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Iraci Chegou!

Iraci Chegou: A título de homenagem, um pouco da história de Iraci Antonio da Silva, honrado cidadão formosense

Por Zezé Weiss

A Formosa, Iraci Antonio da Silva, mineiro de Bom Despacho, nascido em 9 de setembro de 1929, chegou no ano de 1941. Filho de Oscar e Maria Luiza, veio coma família numerosa – eram dez irmãos – para a Fazenda Campo Limpo, comprada pelo pai. Iraci era ainda um menino, tinha 12 anos de idade.

Com o passar dos anos, o sexto filho de Oscar tornou-se um adulto solidário, um cidadão responsável, um técnico de futebol competente. Em uma época em que ninguém sabia o que era empreender, Iraci tornou-se um empreendedor de sucesso. Bom marqueteiro, sem saber que o que fazia era marketing, Iraci inventou uma marca – “Iraci Chegou”—de tremendo sucesso.

Na política, o vereador de dois mandatos seguiu influente até o fim da vida, mas aos poucos foi trocando os palanques pelas conversas de pé-de-ouvido, as campanhas de rua, com muito grude pra colocar propaganda em poste, por visitas familiares o ano todo, para tratar não só de política, mas também dos temas caros à sua comunidade, como a saúde e a educação.

Do que Iraci nunca desistiu foi de dar uma boa formação aos filhos e filhas, de estar presente na vida dos amigos e amigas nos momentos em que mais precisavam, de manter acesa a paixão pelo futebol e pela política, de trabalhar muito, se divertir muito, de amar muito. É essa a memória que que contamos aqui: a história de Iraci Antonio da Silva, um cidadão do bem,  um ser humano amante da vida e do bem-viver.

Dona Nedy – Fevereiro 2020

NEDY, A COMPANHEIRA

Fora os tempos de namoro, Nedy Alves da Silva viveu 60 anos com Iraci. Casaram-se no ano de 1957. Juntos tiveram 3 filhas e 7 filhos: Wellington, Wedna, Wedson, Wedma, Welio, Welmo, Uilda, Iraci Filho, Welson e Wadson. Exceto por Wedna, falecida precocemente em consequência de um problema renal, todos estão vivos, e lhes deram 25 netos e 12 bisnetos.

Vivos e sadios” diz dona Nedy. “Filho meu nunca teve doença, nem dor de barriga, nunca fui parar em hospital com filho doente. Também, era ao menos um ano de peito e eu sempre cumpri a dieta do parto, sempre feito com parteira. A cada filho, eram 40 dias de canja de galinha, cama e muito repouso. Eu me lembro que a parteira queimava uma pinga no prato com alho e arruda pra eu tomar, pra ajudar a limpar o útero. Aí, comigo sadia – nunca fui nem ao dentista, nunca tomei injeção –  os meninos também cresciam fortes.

Do alto de seus 85 anos bem vividos, dona Nedy caminha devagar, mas com firmeza. Bonita e vaidosa, recém-operada de uma cirurgia de cataratas, ela faz questão de tirar os óculos e de passar para batom para as fotos. A prosa, mansa e terna, remete sempre aos tempos de Iraci: “Desde que nos casamos, Iraci e eu nunca mais apartamos. Onde ele ia, eu ia –  pros velórios, pras festas, pro futebol – era sempre nós dois juntos.”

Depois que Iraci se foi, dona Nedy manteve e mantém seu legado mais precioso: a união da família. Todo santo ano, no mês de agosto, ela enfrenta os 15 dias de barraca no Muquém, junto com mais de 50 familiares, para cumprir o compromisso com Nossa Senhora da Abadia, como nos tempos de Iraci. “Vai e volta reclamando, diz que está contrariada, mas vai, e depois que chega lá, não quer voltar, e depois que volta, já começa a pensar no ano seguinte,” entrega o filho Wellington, que os irmãos chamam de Tinha.

