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Araceli: Um crime, uma violência, um mistério, uma dor sem fim

Araceli, uma menina de apenas oito anos, foi vítima de tortura, morte e impunidade durante a ditadura militar

Quem estuprou, torturou e matou a menina Araceli?

O crime emblemático fez o Congresso Nacional instituir o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no dia 18 de maio.
Por: Marie Declercq

Desde a criação desta coluna, me dediquei a pesquisar e escrever quase que exclusivamente a respeito de assassinos em série brasileiros. Diante de crimes que se transformaram em página virada de jornais e encontraram seu desfecho, por mais trágicos que fossem, pensei: e aqueles que não foram solucionados?

Infelizmente, há uma vala metafórica (e outras tantas literais) no longo capítulo de crimes não solucionados na história do Brasil. Os responsáveis por ela não são assassinos em série com infâncias atormentadas e problemas psicológicos, mas sim a ditadura civil-militar.

De 1964 a 1985, torturas, mortes e desaparecimentos dignos de serial killers de pessoas consideradas subversivas para o Estado eram autorizados pelo alto comando das Forças Armadas.
Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em 2014, o número total de mortos e desaparecidos durante os 25 anos de regime militar é de 434 pessoas. Dentro desse período, centenas de pessoas foram submetidas a sessões intermináveis de tortura e dentre as várias modalidades se destacam o pau-de-arara (uma barra de metal atravessada entre os punhos e as pernas amarradas da pessoa, deixando ela pendurada para receber porradas), choques elétricos pelo corpo, estupros, afogamentos e tortura psicológica, praticados por cerca de 377 agentes da repressão

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Essa violência era autorizada pelo Estado como um instrumento de poder e de preservação do governo. Os filhos dos que eram perseguidos, crianças na época, também foram torturados. Ainda constam 210 desaparecidos. Na Vala de Perus, localizada no cemitério Dom Bosco em São Paulo, foram encontradas mais de mil ossadas de indigentes, perseguidos políticos e vítimas de esquadrões da morte — até hoje a maioria segue sem identificação por conta da influência do tempo e da natureza. Também estima-se que oito mil indígenas foram mortos pelo regime, sob a desculpa de serem um atraso para o desenvolvimento da nação.

No entanto, durante o mar de violência dos assim chamados Anos de Chumbo, dois casos se destacam em suas similaridades. São duas crianças, Araceli e Ana Lídia, assassinadas respectivamente em maio e setembro de 1973, ambas na faixa dos 7-8 anos. As mortes, apesar de serem separadas geograficamente, são quase iguais. Ambas foram torturadas pelos assassinos por longas horas e largadas em um matagal para serem engolidas pela terra e, eventualmente, esquecidas. Os dois crimes não possuem ligação entre si além das características macabras e o perfil dos suspeitos principais.

O Caso Araceli
Araceli Cabrera Sanchez Crespo nasceu em 2 de julho de 1964 e teve sua vida abruptamente tomada entre os dias 18 e 24 de maio de 1973 em Vitória, capital de Espírito Santo. A menina de oito anos foi estuprada sob efeito de barbitúricos e seu corpo foi desovado em um matagal. Os principais suspeitos do caso foram absolvidos e a história da morte de Araceli permanece um mistério até hoje. O crime emblemático fez o Congresso Nacional instituir o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no dia 18 de maio.

Filha do eletricista espanhol Gabriel Crespo e da boliviana radicada no Brasil Lola Sánchez, Araceli nasceu em Cubatão (SP). Por conta de sua bronquite e a forte poluição da cidade, os pais se mudaram para Vitória, aproveitando uma proposta de emprego de Gabriel no Porto de Tubarão. Na cidade a família se estabeleceu definitivamente com o primogênito Carlos e Araceli.
 
