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O cangaço, o latifúndio e as oligarquias

O cangaço, o latifúndio e as oligarquias
O presente artigo tem como finalidade fazer uma análise do cangaço na história brasileira e os motivos que levaram a formação desse movimento social que causava temor na região do nordeste devido as atitudes violentas praticadas.

Por Fátima Teles, no Portal Vermelho

I – INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como finalidade fazer uma análise do cangaço na história brasileira e os motivos que levaram a formação desse movimento social que causava temor na região do nordeste devido as atitudes violentas praticadas.
 
Analisar o cangaço é investigar também o contexto sócio-econômico e cultural do Brasil desde a sua colonização no que tange a questão agrária. Um país “descoberto” por europeus que não respeitavam a cultura dos habitantes ali encontrados, iniciando assim uma série de violências contra a etnia que habitava as terras e palmeiras brasileiras.
 
O poder político do Império através das capitanias e sesmarias concedeu terras aos seus correligionários em detrimento dos que ali já viviam, plantavam, produziam e colhiam. Posteriormente a exploração da mão-de-obra escrava também não era questionada em razão das etnias tidas como minorias não serem reconhecidas culturalmente sendo tratadas como inferiores, forçadas ao progresso “civilizador”.
 
O intuito da pesquisa é refletir essas práticas violentas compreendendo-as como um grito de justiça social diante da concentração de riqueza, da ausência do Estado de direito, do controle social exercido pela política coronelística.
 
O trabalho traz uma reflexão sobre o cangaço configurando-o como uma questão social nordestina, pelo fato de ter surgido no final do século XIX, época de seca na Região Nordeste, fome e miséria, além dos conflitos gerados pelo latifúndio explorador onde o homem do campo era subserviente à elite agrária e ao coronelismo político. Os direitos sociais eram inexistentes e a lei do mais forte era a que imperava, de modo que a justiça se efetivava através da coragem das pessoas e de suas ações vingativas.
 
O cangaço surge a partir de conflitos familiares, desigualdade social, injustiças e, ausência de política agrária, tornando-se uma questão social. Para realização dessa pesquisa foram necessárias bibliografias para ampliar o conhecimento diante desse movimento social no contexto histórico de nosso país.
 
II – DESENVOLVIMENTO
 
Na passagem do Império para a República velha vários movimentos sociais se fizeram presentes. Enquanto no sertão nordestino os trabalhadores rurais cansados da exploração do trabalho no campo buscavam inserir-se em movimentos messiânicos como os de Antônio Conselheiro em Canudos na Bahia, outros seguiam o beato José Lourenço no Caldeirão no Ceará, comunidades essas que viviam em regime de igualdade onde todos tinham direito a tudo que produziam e se baseavam na fé para o trabalho.. Outros sertanejos entravam no cangaço como forma de fazer justiça diante dos seus sofrimentos ou injustiças sofridas.
 
O Sul do País também gritava por justiça social. A guerra do Contestado foi um exemplo da inexistência de política agrária, João Cândido levanta a bandeira dos direitos humanos com a revolta da chibata e os operários dos grandes centros iniciam a formação de sindicatos chamando a atenção com a greve geral de 1917 na luta pelos direitos trabalhistas. Porém, a classe dominante e o governo consideram a “questão social” ilegítima por ela subverter a ordem instituída e coloca os aparelhos do Estado para repreendê-la tratando-a como “caso de polícia”.
 
“A questão social brasileira, em suas variadas formas, tem na desigualdade e na injustiça social ligadas à organização do trabalho e à cidadania seu núcleo orgânico. Resulta da estrutura social produzida pelo modo de produção e reprodução vigentes e pelos modelos de desenvolvimento que o País experimentou…” (Arcoverde in Capacitação em serviço social e política social : 1999.P.78)
 
No início do Século XX o Brasil vivia sob os ditames da República velha. A política brasileira desde as suas primeiras ações governamentais contribuiu para a fragmentação da região no que diz respeito a cultura, educação, saúde, agricultura, etc. O sudeste do país havia maiores investimentos pelo fato de terem grandes políticos dessa região governando o Brasil em regime de alternância. A região Sul crescia a olhos vistos com uma agricultura rica cultivada pelos imigrantes, tendo a colaboração do próprio clima, já que havia chuva para fertilizar o solo sempre.
 
A dinâmica social e econômica das cidades litorâneas era diferente do sertão onde a aridez do clima se tornava um grande auxiliar para as secas que traziam como conseqüência a fome, a miséria e o êxodo rural.
 
Enquanto nas cidades havia empregos no comércio e nas instituições do governo, no campo restava apenas a agricultura de subsistência onde o homem do campo trabalhava horas exaustivas enriquecendo cada vez mais o seu patrão e empobrecendo a si próprio através da mão-de-obra barata, de modo que o dinheiro que ganhava mal dava para a alimentação da família. Essa situação favorecia a prática de favores e a subserviência, o “paternalismo” alienador.
 