Na verdade, a Romaria do Muquém é hoje o ponto de encontro de toda a família. “Nos tempos do nosso pai, a gente ia no caminhão, todo mundo na carroceria, mais de 50 pessoas, chegando lá acampava onde ainda tivesse lugar. Hoje, a gente aluga o terreno pra montar nossas barracas, todas juntas, com conforto, com água e com luz, manda o caminhão com as tralhas, e vamos todo mundo de carro pequeno.” A tradição é tanta que, depois da morte do nosso pai, no nosso espaço o padre mandou instalar uma placa “Iraci Chegou”, conta o filho Welmo.

Hoje, na casa de Nedy, que um dia foi também de Iraci, é um vai-e-vem constante. “Toda hora chega neto, chega bisneto, chega vizinho, chega parente.  É nessa mesa grande da varanda, com as fotos de pai na parede, que nossa mãe colhe o que ela  e nosso pai plantaram: o afeto de uma família grande e unida,” diz o filho Wellington. Ao que Nedy completa com um singelo “é isso mesmo, aqui tem paz, a gente vive feliz.”

PAIXÃO PELO FUTEBOL

Houve um tempo, entre os anos 1960 e 1980, em que o futebol era a maior diversão da juventude formosense. Nessa época, o futebol era assunto de família, todo mundo participava, todo mundo – mulher e homem – dava palpite, todo mundo ia pros jogos e, depois dos jogos, pros bailes. Com a família de Iraci não foi diferente. Com Valdemar, seu irmão, amigo e companheiro de todos os momentos, popularmente conhecido como Vascão, Iraci escreveu um capítulo importante do futebol e da própria história de Formosa.

Carminha, sobrinha de Iraci, que tem por nome Maria do Carmo, mas gosta mesmo é do apelido Carminha, conta em detalhe a dinâmica da família na época: “Tio Iraci, pra mim ele era mais que um pai, era o líder. O que ele decidia, a gente acompanhava. Botafoguense doente, ele amava futebol, mas também amava as oportunidades de diversão saudável que o futebol trazia para uma juventude que, em Formosa, não tinha muito pra onde ir...

Tio Iraci resolveu cuidar do futebol do Formosinha. Primeiro, arranjou um campo pros treinos, era longe, no meio do Cerrado, lá perto de onde é hoje a garagem da Anapolina. Perto de lá, não tinha nada, não tinha a Avenida Brasília, era só poeira de chão batido mesmo. No centro da cidade tinha o Sabinão, que depois virou Diogão, mas era um campo de elite, a gente só ia lá quando tinha disputa com o Formosinha

Nos jogos do Formosinha, a gente ia todo mundo pro Sabinão, a gente era a maior torcida. Por ser de um bairro pobre, tinha sempre muito preconceito. O povo da elite chamava a gente de índio. Nós éramos os índios da Formosinha. No começo, quando o time entrava em campo e parte da platéia começa a gritar “Índio, Índio, Índio”, a gente se irritava, queria partir pra briga. Depois, tio Iraci falou pra gente levar na gozação, afinal, para os do lado de cima, a gente era índio mesmo…

O fato é que a gente já saía do campo torcendo pro próximo domingo chegar logo. O futebol era um daqueles lugares em que mulher só não entrava pra jogar os 90 minutos, porque de resto, nós íamos juntas com os atletas na carroceria do caminhão azul do tio Iraci – só tia Nedy tinha lugar na boleia –  a gente acudia nas brigas, a gente ajudava a entregar as faixas – porque sempre tinha faixa e taça pro time vencedor, e a gente dançava muito nos bailes depois da vitória, sempre na casa do tio Iraci.”

FORMOSINHA FUTEBOL CLUBE

Ninguém se lembra ao certo o ano ou o mês em que nasceu o Formosinha Futebol Clube. Todo mundo sabe, entretanto, que o time prosperou com muita reunião às sextas-feiras, regadas pela paixão de seu presidente, debaixo de uma mangueira, que ainda hoje existe, na casa do Iraci.