No dia 18 de maio de 1973, como de costume, Araceli saiu de casa rumo a Escola São Pedro. Por conta do horário de saída, às 16h30, Araceli não estava conseguindo pegar o coletivo para casa que saía no mesmo horário. A pedidos da mãe, o colégio liberou Araceli mais cedo, às 16h10, para dar tempo de a menina chegar em casa. Nesse horário, uma testemunha viu Araceli acariciando um gato na frente de um bar no cruzamento das avenidas Ferreira Coelho e Cézar Hilal, e essa foi a última vez que a menina foi vista viva. Era uma sexta-feira.

Quando a menina não apareceu em casa dentro do horário combinado, os pais de Araceli foram até a polícia comunicar o desaparecimento. No entanto, as autoridades afirmaram que não poderiam fazer nada até segunda-feira. Então, por conta própria, ambos começaram a procurar a filha pela cidade. Achando que se trava de um sequestro, levaram a foto da filha para os jornais locais. Já na segunda-feira, a polícia iniciou as buscas oficiais e o caso foi atraindo a curiosidade da população capixaba.

Não só a polícia e os pais de Araceli tinham certeza de que a menina estava viva, como também apareceram parapsicólogos e videntes afirmando que ela não havia morrido. O fio de esperança se rompeu no dia 24 de maio, seis dias depois do desaparecimento, quando Rogério Monjardim encontrou o corpo de Araceli num matagal nas imediações do Hospital Infantil de Vitória.

Mesmo 40 anos após o ocorrido, as fotos em preto e branco da criança sendo retirado da mata ainda causam desconforto. Nos registros, alguns policiais retiram partes do pequeno corpo em uma maca onde a única coisa reconhecível são as madeixas longas de Araceli. Ela foi encontrada em um estado de decomposição avançado e já devorada por animais da região, a ponto da perícia ter de recorrer a peneiras de garimpo para encontrar dentes e outras partes corporais no meio da terra.

Gabriel, pai de Aracieli, foi o primeiro a reconhecer o corpo por conta de uma marca na perna da filha, mas voltou atrás no dia seguinte e disse que o corpo não era dela. Meses depois, um exame comprovou que o cadáver era de fato Araceli. Pelos exames feitos no IML, o perito Nilson Sant’anna concluiu que Araceli foi submetida a uma intoxicação por barbitúricos (um composto químico orgânico sintético usado como sedativo) e pelos hematomas no corpo e machucados internos a menina foi vítima de homicídio.

As investigações, os fatos e provas testemunhais foram contaminados por boatos na cidade. No entanto, na denúncia do promotor Wolmar Bermudes, três suspeitos foram identificados: Paulo Constanteen Helal, de 27 anos, Dante Barros Michelini, 53, e Dante Filho, 23, conhecido como “Dantinho”. Todos os suspeitos eram membros de famílias tradicionais do Espírito Santo.

A família Michelini não só tinha grana como também seu patriarca, Dante, teve uma participação direta no crescimento econômico da cidade por ser pioneiro na exportação de café – comércio importantíssimo e simbólico para o Espírito Santo. Em 1951, Michelini e outros cafeicultores fundaram o Comércio de Café de Vitória para representar os produtores de café do estado no mercado nacional e internacional.
 
Em 1967, por conta da reputação econômica e social de Michelini, a principal avenida de Vitória, conhecida como “Beira-mar”, foi batizada com o nome de Dante. Já a família de Helal era uma das maiores comerciantes da cidade e também investiam no ramo da hotelaria e imobiliário. “Jovens ricos que jamais alguém poderia imaginar que estivessem envolvidos com crimes como o caso de Araceli e bastava uma palavra deles que os advogados se encarregavam de enfrentar que eles eram inocentes”, descreve José Louzeiro, jornalista e escritor autor do livroAraceli, meu amor, que tratou sobre o caso na época.
 