As condições climáticas do semi-árido nordestino favoreciam o surgimento de secas prolongadas de tempos em tempos, castigando a produção agrícola do homem do campo trazendo miséria e fome. As secas, o controle social, a partir da prática de favor cultivada pelos senhores de fazenda diante dos trabalhadores fez com que alguns se indignassem e fossem mudar o seu destino, adentrando no cangaço ou no messianismo.
 
As secas que aconteciam no Nordeste costumeiramente terminavam por desanimar o trabalhador rural e fazer com que o mesmo buscasse meios de superação. Foi assim que muitos abraçaram a fé através do messianismo religioso que percorria o sertão, outros iam embora para o Sudeste em busca do sustento da família em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo pelo processo de industrialização que se iniciava ou partiam para a Amazônia trabalhar nos seringais extraindo látex para a produção da borracha. Ainda havia aqueles que decidiam entrar no cangaço por motivos de vinganças pessoais ou como grito de justiça social num país onde não havia políticas sociais para diminuir as desigualdades sociais e os direitos sé eram efetivados através da lei do mais forte.
 
“Em 1877, por exemplo, o sertão nordestino foi atingido por uma terrível seca, que matou cerca de 500 mil pessoas e obrigou 3 milhões de sertanejos a buscar sobrevivência em outras áreas. Uma delas foi a Amazônia, onde se expandia a exploração da borracha” (Projeto Araribá: 2006.p.69).
 
Nessa época um grande contingente de pessoas , especialmente de nordestinos foram trabalhar na produção de borracha com a esperança de uma renda que viesse favorecer condições de vida melhor para suas famílias e muitos ficaram apenas na ilusão, no sonho do enriquecimento.
 
“Vale a pena citar o Diário de Pernambuco que informa o número de flagelados em fins de 1877: 700 mil no Ceará, 150 mil no Piauí, 117 mil no Rio Grande do Norte, 400 mil na Paraíba, 200 mil em Pernambuco, 50 mil em Alagoas, 30 mil no Sergipe e 500 mil na Bahia. Vê-se que o Nordeste sofria por inteiro, com fome, miséria e morte. A história do sertão é marcada pela ausência do Estado; o sertão passou da monarquia para a República, esquecido pelo poder central ficando a mercê das elites arbitrárias. O sertanejo continuou entregue à própria sorte.” (Diário de Pernambuco in Bezerra: 2009.p 58).
 
A seca trazia prejuízos exorbitantes para a população nordestina já que a sua economia era basicamente agrária e ao mesmo tempo favorecia uma minoria que concentrava interesse políticos e econômicos tornando a seca uma indústria de votos através da prática de favores e assistencialismo conduzindo e controlando o sofrido povo nordestino de modo a aliená-los já que os sertanejos terminavam precisando da ajuda da elite agrária para a sobrevivência familiar.
 
Virgulino Ferreira, o Lampião, nascido no sertão Pernambucano, adentrou no cangaço no início do século XX logo após o assassinato de seu pai por causa de conflitos familiares. O orgulho e a questão da honra no sertão nordestino sempre foram muito fortes uma vez que não havia resposta imediata da justiça os sertanejos faziam justiça com as próprias mãos respondendo as suas indignações. Sentindo-se injustiçado Lampião formou o seu bando e com a alma ébria de ódio saiu pelo sertão nordestino saqueando o comércio, as fazendas e matando sem temor, como forma de se vingar e sobreviver a dor que encarcerava as veias do seu coração. Agia como se toda a sociedade fosse culpada pela sua perda e assim a vida destemida o protegia de seu desalento e o fato de ser temido e conhecido no País inteiro alimentava o seu ego.
 
Muitos sertanejos entraram no cangaço pelo status social que ele adquiriu no sertão, chamados de justiceiros, o que denotava poder entre a população sertaneja, já que ora eram amados e ora eram temidos. Outros seguiam Antônio Conselheiro ou o beato José Lourenço nas comunidades criadas por eles onde se vivenciava os princípios da igualdade e fraternidade, onde ninguém era oprimido e tudo era repartido entre todos.
 
“Virgulino, ao tornar-se Lampião, não pensou ser bandido ou herói: apenas disse não a uma agressão sofrida e reagiu. Subverteu a ordem estabelecida. Foi autor da sua própria história e não, apenas, coadjuvante na história de alguém. Subverteu a ordem quando matou, quando invadiu cidades, quando escolheu seu destino…” (Bezerra: 2009.P.122).
 