Uma foto do Formosinha no ano de 1965, cedida pelo filho mais novo de Iraci e Neidi, Iraci Júnior, o Dadá, registra como membros do time: Sérgio Silva, João, Adir, Choba, Deosa, Brás, Toizinho Tuca, João Goiaba, Daniel, João Tuca, Neguim e Zé Pio. O diretor-técnico era o tio Luiz e o presidente o Iraci.

Outra foto do Formosinha, do ano de 1968, Também cedida por Dadá, mostra como membros do time: Cirim, Anésio de Paiva, Toinzin Tuca, Deosa, Nelsão, Gilvan, Neném Silva, Neguim, Manoelzinho, João Tuca, Zé Pio e Edson. O técnico era, obviamente, o Iraci.

FORMOSINHA – CAMPEÃO FORMOSENSE DE 1970

Conduzido pelo presidente Iraci e sob a direção do técnico Tuca, o Formosinha Futebol Clube, campeão formosense de 1970, era composto por: Zeca Goiaba, Jequim, Celso, Deuzinho, Gê, Zildo, Mafaldo, Pé de Ferro, Pintinho, Osvaldo, Choba, Neguinho, João Tuca e Manoelzinho (Conforme foto do acervo da família).

Ao vencer o campeonato formosense de 1970, ano em que o Brasil foi tricampeão do mundo e trouxe pra casa a Taça Jules Rimet, o Formosinha ficou tão famoso que Iraci ganhou o apelido de “Iracizão 70”. A fama aumentou os convites pra jogar em outras paragens – Planaltina, Cabeceira Grande, Unaí, Palmital, por esse mundo todo o povo local esperava com ansiedade a chegada do “Iraci Chegou.”

Mesmo com toda fama, era atleta e torcida junto na carroceria do “Iraci Chegou”, que no começo era um “Pescocinho”, um caminhão tocado a manivela e depois foi evoluindo para um Chevrolet mais novo, sempre com o “Iraci Chegou” no pára-choque. O filhos contam que, quando ia chegando perto de uma cidade, os atletas começavam a vestir os uniformes com o caminhão em movimento, na estrada mesmo.

IRACI CHEGOU

Onde Iraci chegava, tinha sempre muita alegria, mas também muita disciplina e responsabilidade. A seus atletas, tratava do mesmo jeito que tratava seus filhos: podia tudo, menos beber. “Bebeu, chegava com cheiro de pinga, que era única bebida que a gente podia pagar, ele ia logo dizendo pra tirar o meião, que em campo não entrava,” conta o amigo Alberto, que prefere ser chamado de Beco-Pó.

De vez em quando, dava briga, e nessa hora Iraci não fugia da raia, entrava no campo e partia pra cima, junto com seus atletas.  Aí não tinha clemência, a ordem dele era ir pro pau. Depois, ele mesmo acalmava a confusão, “ele sempre dizia que uma briga não vale a amizade que se perde,” comentam os filhos. No fim, por insistência de Iraci, todo mundo se abraçava, e era esperar pela próxima encrenca, no próximo jogo, já sabendo que Iraci não saía da cidade sem as pazes feitas.

Na política, era a mesma coisa, passava horas discutindo, mas sem nunca agredir fisicamente, sem nunca ofender  a fé,  as ideias, nem a mãe, nem a família de ninguém. “Enquanto vocês ficam aí se pegando por causa de candidato, lá em cima eles estão é se juntando sem tomar ciência da burrice de vocês, então tomem tento, política é boa, mas não vale briga, não mesmo”, costumava dizer Iraci.

Com os filhos, era a mesma coisa: gostava de conversar, mas não aceitava desaforo, nem briga, nem cachaça. Os filhos se lembram de que um deles uma vez um deles chegou bêbado para um baile na AABB. Contaram pro Iraci, que acabou logo com a pendenga: “Aqui não é lugar de bêbado, é festa de família, então, seu moço, ponha-se daqui pra fora.”