De acordo com a tese da acusação, Araceli teria sido raptada por Helal na frente do bar onde pegava o coletivo e levada até o Bar Franciscano na Praia de Camburi, propriedade de Dante Michelini. Lá. supostamente foi mantida em cárcere privado, agredida, torturada, drogada e estuprada por Dantinho e Paulo. Estima-se de que Araceli sofreu por 72 horas nas mãos dos jovens privilegiados. O excesso de barbitúricos identificado posteriormente na perícia deixou Araceli em coma e, segundo a acusação, os dois jovens tentaram levar a menina até o hospital, mas ela não resistiu. Há especulações que de ela foi colocada em um freezer até decidirem o que fazer com seu corpo.
 
Além do escabroso crime, outras questões levantadas pela acusação causaram alarde. Por serem membros de famílias ricas, pesa a acusação de Dante Michelini ter usado sua influência e ligações com a polícia para abafar o caso e atrapalhar as investigações. De fato, o próprio Dante admitiu suas amizades com o alto escalão da polícia, como o capitão Manuel Araújo, mas afirmou que o seu envolvimento e de Dantinho e Paulo foi fruto de uma reportagem escrita por um jovem jornalista que teria insinuado uma relação dos Michelini com o crime. Dantinho, em uma entrevista para o Jornal Nacional, disse que só conhecia Paulo de vista.

Teve de tudo durante o inquérito, desde denúncias de subornos a policiais, álibis forjados e até morte de testemunhas e envolvidos. São eles: o jovem de 17 anos Fortunato Piccin, Jorge Michelini, o sargento e agente do serviço de inteligência da PM José Homero Dias e o traficante José Paulo dos Santos, conhecido como “Paulinho Boca Negra”.
Piccin morreu no mesmo dia em que o corpo de Araceli foi encontrado no matagal, supostamente de malária. Seu nome pipocou nas investigações quando a defesa de Dante apareceu na polícia com um pedaço de tecido que supostamente pertencia à saia de Araceli e fora desenterrado no quintal da casa de Piccin. O pai do garoto chegou a dizer para a imprensa que nunca suspeitou de nada do filho até ser chamado pelo delegado da Polícia Federal, Lincoln Almeida, afirmando que estavam tentando empurrar a autoria da morte da menina para inocentar Dante, Dantinho e Paulo. As acusações contra Piccin foram consideradas uma tática de confundir o trabalho policial na época.

Pouco tempo depois, Jorge Michelini, irmão de Dante, também foi encontrado morto. Jorge foi visto várias vezes na companhia de Lola, mãe de Araceli, no Bar Franciscano. A família Sánchez negou qualquer envolvimento de Lola ou de qualquer membro da família com os Michelini, só os conheciam pelo nome, assim como qualquer outro cidadão de Vitória.

Depois veio a morte do sargento da Polícia Militar José Homero Dias. Homero participava das investigações da morte da menina. Ele foi morto após receber a ordem de prender José Paulo dos Santos, um traficante conhecido de Vitória, chamado de “Paulinho Boca Negra” e seu comparsa identificado pela imprensa como “Capetinha”. Supostamente, os dois criminosos foram apontados como autores da morte, porém o próprio Homero acreditava que quem falava mais alto na investigação era o dinheiro e não a verdade. Ele foi executado com um tiro nas costas.
Em 1977, o caso finalmente foi levado à justiça comum. Por ter sido enquadrado como um sequestro que acabou em morte, a competência do caso ficou para o juiz criminal Hilton Silly, e não para o Tribunal do Júri. Centenas de pessoas compareceram ao fórum de Vitória para acompanhar o julgamento e os interrogatórios dos três acusados. Silly acatou a tese da acusação e se disse convencido de que estava provada a materialidade e a autoria do crime. Condenou Dantinho e Helal a 18 anos de prisão e Dante a 5 anos, além do pagamento de 18 mil cruzeiros de multa.

 
A família Michelini não se deu por vencida e logo recorreu imediatamente da decisão para impedir a prisão. O caso voltou a ser investigado e passou para as mãos do juiz Paulo Copolio, que gastou quase cinco anos estudando os 39 volumes do processo. Por fim, anulou a condenação. Nenhum dos três acusados chegou a cumprir pena.
 


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