Angela Mendes : “Que negócio feio da p…rra é esse?”
Um comentário postado pela filha de Chico Mendes nas redes sociais causa polêmica no Acre, e ela responde. Veja o texto-resposta de Angela Mendes, na íntegra:
“Pronto, a partir desse comentário começou toda a polêmica. Sobre o que eu estava me referindo? Pois bem, segue a pergunta: “Que negócio feio da porra é esse, senhor governador do Estado do Acre?” O tom da pergunta se justifica porque, para começar, o governo atual, desde a campanha eleitoral, sempre defendeu abertamente o agronegócio, principalmente em relação à soja e ao fortalecimento da pecuária no Estado.
O que fez o goveno não avançar até agora em sua decisão de desproteger o patrimônio ambiental do Acre para por em prática suas ideias antiecológias de desenvolvimento são os acordos internacionais e os recursos que o Estado ainda recebe por sua trajetória passada de bom desempenho na redução do desmatamento. Acordos esses que vêm sendo sistematicamente descumpridos. Para citar apenas um exemplo, desde o início da gestão atual, o Estado deveria pagar mas deixou de pagar o subsídio estadual a milhares de extrativistas que dependem dessa renda para sustentar suas famílias.
Agora, ao querer usar a figura/imagem/memória de Chico Mendes como marca política de uma gestão que desrespeita todas as lutas de meu pai, esse governo que apoia e está alinhado com as “loucuras” de um presidente da República que, sistematiamente, vem destroçando todas as políticas ambientais construídas ao longo de muitas décadas de luta coletiva, marcadas a sangue, mortes e resistência, o governo do Acre acintosamente viola a memória de Chico Mendes.
É por isso que não me calo. É por isso que uso minha voz para denunciar os desmandos que vem sendo cometidos contra a luta de meu povo e o legado de meu pai, especialmente contra as demarcações de áreas protegidas, como as reservas extrativistas, legado que herdamos da luta de Chico Mendes, de seus companheiros e companheiras extrativistas conquistado com muito sangue derramado, incluindo o sangue de meu próprio pai.
Me preocupa o fato de que parlamentares acreanos vem, macomunados com a política local e os interesses excusos do governo nacional, trabalhando para reduzir as áreas das reservas extrativistas, hoje sob a guarda das comunidades extrativistas e portanto fora do alcance da sanha criminosa das motosserras. Me preocupa o dano que decisões desse naipe possam trazer para questões ambientais, para os povos da floresta, para o movimento ambientalista ante um governo que avança totalmente na contra-mão das questões ambientais.
O problema aqui é, portanto muito mais grave do que um comentário feito por mim em uma rede social. É bem mais grave do que os ataques e comentários das pessoas que estão se beneficiando com tudo isso, salientando questões rasas e infundadas a partir do que eu disse.
O problema em questão é a apropriação que o governo do latifúndio vem fazendo da imagem de meu pai e dos avanços do povo acreano em defesa do retrocesso ambiental com o uso de recursos públicos. Trazer aqui ao nosso Estado um “especialista” para dizer, no espaço sagrado da nossa Universidade, que não existe mudança climática? Faça-me o favor!
Em sã consciência, não posso aceitar que o governo use da nossa luta para justificar desmatamento e queimada para, como no passado, abrir rombos na floresta e na vida dos povos da floresta para a plantação da soja e a criação de gado da mesma forma abusiva e criminosa que foi feita lá atrás.
Em sã consciência, não posso concordar com o que estão fazendo com o legado de Chico Mendes. Em sã consciência, não posso aceitar que se apropriem da memória de meu pai por um governo que vai contra os ideais de de justiça social e proteção ambiental, que vai contra tudo aquilo que meu pai defendeu.
O comentário que tanto incomodou é, portanto, mais um gesto meu de de Resistência. Como filha de Chico Mendes, como cidadã livre, independente e contrária à política de acabar com o patrimônio socioambiental do Estado do Acre, mantenho minha indignação e meu protesto: O que estão fazendo ao tentar se apropriar de uma história e de uma luta da qual nunca fizeram parte é um negócio feio da porra mesmo!”
Angela Mendes – Filha de Chico Mendes
por Alma Acreana
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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