O filho Wellio conta que apanhou depois de grande, pouco antes do pai morrer. “Eu estava tomando uns goles no bar do Nego do Rosário. Ele chegou e me botou pra correr. Na saída, meu pé escorregou da chinela que eu calçava. Ele não se fez de rogado, pegou a chinela e me fez sarar a cachaça de tanta chinelada. Era assim, terno, amigo, mas bravo sem tanto quanto o assunto era cachaça.

E assim ia seguindo Iraci pelos caminhos deste mundo: sempre promovendo a paz, sempre distribuindo solidariedade, sempre mostrando muita harmonia e muita alegria. Por décadas, o caminhão de Iraci prestou inumeráveis serviços de utilidade pública. Quando alguém precisava de um caminhão pra fazer mudança, era na porta de Iraci que batia. Depois do favor feito, perguntado preço do serviço, a resposta era: “deixa isso pra lá.”

OUSADO EMPREENDEDOR

Por muitos anos, Iraci trabalhou como servidor público no Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Goiás – DER-GO. Porém,  com uma prole numerosa e salário modesto, Iraci teve que se virar para complementar a renda.

O jeito foi pegar firme no “Iraci Chegou“, que é como ficou conhecido seu instrumento de trabalho – um caminhão chevrolet azul que tinha por marca a frase “Iraci Chegou” no pára-choques dianteiro. O filho Dadá conta como surgiu o slogan que fez época: “Minha pai tinha comprado um caminhão novo e, como nos outros que ele comprou, nossa alegria era a pintura  coletiva da carroceria

Já na hora da frase no pára-choque, ele chamou um amigo para escrever, mas a escolha da frase gerou uma confusão danada, com todo mundo dando palpite, com frases tipo  “Só Deus Salva, Jesus é o Senhor”, nós não chegávamos a um consenso, então meu pai, que estava tirando um cochilo, disse pro rapaz das letras: ‘Escreve aí: Iraci Chegou’. E assm foi feito,” completa Dadá.

Pois foi com o caminhão do “Iraci Chegou”no pára-choque dianteiro que o “Iraci foi inventando profissões onde pudesse incluir e ensinar os filhos a trabalhar. Botou todos os filhos no bom caminho, incentivou a estudar, incentivou a trabalhar. Nada parecia difícil pra ele. Tocou caminhão, fez casas, vendeu laranjas, vendeu esterco… sempre tirando tempo pra política e pra levar o Formosinha pra jogar,” conta o amigo Nego do Rosário, hoje com 77 anos de idade.

Como todo bom empreendedor, Iraci era bom de escambo. Começou fazendo fretes para as fazendas, trazendo bananas e laranjas de volta para entregar nas frutarias. O que não vendia no atacado, os meninos despachavam de casa em casa, nas ruas. Isso até que Iraci descobriu o lucrativo negócio de  descascar laranjas, que passaram a ser vendidas já descascadas e temperadas com uma pitada de sal, prontinhas para o consumo. Sucesso total:  tudo o que era produzido, era vendido pelos meninos aos domingos nos campos de futebol.

Outro negócio de Iraci era viajar pelas fazendas, trocando sal por esterno. A princípio, conta o filho Wélio, “ele vendia o esterco que trocava pelo sal pelas chácaras próximas a Formosa, de acordo com a demanda. Entregava o esterco bruto, do jeito que vinha das fazendas. Depois, ele viu que tinha outra maneira, em vez de ficar com caminhão parado, esperando alguém precisar, ele resolveu buscar o esterco, secar, embalar e vender por quilos aqui mesmo, na porta de casa. Deu certo!”

Mesmo nos momentos mais duros da labuta, Iraci sempre tirava um tempo par ao lazer. Dadá, o filho que herdou seu nome, lembra que nas buscas por frutas ou por esterco ou por tomates (que ele uma vez plantou em uma fazenda, de sociedade com um amigo), Iraci sempre dava um jeito de parar nos córregos e rios para que Nedy e a criançada pudesse se refrescar. “Sim, porque a gente andava sempre junto,” completa Dadá.

