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“Em terra de sapos… de cócoras com eles”

“Em terra de sapos… de cócoras com eles”

Por Marcos Jorge Dias

Abri os olhos quando a mão fria da aeromoça tocou meu braço e pediu para eu colocar a poltrona na posição aprumada; a voz metálica do comandante da aeronave anunciava pelos alto-falantes que em poucos minutos pousaríamos no aeroporto de Cruzeiro do Sul.

Conhecida como “terra do Nauas” e considerada a capital do Juruá (rio da região), a cidade está localizada a 635,2 km de Rio Branco, capital do estado do Acre, pela via BR-364 e1h00 de voo em aviões comerciais. Seus igarapés mágicos, praias de areias claras e finas, rios de águas escuras e a floresta selvagem que cerca as construções e monumentos que simbolizam e guardam a história seu povo, fazem de Cruzeiro do Sul um lugar inesquecível e um importante polo turístico e econômico.

Porém, ainda não era esse o meu destino.

O motivo que me levou para a fronteira noroeste Brasil/Peru foi o convite feitopela divisão de comunicação da Embrapa/Acre, para ser um dos ministrantes, em uma oficina de Comunicação Comunitária, enfatizando meus conhecimentos da pedagogia Griô e em seguida assistir uma oficina de gastronomia usando a mandioca como base alimentar.

Desde o ano 2018,  a EMBRAPA/Acre tem desenvolvido ações de pesquisa e transferência de tecnologias na Terra Indígena Puyanawa, aldeias Barão e Ipiranga, (distante 62 km da cidade de Cruzeiro do sul). A oficina de Comunicação Comunitária teve por objetivo incentivar aos jovens indígenas a serem protagonistas na produção e divulgação de conteúdos comunicacionais e criar uma rede de comunicadores com foco na cultura, identidade e conhecimentos tradicionais dos Puyanawa.

Segundo WALKER, 2013, em seu trabalho de doutoramento, “os Puyanawa (gente do sapo) têm sua origem cultural, segundo as tradições de criação, da junção do sapo com a folha; poucos ainda falam a língua Puyanawa, em vias de extinção, denominada pelos falantes “ũdikuĩ” (língua verdadeira), pertencente à família linguística pano.

Hoje, são em torno de 555 pessoas (301, na aldeia Barão; e 254, na aldeia Ipiranga) 3, no Estado do Acre, que vivem no Território Indígena (TI) Puyanawa, divididos nessas duas aldeias, situadas no município de Mâncio Lima, às margens dos rios Moa e Azul, afluentes do rio Juruá. As primeiras informações sobre o povo Puyanawa datam do início do século XX e constituem relatos de viajantes ou missionários, na exploração do Vale do Juruá”.

Aos leitores mais curiosos, existem diversos sites com vasta informação sobre esse povo e seus festivais que no meu olhar de visitante simbolizam a resistência e a luta pela preservação de sua ancestralidade.

Quando cruzei o portal de entrada da terra indígena me despi de qualquer pré-conceito e me entreguei a magia e ao encantamento de um povo simples, sorridente e acolhedor.  E me perdi no tempo.

Caminhei descalço, tomei banho no igarapé, comi com gratidão o que me foi oferecido; cantamos, dançamos e sorrimos juntos em uma sinergia jamais sentida em outras circunstâncias.  Como diria minha mãe: “em terra de sapos… de cócoras com eles”.

A oficina de comunicadores foi um sucesso.  A de gastronomia, tendo como base a mandioca, também.  Mas nada me marcou mais que a vivência com a “gente do sapo”. Quando deixei a terra indígena e fui me desencantando na despedida de cada pessoa que conheci, senti que pedaços de mim foram ficando.

A estrada que me trazia ao aeroporto de Cruzeiro do sul me sussurrava um chamado de volta. O tempo que estive lá me fez rever conceitos e valores. Uma voz metálica e impessoal me despertou dos devaneios chamando para o embarque imediato. Desliguei o lap top e caminhei em direção a aeronave com a certeza de que voltarei.

Texto e fotos: Marcos Jorge Dias – Professor, Escritor e Poeta acreano. Matéria publicada originalmente em 28 de junho de 2019. 

Referências citadas pelo autor: Juruá Online 

WALKER, Maristela Rosso – UFAC/Campus Floresta-CZS/AC2

Agência de Notícias do Acre 

 


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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