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Roberto Corrêa, Doutor Caipira

Roberto Corrêa, Doutor Caipira  – Seu avô era tocador de viola com tradição, puxador de folias e, por essa razão, muito estimado. Mas, talvez não muito respeitado, pois contam que foi assassinado por um sujeito que não gostou dos dizeres de uma moda que ele compôs e cantou, lá em 1937. Com isso, quando Roberto Corrêa nasceu, 20 anos depois, esse instrumento era maldito entre os que o recebiam naquela casa.

Por Jaime Sautchuk 

Foi em Campina Verde, uma pequena e pacata cidade do Triângulo Mineiro, à época habituada ao som de tropeiros e do tilintar de suas boiadas. Sua mãe era funcionária da Coletoria Estadual na localidade e seu pai ficava boa parte do tempo longe da família, pois tocava uma fazenda que tinha em Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, região do Pantanal, bem distante dali.

Trabalho e estudo eram as palavras-de-ordem naquele lar, mas havia musicalidade no viver. Na infância, enquanto sua irmã aprendia a tocar acordeon e violão base, Roberto tinha aulas de solo de violão com o mestre José da Conceição, muito lembrado. No entanto, o que prevaleceu foi o estudo formal mesmo: dos quatro filhos, essa irmã virou dentista, um irmão arquiteto e o outro, médico.

Roberto, por sua vez, queria estudar Física, o que o fez se transferir ao Planalto Central, em 1975, pra buscar vaga na Universidade de Brasília (UnB). Ali, obteve os diplomas de graduação em Física e em Música, mas já percebia que a área de ciências exatas não era bem o que ele queria. Bem mais tarde, de 2009 a 2014, prosseguiu os estudos até obter o doutorado em Musicologia pela Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista.

O doutorado foi realizado com viagens semanais a São Paulo. O violeiro não abriu mão de continuar morando em Brasília, porque, como conta, “aprendi a amar a cidade desde o dia em que desembarquei pela primeira vez na rodoviária do Plano Piloto, com aquele cenário dos prédios monumentais em meio ao Cerrado”. Foi ali que, nessas andanças, em 1977, ele comprou uma viola de 10 cordas numa liquidação de instrumentos, como quem não quer nada.

E podia muito bem ter se radicado em São Paulo, onde o mercado musical ofereceria maiores possibilidades. Mas ele justifica: “Eu sabia que a música que eu fazia não era comercial e entendi que não importava o lugar em que estivesse morando, eu teria que batalhar para que as pessoas conhecessem meu trabalho. E adorava morar em Brasília. Assumi o risco de conduzir minha carreira a partir de Brasília e em nenhum momento me arrependi”.

Ainda durante sua peregrinação acadêmica, portanto, esse instrumento se exorcizava da maldição e passava a ser amado por Roberto. Amor pro resto da vida – e polígamo, já que são muitas as violas que, ao longo dos anos, ele vem acumulando, por causa dos formatos e afinações. Desde logo, passou às pesquisas de campo, pra desvendar as raízes e a cultura da viola, ou melhor, das violas.

Visitou violeiros tradicionais em diversas partes do país, percorrendo os chãos mineiros, goianos, mato-grossenses e do interior caipira de São Paulo. Manteve longas conversas (ou “tomou aulas”), por exemplo, com o então já idoso Zé Coco do Riachão, respeitado violeiro de Montes Claros (MG), com quem fundamentou um documentário em vídeo sobre a viola.

Mas rapidamente foi bater, também, no Pantanal Mato-grossense, onde a coisa mudou de figura. A viola-de-cocho pantaneira lhe chamou a atenção pelo seu formato e sonoridade diferentes, com apenas cinco cordas, que tem esse nome por ser escavada em madeira mole, na forma de um cocho, como aqueles que se espalham nas pastagens com sal pro gado.

Nesse acordoado, Roberto compôs algumas de suas músicas que mais refletem a interação da arte com seu ambiente. É o caso de “Peleja de siriema com cobra”, em que, nas cordas deslizantes, ele imita os gritinhos dessa ave, num entrevero com o inimigo rastejante e o desenrolar melodioso da contenda.

O fato é que, ao optar pela vida de violeiro, ele teve que enfrentar alguns desafios. O primeiro deles foi quebrar o que ele chama de “mito” de que a viola precisaria, sempre, ser acompanhada por um violão, formando as tradicionais duplas. Hoje, ele diz com boa dose de satisfação que, “ao contrário, a viola tem enorme potencial como instrumento solista, nos moldes do violonista clássico”.

Mas comprovou isso também em parceria com o jeitão bem popular de Inezita Barroso. Dessa relação, ele mesmo fala: “Em 1996, o produtor musical Pelão, o João Carlos Botezzeli, me convidou para gravar um disco com Inezita Barroso. Foi um presente para mim. Eu tinha enorme admiração por ela e foi um grande encontro. Nos tornamos amigos, fizemos muitos espetáculos juntos e gravamos dois CDs, o ‘Voz e Viola’, em1996, e o ‘Caipira de Fato’, em 1997”.

Ao ser perguntado sobre que tipo de música ele faz, Roberto responde que é “caipira contemporâneo” ou “caipira erudito”, dependendo do ambiente em que estiver. E sente-se à vontade em feiras agropecuárias em que é contratado ou em refinadas salas aqui ou no exterior, em que toca, algumas das vezes, representando o Brasil em eventos culturais, a convite do Itamaraty.

Até o momento, sua obra musical, além das dezenas de discos, é extensa, a começar por trilhas sonoras de filmes, peças teatrais e novelas de TV, muitas das quais compostas com exclusividade. Mas não enjeita tocar ou gravar clássicos da música caipira, ou sertaneja de raiz, de duplas que fizeram ou fazem muito sucesso no país. É o caso da dupla Zé Mulato e Cassiano, formada por dois amigos, também candangos.

Outra coisa que ele tem como sagrado é o repasse do conhecimento, a difusão da viola, seus ritmos e melodias, o que faz de diversas formas. Pode ser em vídeos distribuídos no sistema escolar ou nas redes sociais da Internet, em CDs ou em livros, o mais completo dos quais é um manual de viola.

–”Eu tô deixando tudo em livro, aplicativo, vídeo. Eu nunca escondi nada. Toda a minha técnica, tudo o que aprendi com os violeiros antigos, que eu sistematizei, está disponível”, afirma ele.

Em 1985, ele se transformou em professor da Escola de Música de Brasília, uma instituição pública, onde criou o primeiro curso de viola caipira de que se tem notícia. Ali ficou até janeiro de 2018, quando se aposentou. Mas não deixou de estudar e de tocar, até pelo contrário, pois tem a agenda de apresentações bem recheada pelos próximos meses.

De resto, segue com uma vida recatada como de costume, mora numa casa espaçosa, com quintal arborizado, numa área próxima ao centro de Brasília, com Juliana, sua solidária companheira de sempre, a filha Nara, de 13 anos, e o filho Ramiro, de 10.

Roberto

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