CONVITE FEITO, CONVITE ACEITO

Iraci tinha por princípio aceitar os convites que lhe eram feitos, fossem para o que fossem. Nedi conta que ele sempre pedia para anotar cada convite, pra não ter perigo de esquecer o dia ou a hora. “Era convite de festa de roça, de batizado, de casamento, de jogo de futebol, de baile, a gente sempre ia, porque Iraci achava que o convite era uma forma de apreço, uma deferência, uma expressão de confiança que precisava ser sempre atendida, que nunca podia ser recusada.”

Por conta própria, com ou sem convite, Iraci gostava muito de visitar os amigos. Já entrado nos seus oitentas, toda semana Iraci descambava a pé da Formosinha pro outro lado da cidade, ia lá pra SHIS, que ficava bem depois do Estádio Diogão, onde morava seu amigo Chico de Souza.  Na ida e na volta, ia parando pelo caminho, visitando gente antiga, cuidando de pessoas doentes, trocando prosa com os mais jovens.

Os filhos todos dizem que procuram hoje seguir este exemplo: Buscam ser corteses, gentis e solidários. Onde tem alguém doente, como se fora Iraci, lá está algum deles. Quando uma familiar ou amigo morre, vão ao enterro, depois a visitam a família, cuidam dos que ficam. Para as festas, vão sempre, porque pensam como o pai, convite feito é convite pra ser aceito.

APAIXONADO POR EDUCAÇÃO

Segundo os filhos, Iraci foi, a vida toda, um apaixonado por Educação. “Nós não sabemos se ele chegou a ler Paulo Freire mas, do jeito dele, nosso pai sempre dizia que só a Educação era capaz de transformar as pessoas, e que só as pessoas informadas e educadas eram capazes de transformar o mundo. Ele acreditava muito na Educação” dizem em uníssono.

Enquanto criança, Iraci precisou ajudar o pai na roça, não teve condição de estudar. Depois, na juventude, com a família crescendo rápido – era quase um filho por ano – a prioridade passou a ser alimentar aquele montão de gente e, à medida que iam crescendo, garantir escola pra todo mundo.

Autodidata, enquanto não podia estudar no tempo certo, Iraci ia lendo muito, de tudo um pouco, mas principalmente História. A família conta que, nos finais de semana, a cabeceira da cama dele se enchia de livros, e mesmo durante a semana, antes dos cochilos da tarde, ou antes do sono da noite, ele sempre dava um jeito de fazer suas leituras.

Já na terceira idade, ele finalmente foi pra escola.  Ele deixou os filhos crescerem, encaminhou todo mundo na vida, depois entrou para o curso de Técnico em Contabilidade no Colégio Estadual Hugo Lobo, em Formosa.  Ali, foi aluno do professor Ronaldo Gontijo, e colega de um grupo grande que se lembra de Iraci com carinho: “Mais do que um estudante, ele era um amigo, um colega amado e respeitado pela turma toda.”

Dos filhos, Iraci nunca cobrou trabalho, cobrou estudo. Todos estudaram. Para que pudessem se dedicar aos estudos, cinco dos sete filhos homens trabalharam com ele, no caminhão, enquanto estudavam. Mas, dizem os filhos e filhas, a maior lição, o maior legado que receberam de Nedi e Iraci foi o exemplo de uma vida feliz, honesta e humilde dedicada,  sobretudo, a servir ao próximo.

DOIDO POR POLÍTICA

Durante décadas, depois do futebol o eixo central dos interesses de Iraci foi a política. Vereador por dois mandatos, os amigos dizem que Iraci fazia um tipo único de política, “dedicado a ajudar” quem quer que fosse o prefeito, independente de ideologia, de partido político. Seu jeito de ajudar era mostrar “onde estava a falta de luz, o buraco, a pessoa enferma”, cobrar a solução do problema e prestar contas para a comunidade do que tinha ou não conseguido.

