Pesquisar
Close this search box.
A Fome é uma Política de Estado

A Fome é uma Política de Estado

A Fome é uma Política de Estado

Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. (Graciliano Ramos)…

Por Mauricio Falavigna/via Reconta Aí

Assim como nossa fome não é apenas a sensação de quem deixou de almoçar, nossa maneira de termos frio mereceria uma denominação específica. Dizemos ‘fome’, dizemos ‘cansaço’, ‘medo’ e ‘dor’, dizemos ‘inverno’, mas trata-se de outras coisas. Aquelas são palavras livres, criadas, usadas por homens livres que viviam, entre alegrias e tristezas, em suas casas. (Primo Levi)

Por que a saída do Mapa da Fome foi um marco da história do Brasil, repetido e louvado em todo o mundo? Antes de tudo, há a simples questão humana, já que em sã consciência e em público, mesmo com tormentas de ódio à humanidade e à civilização povoando o peito, nenhuma figura pública vai dizer que é favorável à fome.

Mas, principalmente, porque em um percurso de meio milênio, jamais a fome foi estigmatizada como uma chaga brasileira: sempre foi um condição inerente a nossa sociedade. E essa condição jamais foi um mal a ser combatido por governos, desde a Colônia até 2003. Pelo contrário, a fome foi naturalizada, até estimulada. Já em 1946, Josué de Castro chegava à conclusão de que, no Brasil, “a fome é um projeto político”.

Nossos avanços de inclusão pouco alteraram a desigualdade construída com denodo há séculos por aqueles que Faoro chamou, com propriedade, de donos do poder. A manutenção da estratificação social foi poucas vezes atacada. Foi apenas arranhada por políticas de Estado que visaram industrialização, implantação de direitos trabalhistas ou políticas econômicas que visavam ampliar e aliviar pressões sobre o estrato médio do mercado interno. Mas jamais a fome foi foco de um conjunto de políticas de Estado antes de 2003.

O conjunto do governo FHC, que ocupa espaço nostálgico no coração das elites pelo combate à inflação e pelas privatizações, 300 crianças morriam por desnutrição todos os dias, algo destacado em matéria do JN, assessoria não oficial (mas muito eficiente) do governo em questão. Mas a fome, filha-irmã da desigualdade, nunca foi objeto de política pública, nem na prática e nem no discurso.

Mas, apesar do intervalo de governos petistas, nossa tradição seguiu seu curso. Entre a ponte para o futuro e o atual governo, implodiram todas as políticas fundamentais para garantir a alimentação e nutrição adequadas. Desidrataram o Programa de Aquisição de Alimentos, extinguiram o CONSEA e o Programa de Cisternas; acabaram com os estoques estratégicos de grãos, os servidores da área de Segurança Alimentar foram afastados ou demitidos, a Reforma Agrária foi paralisada, além de terem descontinuado programas de redistribuição e garantia de renda básica. Sem falar em outros esvaziamentos e extinções de políticas sociais paralelas.

Para arrematar o quadro atual, temos o descontrole da inflação. O aumento do valor da cesta básica. Segundo pesquisa da Rede PENSSAN (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) realizada em dezembro de 2020, 116,8 milhões de pessoas passaram para o estado de insegurança alimentar; 43,3 milhões de brasileiros não tem acesso suficiente a alimentos e 19 milhões passam fome.

Implantar o Auxílio Brasil sem estourar o beatífico teto de gastos, partindo do aumento das alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) aumentará o custo do crédito, afetando empréstimos empresariais, diminuindo a possibilidade de a economia superar a crise, afetando até o uso do cheque especial por correntistas comuns de bancos, por exemplo.

Há um impacto direto sobre a população, as empresas e irá pressionar a própria inflação. Parece muito mais uma medida que visa manter a economia produtiva emperrada, e não combater a pobreza. Enquanto isso, a fome – que sequer é citada neste que é o único programa social previsto por este governo – grassa e vai machucando parcelas cada vez maiores da população.

Como lembra Primo Levi, a sensação da fome e de outras indignidades não se traduzem em palavras criadas por homens livres. Compreender a vileza da história e da elite não é algo reconhecido internamente. Gerou um governo que conta com o ódio de todo o espectro conservador (interclassista), da verdadeira elite e com um certo desprezo (ou despeito) de boa parte da chamada esquerda, que miniminiza esse feito, ou não o coloca em seu devido patamar.

Combater a fome é lutar por uma sociedade de homens livres, e não de vidas secas. Enquanto a fome for uma política de Estado, como voltamos a ver desde o golpe de 2016, permaneceremos uma sociedade de Fabianos, que “estirou os olhos pela campina, achou-se isolado. Sozinho num mundo coberto de penas, de aves que iam comê-lo”. Escapar da imobilidade e da dor da fome será sempre sair da toca e andar com a cabeça levantada, como homens e mulheres livres.

 

Maurício FalavignaProfessor, educador social, redator de marketing, jornalista e mais algumas coisas que não consegue se lembrar. Milita há uma década e meia na área de Inclusão Digital, dirigi ONG’s e coordenou projetos sociais.

 
 
 
 
 
Block
Revista 113
Revista 112
Revista 111
Revista 110
Revista 109
Revista 108
Revista 107
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow
0 0 votos
Avaliação do artigo
Se inscrever
Notificar de
guest
0 Comentários
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários

Parcerias

Ads2_parceiros_CNTE
Ads2_parceiros_Bancários
Ads2_parceiros_Sertão_Cerratense
Ads2_parceiros_Brasil_Popular
Ads2_parceiros_Entorno_Sul
Ads2_parceiros_Sinpro
Ads2_parceiros_Fenae
Ads2_parceiros_Inst.Altair
Ads2_parceiros_Fetec
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow

REVISTA

REVISTA 113
REVISTA 112
REVISTA 111
REVISTA 110
REVISTA 109
REVISTA 108
REVISTA 107
previous arrowprevious arrow
next arrownext arrow

CONTATO

logo xapuri

posts recentes