O presidente afirmou que, se pudesse, confinaria os ambientalistas na região amazônica para que eles ‘deixem de atrapalhar’
De acordo com técnicos do governo, o projeto visa regulamentar a exploração mineral e energética, como de petróleo e de gás.
Para a atividade de garimpo, as comunidades indígenas terão poder de veto. Para a exploração energética, como a construção de hidrelétricas ou termoelétricas, elas serão apenas consultadas previamente.
“Vamos sofrer pressões dos ambientalistas? Ah, esse pessoal do meio ambiente, né? Se um dia eu puder, eu confino-os na Amazônia, já que eles gostam tanto do meio ambiente. E deixem de atrapalhar os amazônidas daqui de dentro das áreas urbanas”, afirmou.
O projeto de lei para autorizar garimpo em terra indígena é uma promessa antiga de Bolsonaro e a medida era estudada desde o ano passado. A declaração foi feita e o texto apresentado durante cerimônia em comemoração de 400 dias de governo, realizada no Palácio do Planalto.
“Nunca é tarde para ser feliz, 30 anos depois. Espero que este sonho pelas mãos do Bento (Albuquerque, ministro de Minas e Energia) e pelo voto dos parlamentares se concretize porque o índio é um ser humano exatamente igual a nós”, afirmou o presidente.
“O indígena tem coração, tem sentimento, tem alma, tem necessidade e tem desejos e é tão brasileiro quanto nós”, disse Bolsonaro.
Antes da fala do presidente, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, também celebrou a medida, definida por ele como uma nova “Lei Áurea”.
“Pois hoje, presidente, com sua assinatura será a libertação, ou seja, nós teremos a partir de agora a autonomia dos povos indígenas e sua liberdade de escolha”, disse o ministro.
“Será possível minerar, gerar energia, transmitir energia, exploração de petróleo e gás e cultivo das terras indígenas. Ou seja, será a Lei Áurea.”
Onyx, fragilizado no governo após esvaziamento de sua pasta, adotou um tom crítico aos jornalistas, a quem se referiu como “extrema imprensa” que não deseja o bem para o país. O chefe da Casa Civil se referiu aos profissionais de comunicação como militantes.
Um projeto que pode ser beneficiado pelas regras propostas é a construção do linhão de Tucurí, que liga o estado de Roraima ao sistema nacional. Hoje, a dificuldade do governo federal é chegar a um acordo com indígenas, uma vez que a obra cruza suas terras.
A medida enfrenta resistências. Antes mesmo de anunciar a proposta, o Palácio do Planalto já tinha recebido a informação de líderes partidários de que se trata de um tema polêmico e que dificilmente o projeto terá apoio para ser aprovado.
O presidente, no entanto, acredita que a bancada ruralista poderá ajudar a arregimentar votos.
No ano passado, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou a ideia do garimpo em terras indígenas. Em entrevista, ele disse que arquivaria um eventual projeto de legalização caso fosse enviado pelo Executivo.
Pesquisa Datafolha do fim do ano passado contratada pela organização não governamental ISA (Instituto Socioambiental) mostra, por exemplo, que a população brasileira rechaça a proposta de mineração em terras indígenas.
Segundo o levantamento, 86% dos brasileiros discordam da permissão à entrada de empresas de exploração mineral nas terras indígenas.
O argumento dos técnicos do governo é que o projeto amplia as atividades econômicas nas terras indígenas e traz segurança jurídica.
“As comunidades passam agora a explorar sua própria terra. E o Congresso Nacional pode discutir amplamente com a sociedade. Nós entendemos que era importante para o país e foi enviado este projeto de lei”, afirmou Verônica Sanches, subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil.
A iniciativa prevê, para o caso da exploração econômica por não indígenas, o pagamento de royalties e a indenização por perda de usufruto do empreendimento aos grupos locais que residem no território.
“No que concerne ao garimpo, o não indígena em terra indígena, a atividade terá de ter consentimento dos índios. Com relação às outras atividades de mineração e de exploração de petróleo e gás, eles vão ter de ser ouvidos. Obviamente, vai se buscar o consenso das comunidades”, disse Roberto Klein, assessor especial do Ministério de Minas e Energia.
Segundo ele, mesmo sem a previsão do veto, dificilmente poderá ser feito um projeto de infraestrutura contra a vontade das comunidades indígenas. Ele ressaltou que, apesar de a Constituição não prever poder de veto aos índios, o governo considerou importante estabelecer esse critério para o garimpo.
“Muito provavelmente não haverá exploração contra a vontade dos índios. A gente busca nas consultas às comunidades, que vão ser feitas dentro de requisitos preestabelecidos na linguagem deles, dar toda a possibilidade deles discutirem a matéria e buscar o consenso”, afirmou.
O secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Pontel de Souza, avaliou que o projeto de lei deve reduzir o potencial de conflitos por terras.
“Nós tínhamos problemas históricos. Com este projeto de lei, podemos trazer mais segurança jurídica não só para os índios, mas para outras pessoas com interesses naquelas áreas. São áreas conflituosas.”
Bolsonaro já vinha defendendo a regulamentação da mineração em terras indígenas. Em dezembro do ano passado, o presidente afirmou que deve haver criação de bois em terras indígenas.
“O preço da carne subiu. Nós temos de criar mais bois aqui, para diminuir o preço da carne e eles podem criar boi”, disse Bolsonaro na entrada do Palácio do Alvorada, no dia 19 de dezembro.
“O índio vai poder fazer em sua terra o que o fazendeiro faz na dele”, disse. “Se quer pegar a sua terra e arrendar para alguém plantar soja ou milho, faça isso, respeitando a legislação nossa.”
Nesta quarta, o presidente também assinou decreto criando um programa para expandir o fornecimento de energia elétrica na região amazônica.
A iniciativa foi nomeada de “Mais Luz para a Amazônia”, com duração até dezembro de 2022.
Segundo o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, a expectativa é de um investimento de R$ 2,4 bilhões, beneficiando mais de 300 mil pessoas que residem áreas consideradas isoladas.
A secretária-executiva do Ministério de Minas e Energia, Marisete Pereira, ressaltou que a ideia é usar fontes de energia renováveis, como a energia solar, uma vez que o fornecimento por meio de distribuidoras tornaria o custo muito caro.
Além do decreto e do projeto de lei sobre mineração em terras indígenas, Bolsonaro assinou outras medidas como acordo de salvaguardas na Base de Alcântara, no Maranhão, e um novo “revogaço”, que revê mais de 300 decretos editados entre 1969 e 2018.
Segundo a Secretaria-Geral, perderão vigência os documentos considerados “implicitamente revogados ou com eficácia ou validade prejudicada, visando simplificar o arcabouço normativo brasileiro”. Esta é a quinta vez que o governo promove medida como essa, resultado em mais de 2.300 decretos revogados.
Fonte: O TEMPO
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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