Correligionário do amigo e vereador Chico de Souza, Iraci foi da ARENA, depois do PDS, depois do PP, partido pelo qual ajudou a eleger o prefeito Pedro Ivo e o deputado estadual Ernesto Roller, no ano de 2008. Isso nunca o impediu de trabalhar em parceria com outros partidos, o que fez dele um líder respeitado por todos na Câmara de Vereadores, na Prefeitura, e também na política do estado de Goiás.

Nego do Rosário, hoje com 77 anos, parceiro de Iraci desde os 15, traduz a intensidade da paixão do amigo: “Para Iraci, servi de ajudante de caminhão e “escorante” de construção. Nos tempos mais difíceis, para complementar a renda, Iraci virou construtor. Nós dois sem experiência, ele sempre me dizia “escora aí pra gente ver se essa parede fica em pé’. Isso sempre com muita pressa, até aparecer alguém para falar de política…”

Nego conta que, da política, o que Iraci gostava mesmo era do bom debate, de preferência com alguém que tivesse ideias muito diferentes das que ele tinha. Com o amigo Pedro Vieira, do MDB e co-fundador do Formosinha Futebol Clube, os papos corriam acirrados por horas, tanto sobre política local como sobre temas nacionais, especialmente sobre democracia, isso em plena ditadura militar (1964-1985).

O amigo Antonio de Orieta

DOENTE POR LULA

Disciplinado, na política local e nos pleitos estaduais, Iraci seguia sempre a orientação e não somente apoiava, mas entrava “pra valer” nas campanhas dos candidatos de seu partido. Na política nacional, a história era outra: desde a campanha presidencial de 1989, Iraci sempre votou e fez campanha aberta para Lula.

O amigo Antonio Fernandes, que todo mundo conhece por Antonio de Orieta, hoje com 66 anos de idade, para quem Iraci foi “uma pessoa muito maravilhosa, um pai, um amigo, um grande companheiro”, é quem diz que Iraci era “doente por Lula”. Queria deixar ele feliz, era falar bem de Lula.

Iraci foi o meu grande amigo nessa vida. Como eu era bem mais novo, tinha a idade dos filhos dele, Iraci se tornou também meu conselheiro e meu guia político, sobretudo na devoção a Lula. Em dias normais, Iraci passava na minha casa duas, três vezes por dia, sempre me convidando para visitar um amigo, uma pessoa doente, alguém que estivesse precisando de alguma ajuda, ou só pra trocar ideia sobre algum assunto.

Nas campanhas de Lula, a prosa era outra: Como ele era doente por Lula, ele não me convidava, ele me intimava pra ir com ele de casa em casa, rua por rua pedir o voto pro Lula. Ele dizia que Lula era o futuro, o único capaz de ajudar os mais pobres, e que por ele vir da pobreza, quando fosse eleito ia ser o melhor presidente que o Brasil já teve. Era um discurso apaixonado e convincente, que acabava ganhando alguns votos.

Depois de 1989, quando o Lula perdeu para o Collor, ele continuou mais Lula ainda. Ele dizia que não tinha importância perder uma ou duas eleições, que o importante era que um dia Lula ia vencer e mudar a história do Brasil. Depois da vitória do Lula em 2002, a alegria dele era, a cada programa lançado, como o Bolsa Família, comentar comigo e com todo mundo: Eu não disse, o Lula é um dos nossos, ele cuida dos  mais pobres, ele é o melhor para o povo brasileiro.”

