, contudo, passageiras e não distraem do eixo principal, que é o absurdo da eterna espera, que gera inércia. Até a amizade que une Gogo e Didi – eles estão juntos há tanto tempo que já é tarde demais para se separarem – gera uma cumplicidade paralisante.      
Os quatro atores estão simplesmente exuberantes, tendo suas performances detectadas em minúcias pelas seis câmeras comandadas por Monique e o diretor de fotografia Gustavo Hadba. A encenação é quase toda concentrada na fronteira entre o interior do Teatro Oficina e o parque contíguo, o que dialoga, de certa forma, com o caráter fronteiriço entre a linguagem teatral e a dinâmica cinematográfica. A montagem de Ana Paula Carvalho acompanha com grande perícia os diálogos entrecortados de Beckett e pontua reações não verbais.    
Vale reparar o destaque dado aos pés e sapatos de Gogo e Didi, símbolos fortes de suas fragilidades. Algumas brincadeiras com masturbação e objetos fálicos deixam a marca da erótica zécelsiana em grau bem mais discreto que o habitual. 
O dionisíaco guru do Oficina, que também é homem de cinema (O Rei da Vela, 25), entrou um pouco tarde na fase do teatro virtual. Mas entrou com o pé direito e braço dado com Monique.

Carlos Alberto Mattos
Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

 
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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