Um país acuado à bala
Bolsonaro e seu partido tresoitão querem manter o país acuado à bala
Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena e para o Jornalistas pela Democracia via Brasil 247
Na época, especialistas criticaram a medida, alertando que isso iria representar até 20 milhões de pessoas armadas no país. Em abril, o presidente de extrema direita publicou no instagram a foto que ilustra este post, em que defendia “a liberdade, com critérios, para cidadãos que querem se proteger e proteger suas famílias. Leis de desarmamento só funcionam contra aqueles que respeitam as leis; quem quer cometer crimes já não se preocupa com isso”. Pressionado, revogou o decreto e enviou ao Congresso um projeto de lei, que foi desidratado na Câmara, e a maioria das propostas do presidente ficou de fora.
Agora, o mesmo Bolsonaro que queria colocar um revólver na mão de todo mundo diz que “quem estiver portando arma vai levar tiro”, para tentar justificar mais uma proposta truculenta de seu governo: um projeto de lei que isenta de punição policiais e militares que cometerem excessos durante operações de garantia da lei e da ordem. Ou seja, quer dar licença a assassinos, desde que fardados, para matar. Não dá para entender. Quer dizer que ele pretende, ao mesmo tempo, armar a população e permitir a policiais e militares que exterminem pessoas por estarem armadas?
Obviamente o temor ao projeto não partirá dos “cidadãos de bem” que, como o presidente, parecem amar mais revólveres e pistolas do que suas próprias mulheres. Eles não têm com o quê se preocupar. A licença para matar de Bolsonaro não recairá sobre os brancos ricos e de classe média ou sobre os ruralistas e seus jagunços que desfilarão por aí com o “tresoitão”, número do novo partido do presidente, enfiado na cintura. Os alvos serão, como já acontece hoje, os negros da periferia, como a menina Ágatha Félix ou o garçom Francisco Laércio Lima, morto com um tiro na cabeça disparado pela PM na semana passada. O único efeito que este projeto terá é que a certeza da impunidade multiplicará ainda mais as vítimas inocentes dos maus policiais.
Tenebroso é perceber que Bolsonaro tem outro alvo na mira: os manifestantes que porventura forem às ruas contra seu governo, como acontece atualmente no Chile, na Colômbia e na Bolívia. Eles não se preocupam nem sequer em disfarçar isso. Seu filho Eduardo já disse com todas as letras que se o povo for às ruas haverá “um novo AI-5”. E o próprio presidente fez ameaças. “Conversei com o ministro de Defesa sobre a possibilidade de ter movimentos como tivemos no passado, parecidos com o que está acontecendo no Chile, e logicamente essa conversa, ele leva a seus comandantes, e a gente se prepara para usar o artigo 142, que é pela manutenção da lei e da ordem”, disse.
Ora, é justamente sob esta condição –manutenção da lei e da ordem– que o projeto de lei defende que não haja punição. O projeto é uma espécie de anistia preventiva para os assassinos de farda. Policiais e militares poderão matar (ou cegar) qualquer um que protestar contra o governo. Fica claro que o que Bolsonaro pretende é manter os brasileiros acuados à bala, como se estivéssemos sequestrados por um bando de crápulas, trancafiados num porão escuro, sendo submetidos a todo tipo de tortura e maldade; se reagirmos, seremos mortos. A diferença é que, para estes bandidos, não haverá punição.
O slogan do partido tresoitão de Bolsonaro, o Aliança pelo Brasil, é “nossa força é o Brasil”. Se fossem honestos, assumiriam o nome “Algema pelo Brasil” e o lema, mais condizente com os anos de chumbo que sonham reeditar: “Nossa força é a bala. Viemos para prender e arrebentar”. E ainda há quem chame o que vivemos de “democracia”…
HORA DE VESTIR A CAMISA DO LULA
CONTRIBUA COM A REVISTA XAPURI
PIX: contato@xapuri.info
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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