Desmatamento sob a mira de nova tecnologia

Por Isabel Harari

Nova tecnologia desenvolvida pelo ISA, o Sirad X, consegue enxergar desmatamento e destruição na floresta mesmo com nuvens e debaixo de chuva. Em abril, mais de 12 mil hectares foram desmatados no Xingu, o dobro do mês anterior

O céu do Xingu fica coberto de nuvens durante boa parte do ano. As intensas chuvas do inverno amazônico, que vai de setembro a maio, impedem que os satélites monitorem as alterações no solo. E os desmatadores sabem disso: é nessa época que muitos aproveitam para destruir a floresta e evitar a fiscalização, pois acreditam que ninguém consegue enxergá-los.

Desmatamento sob a mira de nova tecnologiaIsso mudou. Desde janeiro, o ISA consegue detectar o desmatamento que acontece na Bacia do Xingu mesmo com intensa cobertura de nuvens. Por meio do Sistema de indicação por radar de desmatamento, o Sirad X, é possível monitorar a região durante o ano inteiro. “A pressão no Xingu está crescendo com a construção de empreendimentos, abertura de áreas para lavoura de grãos, intensificação da grilagem, roubo de madeira e mineração ilegal. Tomar uma medida para conseguir monitorar isso era urgente”, comenta Juan Doblas, assessor do ISA e especialista em geoprocessamento.

Enxergar através das nuvens confirmou que o ritmo de desmatamento no Xingu vem aumentando vertiginosamente. Em abril, 12.342 hectares foram derrubados, o dobro dos índices correspondentes ao mês de março. Na porção paraense, o desmatamento dentro de áreas protegidas é alarmante: dos 2.292 ha derrubados no estado, 215 foram em Terras Indígenas e 1.338 em Unidades de Conservação. A escassez dos recursos – sobretudo minério – nas regiões não protegidas, o preço crescente da terra regularizada e a fragilização dos órgãos estatais responsáveis pela proteção dessas áreas explica o avanço da exploração ilegal em TIs e UCs.

Tecnologia contra a destruição: do Xingu para a Amazônia

Rodrigo Balbueno, do Instituto Kabu, trabalha com monitoramento desde 2010 e acredita que o uso das imagens produzidas pelo Sirad X pode agilizar medidas de fiscalização mais efetivas. Antes do Sirad X, o usual era analisar imagens de satélite que demoravam semanas para serem processadas – e dependiam do céu sem nuvens. “Estávamos trabalhando sempre com o fato consumado. Quando a fiscalização chegava na região, a madeira já tinha ido embora e não tinha rastro de nenhuma atividade. Nossa ação era sempre posterior ao dano”, conta.

O Instituto Kabu, juntamente com o ISA, a Associação Floresta Protegida e o Instituto Raoni, compõem a Rede de Monitoramento Territorial do Xingu. As organizações vêm participando de formações para consolidar o uso dessa nova ferramenta de monitoramento remoto em seus territórios de atuação: “O pé no chão é essencial”, afirma Doblas. Todos os dados detectados pelo Sirad X são validados com os parceiros locais, a interlocução com eles é de suma importância para qualificar os resultados e encaminhar denúncias para os órgãos responsáveis.

Desmatamento sob a mira de nova tecnologiaFoto aérea da TI Koatinemo correspondente ao polígono do Sirad X | Juan Doblas-ISA

Carlos Ansarah, da Coordenação Geral de Meio Ambiente e Recursos Naturais do Incra, já começou a usar a tecnologia no final do ano passado para monitorar invasões em assentamentos na região de Anapú (PA). “É uma ferramenta muito útil e valiosa”, elogiou. Os dados do Sirad X foram usados para pressionar por mais fiscalização na área.

A Bacia do Xingu, escopo do monitoramento do Sirad X, representa 12% da Amazônia Legal. O desafio, segundo Rodrigo Junqueira, coordenador do Programa Xingu do ISA, é expandir o trabalho para outras bacias: “Essa é a meta ideal, que tecnologias como essa possam ser utilizadas em toda a Amazônia. 12% ainda é pouco”.

Explosão de garimpos na TI Kayapó

As denúncias de polígonos de desmatamento para garimpo ilegal no interior da Terra Indígena Kayapó não são novidade e vêm sendo acompanhadas de perto pelo Sirad X desde o início do ano. A rapidez da abertura dessas novas áreas, no entanto, preocupa os indígenas e parceiros que atuam na região: desde janeiro, foram detectados 132 polígonos no interior da TI – 66 apenas em abril.

A elevada cotação do ouro no mercado internacional sustenta essa atividade de forte risco e que implica enormes prejuízos ambientais. O leito dos rios que atravessam o noroeste do território possui altas concentrações de ouro, o que tem provocado repetidas ‘febres’ ao longo dos anos (a mais conhecida delas foi a que originou o garimpo ‘Maria Bonita’, nos anos 1980).

A chegada da estação seca, e a consequente queda no nível dos rios da região, permitirá a passagem de maquinário pesado para essas áreas, multiplicando a velocidade e a intensidade da expansão e o prejuízo provocado.

“É preciso que haja um esforço articulado, envolvendo as instituições estaduais responsáveis pela proteção destas áreas protegidas, organizações da sociedade civil e o Ministério Público, para que esse desafio possa ser adequadamente enfrentado.Os processos investigativos precisam ser mais céleres. É preciso investigar a cadeia do ouro, assim como de outros minerais, e penalizar os cabeças desses esquemas”, alerta Adriano Jerozolimski, da Associação Floresta Protegida.

Desmatamento sob a mira de nova tecnologia
Passo a passo para enxergar através das nuvens

Em azul, a Bacia do Xingu. No detalhe, a grade de mapeamento Sirad X, que consiste em 657 quadros analisados individualmente.

Em 2017, a Agência Espacial Europeia (ESA) começou a adquirir e disponibilizar gratuitamente informações sobre a Amazônia brasileira usando o satélite Sentinel-1. Esse satélite transporta um sistema de radar orbital que permite ‘enxergar’ através das nuvens e gera imagens de alta qualidade. Métodos tradicionais de monitoramento utilizam um sensor passivo (sensor ótico Landsat e Modis), que detecta apenas o que reflete a luz do sol. Quando há barreiras (como as nuvens), não é possível detectar o desmatamento.

O Sirad consiste em uma série de algoritmos que processam as informações do Satélite Sentinel-1. Ele opera em uma plataforma chamada Google Earth Engine (GEE), que processa rapidamente grandes quantidades de informação. A equipe de analistas do ISA examina cada local da bacia procurando visualmente por anomalias nas imagens produzidas.

Cada polígono de desmatamento é avaliado em função da sua proximidade com outros focos de degradação e com o histórico da região, e, caso necessário, são contatadas pessoas que conhecem o local para confirmar o desmatamento. O conhecimento de campo é fundamental para a validação dos dados. Após a coleta dos dados, a equipe realiza verificação em campo.

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O Boletim Sirad X é publicado mensalmente na Plataforma Rede Xingu + e no site do ISA. Clique aqui para acessar a terceira edição.
 
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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