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“Gente de dois espíritos”: Povos originários reconheciam cinco gêneros diferentes

“Gente de dois espíritos”: Povos originários reconheciam cinco gêneros diferentes dos invasores com termos como “gente de dois espíritos”

A discussão sobre gêneros é central no mundo desde o início do século 21. Desde que lésbicas, gays, bissexuais e transexuais reagiram à violência da polícia de Nova York contra o bar Stonewall Inn e protestaram por direitos civis – movimento que completou meia década em junho -, nenhuma década teve avanço tão rápido nos direitos homoafetivos no mundo quanto os últimos 10 anos.

Dos 54 países que permitem casamentos ou uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, 39 implementaram a mudança entre 2009 e 2019, período em que o reconhecimento das uniões homoafetivas mais do que triplicou no mundo, segundo a Associação Internacional de Gays, Lésbicas Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (Ilga, na sigla em inglês).

No Brasil, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem sido uma das poucas instituições brasileiras a estimular o reconhecimento de gênero no Brasil – e ao menos entre seus quadros, esforça-se para mudar procedimentos outrora inflexíveis: naquele ano, por exemplo, passou a divulgar seu quadro de advogados divididos por gênero e, em 2017, autorizou a flexão de gênero nas carteiras profissionais dos profissionais de Direito. Grupos de dentro da entidade esperam que, nas próximas eleições de chapas da OAB, os candidatos sejam divididos por contas de gêneros.

Uma reportagem do Washington Post, no entanto, trouxe um novo elemento para a imensa discussão sobre gênero no mundo: segundo a publicação, as tribos nativas do que hoje são os Estados Unidos da América não tinham papéis rígidos divididos entre homens e mulheres até a chegada dos invasores espanhóis.

Para os indígenas, as pessoas que tinham tanto características “masculinas” como “femininas” eram dotadas de dons da natureza e, por isso, conseguiam entender os dois lados de tudo. Em todas as comunidades autóctones se reconheciam esses papéis de gênero, só que com nomes distintos entre cada uma: mulher, homem, mulher de dois espíritos, homem de dois espíritos e até uma palavra que significava transgênero.

Os Navajo, da área que envolve os estados do Arizona, de Utah e do Novo México, referiam-se às pessoas de dois espíritos como “nádleehí” (“alguém que se transformou”), enquanto os Lakota, da região das planícies do continente, usavam a expressão “winkté” para falar sobre homens que se comportavam como mulheres. Os Ojibwe, por sua vez, acreditavam que, além dos homens e das mulheres, havia os “niizh manidoowag”, ou “gente de dois espíritos”, e os Cheyenne, notadamente ocupantes do estado do Wyoming, tinham o termo “hemaneh” para indicar pessoas que eram “metade homem metade mulher”.

A cultura dos dois espíritos na América do Norte foi um dos primeiros costumes que os europeus trataram de destruir quando chegaram à região, no século 16, mas não só: no que hoje é o território mexicano, monges católicos espanhóis acabaram com muitos códigos astecas que tinham significações consideradas “profanas”, como a crença na existência de “pessoas de dois espíritos”. Segundo relatos históricos, eles forçaram os nativos a se vestir e a atuar socialmente de acordo com os “novos” papéis de gênero trazidos da Europa.

Um dos “homens de dois espíritos” mais celebrados pelos nativos da América do Norte foi o guerreiro Lakota Osh-Tisch, que se casou com uma mulher, mas guerreava usando roupas “femininas” e vivia como uma mulher no cotidiano. Em 1876, ele ganhou reputação e atenção dos ingleses no território estadunidense ao resgatar um prisioneiro de sua tribo durante a Batalha de Rosebud Creek.

“Nas culturas nativas norte-americanas, as pessoas eram valorizadas por suas contribuições a seu povo, para além de sua masculinidade ou feminilidade. Os pais não estipulavam papéis de gênero aos seus filhos, cujas roupas tendiam a ser de um gênero neutro. Não existiam, além disso, concepções anteriores ou ideais sobre como uma pessoa deveria amar: era um ato natural que ocorria sem julgamentos dos demais”, explicou o antropólogo peruano Nayo Rejas, da Universidad Mayor de San Marcos, de Lima.

Ao contrário dos dias atuais, as “pessoas de dois espíritos” na América nativa eram veneradas pelos povos originários em suas aldeias indígenas, e suas famílias eram consideradas “sortudas” por terem esse tipo de gente. Acreditava-se que uma pessoa que pudesse ver o mundo com os dois “espíritos” (feminino e masculino) tinha nascido como um presente dos deuses.

 

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!


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