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Zé do Boteco e o futebol de Formosa

Zé do Boteco e o futebol de Formosa

Por Lúcia Resende   

A história do futebol em Formosa começou graças ao protagonismo de muitas pessoas apaixonadas pelo esporte, entre elas o mineiro Zé do Boteco.

Em 1950, uma numerosa família de Piumhi, Minas Gerais, chegava à fazenda Capoeira da Velha, no então Distrito de Veadeiros, hoje cidade de Alto Paraíso de Goiás, na carroceria de um caminhão. Assim chegou a Goiás o casal José Soares da Silva e Teresinha Resende Silva, trazendo no colo o primeiro rebento.

Em 1958, José e Teresinha deixaram ali a família e vieram para Formosa já com cinco filhos na bagagem – José (Zezão), Antônio (Tõe), Paulo Roberto (Tineca), Pedro Irlei, Jorge (Papagaio) – e uma filha – Maria do Rosário (Zinha), – estabelecendo-se na “Chácara dos Padres”, às margens do Rio Bandeirinha.

Pouco mais de um ano depois, com mais um filho – Marcelo –, e precisando estudar os mais velhos, José Soares comprou do chamado Zé Bodeguinha o Bar Shell, uma bodega que ficava no pátio do antigo Posto do Rachidinho (Rachid Saad), onde até há pouco tempo ficava a loja Pezinho Calçados. José e sua Teresinha começavam nova empreitada.

Formosa era então ponto de passagem para quem buscava o sonho da Capital da Esperança. Logo, José virou Zé e o bar virou Boteco, lugar de novas falas, novas ideias, novas culturas.

Era no Boteco do Zé que as conversas aconteciam. Das 5 da manhã às 8 da noite as pessoas iam apreciar o café, os bolos e quitutes da dona Teresinha e o famoso pão de queijo com a linguiça feita pelo mestre Antônio Carrijo.

Dali saía o sustento dos filhos, e ali aconteciam as prosas mais animadas: da política ao comércio, do comércio ao esporte, das casas da cidade à construção da nova Capital, tudo era discutido ali, com a participação entusiasmada do Zé.

A família cresceu, vieram Luiz Carlos (Carlinhos), Maurício, Fernando, Fátima, Marcos Aurélio (Zaca) e Márcia. Ao todo, dez filhos e três filhas. Como dizia o Zé: “fiz quase um time de futebol”. Lembrava ele que o feito só não fora possível porque um dos meninos, Vanderlei, gêmeo de Pedro Irlei, morreu logo ao nascer.

Ao longo da década de 1960, Zé do Boteco, vascaíno apaixonado, encontrava em Paulo Saad, José Galletti, Antônio Carrijo, Eduardo Martins, Dr. Sebastião Resende, Didi Hamú, Walter Saad, Homero Sabino de Freitas, Gérson Rosa, Clarival de Miranda, Tião Lôbo, Benedito Coruja, Zé Baixinho, Zé Português, Benoni, Seu Vespaziano Gualberto de Brito, entre outros tantos, os parceiros de debates incansáveis sobre o futebol em nível nacional e sobre as preocupações com o esporte em Formosa, na época em fase inicial, representado por times de bairro, nenhum deles com estrutura organizada.

Assim surgiu a ideia de se criar um clube de futebol e de se registrar um time para representar a cidade. Dessa forma nasceu o Formosa Esporte Clube. Zé do Boteco fez parte da primeira diretoria, presidida por Paulo Saad. O médico que cuidava dos atletas durante os jogos era o Dr. Sebastião Resende. A agremiação possuía, além da diretoria, dezenas de sócios contribuintes.

As contribuições deram sustentabilidade ao projeto, e o Formosa Esporte Clube se tornou conhecido por disputar amistosos em outras cidades, e também aqui em Formosa, tendo recebido inclusive equipes como a do Goiás e a do Vila Nova, da capital goiana.

Foto em preto e branco (acima) – Taça do Santos Dumont, campeão de 1974:  De pé, da esquerda para a direita: Marcelo, Papagaio,  Irlei, Tineca; Crianças agachadas: Luciano Gebrim, Maurício, Zaca, Fernando.  

Time do Santos Dumont, 1975 – 1976: De pé, da esquerda para a direita: Cléber (?), Jorge (Papagaio), William Nessralla, Icemar Teixeira, Marcelo, Renato Campolina. Agachados, da esquerda para  a direita: Kesser Romualdo, Genilson,  Tineca, Décio (Manso), Pedro Irlei. 

Da equipe, participou um dos filhos do Zé, Antônio, à época conhecido como bom armador e finalizador implacável com a perna canhota. Foram muitos os craques do Formosa Esporte Clube, mas, de todos, o meio de campo Valim é lembrado até hoje como o maior jogador do time e um dos maiores da cidade, em todos os tempos. E carece destacar Tio Luiz, figura de relevo na história do time e do esporte formosense.

