A Guerra do Contestado
A Guerra do Contestado (1912-1916), em Santa Catarina, é considerada o maior conflito armado pela posse da terra já ocorrido no Brasil. O sangrento e prolongado embate, com milhares de mortos, exigiu várias campanhas pesadas do Exército, que pela primeira vez usou avião e metralhadora. Seu resultado foi uma reforma agrária na região.
Por Jaime Sautchuk
A guerrilha se tornou conhecida também como “dos Pelados” e “dos Fanáticos”. “Contestado” porque aquela área do país ainda era disputada por Paraná e Santa Catarina. “Pelados” porque os rebeldes raspavam a cabeça pra evitar piolhos e outros bichos. E “Fanáticos” por ter uma fachada de movimento messiânico, religioso.
As razões da guerra, em verdade, foram socioeconômicas. Uma latente tensão social já existia por causa do coronelismo, mas foi a construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande que a fez eclodir. O governo federal entregou a obra ao magnata ianque Percifal Farquhar, dono da Brazilian Railway Company, que já havia construído a Madeira-Mamoré, no Mato Grosso.
Foram dados à empresa 30 km de terras, em linha reta, às margens da ferrovia, para exploração de madeira e o que bem entendesse, mas aquelas terras já eram habitadas. Andava por lá um monge, de nome José Maria, que pregava o fim do mundo e a ressurreição, atraindo muitos fiéis. Em torno dele surgiu o conflito, mas ele morreu logo nos primeiros embates armados, ficando a adolescente Maria Rosa como liderança da seita.
Contudo, a moça era guiada por um conselho militar, que incluía seu pai, e repassava comandos como se tivessem sido visões. A luta ganhou vulto por anos a fio e só parou com a rescisão do contrato da ferrovia e o loteamento das terras que haviam sido entregues à empresa construtora, distribuídas a pequenos produtores.
Da produção daqueles minifúndios nasceram os grandes frigoríficos brasileiros (Sadia, Perdigão etc.), nas primeiras décadas do século passado.
Jaime Sautchuk – Jornalista. Escritor. Fundador da Revista Xapuri. Encantado em 14/07/2021, aos 67 anos de idade. Esta matéria (publicada originalmente em dez/2020) faz parte do legado de Jaime.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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