O amigo Nego do Rosário com Welio, filho de Iraci

MESTRE DO BEM-VIVER

Juntando futebol, política, música e tudo mais, Iraci era mesmo um mestre do bem-viver. O amigo Nego do Rosário relata os bons e prazerosos momentos da vida de Iraci, desde a juventude:

Depois que começou a namorar com a Nedi, no começo da noite eles saíam para dar um passeio, mas sempre voltavam antes das dez da noite, regra da casa. Nessa hora Iraci substituía o irmão Pedro na sanfona, e o baile rolava até altas horas. Ele gostava de tocar sanfona e de dançar, principalmente valsa, dançava três, quatro horas seguidas. Os bailes eram ali mesmo na Formosinha, na casa do pai de Nedi, onde a família mora até hoje.

Com o casamento, vieram outras responsabilidades e outros costumes, como a política e dedicação ao futebol, com reunião na sexta-feira e jogos todo fim de semana. Mas depois dos jogos, principalmente quando o time ganhava, tinha sempre baile debaixo da mangueira, na casa do Iraci. E assim ele ia educando os meninos na alegria de viver.

Pra festar, ele era sempre companheiro, ele só não gostava de bebida, muito menos que seus atletas ou seus filhos bebessem. Devoto fervoroso de Nossa Senhora da Abadia, durante décadas ele armou barraca, sem faltar nem um ano, na Romaria do Muquém. Nós também fomos muito pra festa do Boqueirão, em Unaí, mas com o tempo desistimos do Boqueirão e o Muquém virou tradição, com mais de 50 pessoas participando junto com Iraci.”

Família de Iraci no Muquém

SENHOR DA BOA MORTE

Dos inúmeros consensos pactuados entre as centenas de pessoas cujas vidas foram lindamente impactadas pela passagem de Iraci por este nosso planeta Terra, talvez o mais profundo e mais tocante seja sobre sua serena e suave partida rumo aos mistérios do infinito: Iraci morreu a boa morte.

Deitado ao lado de Nedi, sua companheira de vida por seis décadas, Iraci “morreu dormindo” na madrugada do dia 4 de agosto de 2013, em sua tradicional barraca na Romaria do Muquém, a pouco mais de 300 quilômetros de sua singela casa no bairro da Formosinha, onde viveu desde que se casou com Nedi, no ano da graça de 1957.

Iraci morreu num dos lugares onde se sentia mais feliz, fazendo o que mais gostava, que era viajar com a família, todo mês de agosto, para prestar devoção à Nossa Senhora da Abadia, no Muquém. Dizem que ele teve um infarto, eu não sei o que passou, só sei que ele foi embora sem sofrer, só deu um suspiro e não acordou mais,” conta Nedi sobre os últimos momentos de vida do seu bem-amado.

Formosa parou para se despedir do filho que acolheu e que, desde o ano de sua chegada, em 1941, só lhe deu alegrias. Depois de ser reverenciado por uma multidão de familiares, amigos, vizinhos, personalidades do mundo político e pessoas pobres de sua comunidade, o corpo de Iraci foi enterrado no Cemitério da Formosinha, que ele mesmo ajudou a construir.

Faltava pouco para Iraci Antonio da Silva completar seus 85 anos de idade, no dia 09 do mês seguinte. Era pra ter festa das boas, tipo forró com sanfona, com gente por todo lado, debaixo da mangueira de sempre, entre as amizades da vida inteira. Não deu tempo. “Festeiro do jeito que ele era, com certeza ele deve ter dado um jeito de fazer a festa no céu,” comenta Nedi com carinho.

Nota da Redação: Escrever esta matéria em homenagem ao mestre Iraci só foi possível graças à generosa acolhida de Welio, Carminha, Wellington, dona Nedy e Welmo, na foto acima. Gratidão imensa também ao Iraci Jr., o Dadá, por mobilizar a família para a entrevista, e pelas fotos enviadas via zap; ao Welmo,  pelas fotos da família no Muquém;  e ao Welio, por me acompanhar nas entrevistas com Nego do Rosário e Antonio de Orieta.  A maior parte das fotos utilizadas são antigas, cedidas pela família. As fotos recentes de minha autoria e estão à disposição da família. Gratidão!

 


Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

 

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