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A história do arroz de puta rica e um caboclinho goiano chamado João Bênnio

A história do arroz de puta rica

A história do arroz de puta rica e um caboclinho goiano chamado João Bênnio

Pra se explicar o que vem a ser o Arroz de Puta Rica – um prato típico da culinária goiana, é preciso primeiro contar a história de um caboclinho nascido mineiro, em 1917, que aos 19 anos, como artista de teatro, chegou em Goiânia e aqui virou um goiano pé rachado – João Bênnio.

Por Laurenice Noleto Alves

Ao final dos anos 60, apaixonado por sua terra adotiva, ele capitaneou várias atividades artísticas de Goiás e ainda resolveu que iria mostrar a todo o Brasil e ao mundo as belezas, as cantigas, os causos, o modo de viver, enfim, de seu povo.

Sem perder o jeito matuto de ser, o grande jornalista, teatrólogo, roteirista, cineasta, artista, poeta, contador de causos e de piadas juntou suas trouxas e foi pro eixo Rio de Janeiro-São Paulo, mexeu, virou e conseguiu: mostrou Goiás nas telas grandes das salas de cinema de todo o Brasil.

João Bênnio fez vários filmes longa-metragem. Todos rodados em cidades goianas, contando histórias verdadeiras – ou nem tanto –, mostrando as músicas e os costumes do seu povo simples, dos companheiros poetas e boêmios, e as belezas do majestoso e mágico Rio Araguaia, paixão telúrica dos goianos, que todos os anos, na época de poucas chuvas, quando suas águas abaixam, acampam em suas praias de areias muito brancas e finas.

Ali, João Bênnio rodou todas as cenas do seu mais famoso filme – “O Diabo Mora no Sangue” (1968), que escreveu junto com Hugo Brockes; dirigiu junto com Cecil Thiré, e atuou também, tendo como companheiras Ana Maria Magalhães e Maria Pompeo, entre outros famosos atores da época.

Depois disso, em plena Ditadura Militar, quando todas as manifestações de arte foram terrivelmente censuradas e muitos artistas e intelectuais presos e exilados, João Bênnio voltou à sua terra e, junto com um grupo de jornalistas, trabalhou no jornalismo chamado alternativo, escrevendo para o Jornal de Deboche, editado pela Cooperativa dos Jornalistas de Goiás.

Logo depois, como precisava sobreviver financeiramente, comprou uma chacrinha na beirada do Jardim Novo Mundo, em Goiânia, e instalou ali um dos primeiros restaurantes de comida típica de Goiás.

E, dentre outros pratos inventados ou simplesmente adaptados das cozinhas das roças goianas, Bênnio usou toda a sua criatividade de roteirista do cinema e criou a grande estrela do seu cardápio: o Arroz de Puta Rica!

A história do arroz de puta rica e um caboclinho goiano chamado João Bênnio

Contava João Bênnio que, antigamente, tempo do Brasil Colônia, quando Goiás ainda tinha suas economias sustentadas na extração do ouro, muitas donas de bordéis montaram suas casas e exploravam todas as suas habilidades para atrair às suas casas a maior clientela de homens ricos – moradores ou que chegassem à cidade.

Assim, na antiga Vila Boa, capital da Província de Goyaz, as donas dos bordéis, para chamar a atenção dos ricaços “coronéis” e dos tropeiros que chegavam de viagem, em completo “jejum”, depois de meses nas estradas, em lombos de burros, recomendavam às suas moças que não economizassem nos vestidos coloridos, batons e perfumes.

Uma delas, no afã de conquistar ricos pretendentes para as suas “afilhadas”, muito esperta, passou também ordens à sua cozinheira para caprichar nas panelas. E, para certificar-se da qualidade das receitas, chegou na cozinha e chamou sua cozinheira:

– Maria do Socorro, me acuda!

– Sim, patroa!

– O que você está preparando pra esta noite?

– Uma galinhada e uma maria-isabel, patroa!

– É pouco. Isso é de puta pobre! Misture essas duas panelas e ponha mais, ponha tudo que tem aí na       nossa dispensa. Além do frango da galinhada e da carne de sol da Maria Isabel, temos aí linguiça?

– Tem sim, Senhora!

– Tem lombinho de porco?

– Tem sim, Senhora!

– Tem costeletas de porco?

– Tem!

– Tem bacon?

– Tem, também.

– Huuuuummmm! Então prepare e bote um bocado de cada nessa panela de arroz com galinha e carne de sol… Mas ainda é pouco. Quero mais!!! Na nossa despensa tem azeitonas, tem?

– Tem sim, patroa.

– Então bote também!

– Tem uva-passa?

– Tem.

– Então bote também!

– Tem palmito?

– Sim.

– Pois bote!

– Tem ervilhas, tem?

– Tem sim, Senhora.

– Pois então ponha um bom bocado também. E o que tem mais? Bote tudo de bom que tivermos nessa panelada, minha filha, porque aqui é arroz de puta rica. E, quanto mais ingredientes, mais rica é a puta! Ká! Ká! Ká! Ká! Ká!

Pronto! Estava criado um dos mais exóticos e irreverentes pratos da culinária típica de Goiás: o Arroz de Puta Rica! E os tropeiros trataram de contar, por todos os caminhos por onde passavam, a história do arroz das putas ricas de Goiás.

A história do arroz de puta rica e um caboclinho goiano chamado João BênnioFotos desta matéria: Bárbara Braga Noleto Alves

Assim, na antiga Vila Boa, capital da Província de Goyaz, as donas dos bordéis, para chamar a atenção dos ricaços “coronéis” e dos tropeiros que chegavam de viagem, em completo “jejum”, depois de meses nas estradas, em lombos de burros, recomendavam às suas moças que não economizassem nos vestidos coloridos, batons e perfumes.

Uma delas, no afã de conquistar ricos pretendentes para as suas “afilhadas”, muito esperta, passou também ordens à sua cozinheira para caprichar nas panelas. E, para certificar-se da qualidade das receitas, chegou na cozinha e chamou sua cozinheira:

– Maria do Socorro, me acuda!

– Sim, patroa!

– O que você está preparando pra esta noite?

– Uma galinhada e uma maria-isabel, patroa!

– É pouco. Isso é de puta pobre! Misture essas duas panelas e ponha mais, ponha tudo que tem aí na       nossa dispensa. Além do frango da galinhada e da carne de sol da Maria Isabel, temos aí linguiça?

– Tem sim, Senhora!

– Tem lombinho de porco?

– Tem sim, Senhora!

– Tem costeletas de porco?

– Tem!

– Tem bacon?

– Tem, também.

– Huuuuummmm! Então prepare e bote um bocado de cada nessa panela de arroz com galinha e carne de sol… Mas ainda é pouco. Quero mais!!! Na nossa despensa tem azeitonas, tem?

– Tem sim, patroa.

– Então bote também!

– Tem uva-passa?

– Tem.

– Então bote também!

– Tem palmito?

– Sim.

– Pois bote!

– Tem ervilhas, tem?

– Tem sim, Senhora.

– Pois então ponha um bom bocado também. E o que tem mais? Bote tudo de bom que tivermos nessa panelada, minha filha, porque aqui é arroz de puta rica. E, quanto mais ingredientes, mais rica é a puta! Ká! Ká! Ká! Ká! Ká!

Pronto! Estava criado um dos mais exóticos e irreverentes pratos da culinária típica de Goiás: o Arroz de Puta Rica! E os tropeiros trataram de contar, por todos os caminhos por onde passavam, a história do arroz das putas ricas de Goiás.


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!


 

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