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A ditadura e os indígenas

A ditadura e os indígenas

Não é novidade que centenas de pessoas que viviam em cidades e se opunham à ditadura militar tenham sido vítimas de tortura e, algumas delas, até de morte. Mas, depois de 50 anos de golpe militar, surgem as provas que estavam faltando para a comprovação de um fato que não está, ainda, escrito nos livros de História do Brasil: a ditadura assassinou milhares de indígenas.

Por Felício Pontes Jr.

Tudo começou quando a organização Tortura Nunca Mais recebeu uma carta de lideranças indígenas, chamando a atenção para o massacre ocorrido quando da construção da BR-174, que liga Manaus (AM) a Boa Vista (RR). Imediatamente foi acionada a Comissão Nacional da Verdade, grupo oficial que apurava violações de direitos cometidos pela ditadura militar, que passou a investigar o caso.

O resultado apurado é terrível. Parte da estrada, iniciada em 1967 e concluída em 1981, era e é, ainda hoje, território dos Waimiri-Atroari.  Eles sempre foram considerados “brabos” pelos “brancos”, por se recusarem a estabelecer contato.  E reagiram à invasão do território. Os relatos mostram que, nos primeiros anos da construção da estrada, morreram 1.500 indígenas dos 3.000 que existiam na época. As mortes foram ocasionadas por granadas militares e até pesticidas, jogados de avião sobre as aldeias. Mas, como quase não havia contato com o branco, doenças virais também são elencadas como causa das mortes.

FAMÍLIAS INTEIRAS DIZIMADAS

A execução desastrosa da BR-174 não é um caso isolado. A Perimetral Norte (BR-210) também atingiu os Yanomami, em Roraima. O Exército torturou os Aikewara ou Suruí do Pará, para obrigá-los a lutar contra a Guerrilha do Araguaia.

A Santarém-Cuiabá (BR-163) afetou os chamados índios gigantes, os Panará ou Krain-a-kore, na divisa do Pará e Mato Grosso. Neste último caso, famílias inteiras foram dizimadas. A população caiu de 700 para 50 pessoas. Os sobreviventes foram levados pelos irmãos Villas-Bôas para o Parque Indígena do Xingu. Só retornaram às suas terras em 1985.

Além desses relatos, a descoberta de um documento de 7 mil páginas ajudou a resgatar a verdade. Trata-se do Relatório Figueiredo, uma investigação do procurador Jader de Figueiredo Correia entre 1967 e 1968, sobre a atuação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), hoje Fundação Nacional do Índio (Funai), o qual foi encontrado por acaso.  Ele informa também a existência de casas para torturar indígenas em Goiás, Amazonas e Mato Grosso do Sul, entre outros graves casos de violação de direitos humanos.

A investigação terminou no fim de 2014. A partir dela, será necessário reescrever os livros de História do Brasil.

Felício Pontes Jr.— Procurador da República. Escritor. Autor de “Povos da Floresta – Cultura, Resistência e Esperança”. REPAM-Paulinas, 2017.


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

 

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