Lampião fez do cangaço uma forma de enfrentamento à justiça, às desigualdades sociais, ao próprio governo e a toda elite agrária, sendo temido por suas ações violentas e truculentas em todo o sertão nordestino. Subverte a ordem também quando por amor deixou Maria Bonita adentrar no cangaço, levando-a consigo e tratando-a como companheira, o que acarretou a vinda de outras mulheres para esse movimento social. Analisamos a questão de gênero que envolve o cangaço. Um país que caminhava com base na educação patriarcal, machista, onde o homem era o centro das decisões, cabendo a mulher apenas a educação da prole e a organização do lar. Na vida rudimentar da Caatinga, do sertão nordestino, as mulheres entram no cangaço, quebrando a tradição masculina do mesmo e são tratadas como companheiras, participando das lutas, seguindo os seus companheiros nas viagens, alegrando as suas noites com músicas e danças.
 
“se o indivíduo pode ser considerado como produto da história, ele é também produtor dessa história. Ele é portador de historicidade, quer dizer, da capacidade de interferir na sua própria história, função que o conduz enquanto sujeito a um movimento dialético entre aquilo que ele é e o que ele se torna: O indivíduo é o produto de uma história na qual ele busca se tornar o sujeito”. (Bezerra apud Lins, 1997)
 
Lampião foi o produto de uma sociedade desigual econômica e socialmente, que por não oportunizar os trabalhadores à dignidade transforma-os em rebeldes e revolucionários. Sendo produto de uma história ele também se torna seu produtor pois interfere nessa história e a modifica como autor do seu próprio destino, da sua história. Portanto, como sujeito, ele constrói e transforma. Lampião não se tornou só o produto de um Brasil ditado por uma elite dominante que governava em prol dos seus próprios interesses. Lampião se torna construtor da história de luta dos sertanejos que escolheram a vida rude e violenta do mundo do cangaço e dessa forma enfrentou governantes de toda a Região nordestina a tal ponto que ficou conhecido pelo seu destemor até hoje em pleno século XXI, de modo que não se fala em cangaço sem a figura emblemática de Lampião, representante maior do cangaço brasileiro.
 
A forma como foi criada a representação social do homem sertanejo e do sertão, perduram ainda na contemporaneidade na imaginação dos brasileiros: “atraso, violência, seca, mortes, bando de salteadores. No entanto, não há o esclarecimento, não há a consideração da dimensão histórico-político-cultural da fabricação dessa imagem do nordestino. A construção simbólica do sertão é feita do ponto de vista da elite que retrata o flagelado como “preguiçoso”, culpado pela própria situação de exclusão em que é obrigado a viver”. (Bezerra:2009.p.62).
 
Essa representação deve ser refletida, analisada para que, compreendendo as peculiaridades de cada região brasileira e os investimentos políticos e econômicos que cada uma recebeu para o desenvolvimento social dos seus habitantes, os aparelhos ideológicos não sejam utilizados para favorecer a prática do preconceito e da discriminação que geram a exclusão social, mas o comprometimento com o exercício da cidadania em reconhecer que os movimentos sociais foram e são formas de enfrentamento às desigualdades sociais e injustiças de toda ordem. Dessa forma, o cangaço deve ser compreendido como um movimento que surgiu das injustiças e da desigualdade social imposta no país desde a sua colonização.
 
III – CONCLUSÃO
 
A pesquisa e o estudo sobre o cangaço trouxe a possibilidade de analisar esse movimento social como uma questão social do Nordeste surgida como um grito de justiça social em decorrência da desigualdade social, a falta de oportunidades para o trabalho com condições de dignidade para o trabalhador rural, pela ausência do Estado diante da questão agrária.
 
Conclui-se que a violência praticada no cangaço pode ser refletida a partir de uma análise de conjuntura do Brasil naquele momento para melhor compreender as razões que levaram a formação desse movimento social.
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
Rosa, Bezerra. A representação do cangaço. Recife. Ed.do autor, 2009.
 
Rodrigues, Joelza Ester. História em documento: imagem e texto. São Paulo. FTD, 2002.
 
Melani, Maria Raquel Apolinário. Projeto Araribá: história 6. São Paulo. Moderna, 2006.
 
Seriacopi, Gislane Campos Azevedo. História: volume único. São Paulo. Àtica, 2005.
 
Mota, Myriam Becho. História das cavernas ao terceiro milênio. São Paulo. Moderna, 2005.
 
Cabral, João Firmino. Lampião: herói ou bandido. Fortaleza. Tupynaquim Editora, 2009.
 
Arcoverde, Ana Cristina Brito. Questão social no Brasil e serviço social. In: Capacitação em serviço social e política social. Brasília. CEAD, 1999.
 
Mestriner, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a Assistência Social. São Paulo. Cortez, 2008. Fonte: Portal Vermelho

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