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A fase áurea do Formosa Esporte Clube durou de 1963 a 1970 quando, em meio a muitas dificuldades, Paulo Saad desistiu do projeto, deixou a presidência, e o time se desfez.

Enquanto isso, a garotada do Zé crescera com a bola no pé e na cabeça, a família fixara residência na Rua Auta Vidal e, no início da década de 1970, os rapazes jogavam futebol no campinho de terra da Rua Santos Dumont, que ficava na quadra onde hoje mora um deles, o Tineca.

Ali eles encontraram companheiros como Zezito Pereira, Édson eletricista, Tião Gasolina, Padeirinho, Icemar, Deoclides, Jovenilson, Rubens (Xepinha), João Batista, Joaquim Guedes, Carlota, entre outros que, como eles, tinham no futebol o lazer de maior importância.

Dos filhos do Zé do Boteco, Zezão, Papagaio e Tineca fizeram parte desse primeiro momento, quando foi feito o estatuto do Santos Dumont Futebol Clube, cuja redação coube a Dr. Arnoldo Ribeiro, grande amigo da família. O presidente de honra e maior incentivador era Zé do Boteco.

A equipe logo teve destaque na cidade e se sagrou campeã formosense já em 1974, em uma disputa de pênaltis, todos batidos por Papagaio. Nessa época, Pedro Irlei também já integrava o elenco, sendo um dos artilheiros do time.

Com o passar do tempo, todos os mais novos também fizeram parte da equipe, sendo que Marcelo foi sempre considerado o craque não só do time, mas um dos maiores jogadores da cidade. Contam os irmãos que ele foi o primeiro atleta de Formosa a ser emprestado a outro time durante um campeonato. O time contratante era o Formosa Tênis Clube (FTC), e o acordo previa a participação do jogador no segundo turno do campeonato formosense.

A transação rendeu ao Santos Dumont 16 pares de meiões e, ao craque, uma carteirinha que lhe garantia acesso às dependências do clube. Marcelo ajudou o FTC a ganhar aquele certame e depois retornou ao Santos Dumont, de onde saiu em 1978 para jogar no Goiânia Esporte Clube. Do Goiânia, o craque foi mostrar seu domínio de bola e sua capacidade de armação de jogadas em equipes profissionais de outros estados.

Com o crescimento da cidade, findou-se o Boteco. Quanto ao Santos Dumont, passada a fase áurea e falecido seu sustentáculo moral, em 1986, a equipe foi-se enfraquecendo até que se desfez, e o futebol dos filhos do Zé ficou restrito às quadras de futebol de salão, com o time The Brothers.

Os  10 filhos na inauguração  de um campo de futebol em homenagem a Zé do Boteco, em 2014, no sítio do filho Antônio. 

Muito mais se poderia dizer de Zé do Boteco, o homem que ajudou a construir a história do futebol em Formosa. Mas, mais que tudo, é preciso contar sobre aquela casa e sobre sua comandante, dona Teresinha. Durante todo o tempo, em particular após 1970, aquela casa era uma verdadeira concentração desportiva.

Voz serena, de ternura infinita, uma mulher de fortaleza ímpar fazia parte de tudo. Era ela quem lavava e passava os uniformes do time. Era ela quem fazia no fogão a lenha os bules de café, os bolinhos de chuva, os bolos de fubá, de queijo, mandioca ou milho, e ainda a melhor empadinha que Formosa já conheceu. Era ela quem fazia o almoço e o jantar. Era ela quem servia a todos, prato por prato. Era ela, sobretudo, quem promovia fartura onde havia escassez. E eram tantos os seus, e eram tantos os outros, e a todos ela alimentava. E a todos ela abrigava.

Os 10 filhos em jogo homenagem com a AAFF (time do Diogão) promovido por Fernando (filho de Zé  do Boteco) e Betinho, (filho do Diogão), em 2009.

Dois meninos, inclusive, tanto se aninharam, que alcançaram a condição de filhos: Dito de Barros e Roberto do Prado, este último companheiro constante até a partida de dona Teresinha, em 2004. Algum tempo depois, Roberto se foi, vítima de um AVC, e Dito segue irmanado com os Botecos.

Assim foi, assim era. Ele, um homem ativo, dinâmico, de visão prospectiva. Ela, na sua passividade, no comando de tudo. Zé do Boteco e Teresinha Resende merecem ser lembrados não só porque foram pessoas importantes na história do futebol formosense, mas como exemplos de agregação na história desta cidade.

Lucia Resende – Esposa de  Pedro Irlei (com dados e informações da família e de amigos)

Da direita para a esquerda, de pé, por ordem de idade: Zezão, Tõe, Tineca, Irlei, Jorge (Papagaio), Zinha, Marcelo. Agachados, da direita para a esquerda: Carlinhos, Maurício, Fernando, Fatinha, Zaca e Márcia.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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