Demais de linda esta “Tua Cantiga”, Chico Buarque!
Por Zezé Weiss
Voltando à ode ao ritmo angolano trazido pelos escravos, as características lascivas e humorísticas, geralmente com uma dançadora no centro da dança, é remontada aqui pelo gênio criativo de Chico em um elogio radical à mulher. Lembramos que, até o final do império, o lundu fazia sucesso nos salões da corte brasileira. Feita em forma de elogio eterno à amada, remontando ao lirismo popular reinante naqueles tempos, o estilo romântico-parnasiano é demarcado na cantiga como sofisticada referência temporal à história da lírica brasileira.
O que mais fascina, no entanto, na misteriosa junção do batuque transfigurado pelo arranjo de Luiz Cláudio Ramos à letra é a forma com que as rimas vão sendo dispostas de forma a criar essa atmosfera de envolvimento sonoro e sensual da palavra com o ritmo e o sentido construído na jura de amor.
Deste modo, sempre ricas, as rimas suspiro / ligeiro; nome / perfume; rainha / manhã; lenço / alcanço de modo consoante vão se alinhavando internamente às estrofes e não demarcadas em seu final, como seria o usual. Também de modo aliterante, alvoroçar / afora; capricho / exigir, entre outras vão somando estranhezas e afeições em suas infinitas camadas de significação. Até findarmos com os versos “lembra-te minha nega / dessa cantiga que fiz pra ti”, que em seu jogo sonoro de espelhos resumem toda a prosódia da simples, genial e como sempre inovadora proposta musical de Chico.

Marcos Bagno: Chico Buarque é dos maiores poetas jamais havidos e por haver em língua portuguesa. Sua recente “Tua cantiga” é uma aula completa de poesia lírica, na antiquíssima tradição que remonta à Galiza do século XIII. Como se não bastasse ser o poeta que é, ainda compõe música, reunindo as duas artes que, desde Homero, sempre estiveram juntas. Rimar “talvez” com “feliz” e “nega” com “cantiga”, alternando as vogais, é de uma inteligência decerto sublime demais para uma época doentia como a que estamos vivendo nesse país que caminha a passos rápidos rumo ao fascismo mais rasteiro. Perdão, Chico! Siga o conselho do velho Dante: “Non ragionam di lor, ma guarda e passa”. Essa gente hipócrita e irremediavelmente burra não merece o biscoito fino que você fabrica. Mas continue fabricando, por favor!
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