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BRASIL

Brasil: Laboratório da guerra híbrida

Brasil: Laboratório da guerra híbrida

O Brasil, que havia iniciado o ciclo de ditaduras militares, abre o ciclo de regimes de exceção no continente. Em 1964 se instalou primeiro aqui uma ditadura pelo potencial de riquezas enorme do país e pela fraqueza relativa da esquerda. gora isso se dá peso do país na região, mas desta vez se dá pela força da esquerda e porque o país se tornou o elo mais frágil da cadeia neoliberal…

Por Emir Sader

A guerra híbrida é a nova estratégia imperialista, depois que os golpes militares se tornaram inviáveis. Ela combina a judicialização da política com a criminalização da imagem dos líderes populares pela mídia, para impor processos eleitorais fraudulentos, que deixam de expressar a vontade democrática do povo. O caso brasileiro foi o primeiro em que isso foi necessário, pela modalidade do regime de exceção, de encarar processos eleitorais; é o caso exemplar de como se pode falsear eleições dentro das instituições, com a cumplicidade delas.

É preciso estudar as particularidades desse novo tipo de regime antidemocrático. Antes de tudo, deixar de lado o trem do fascismo, que pertence ao arsenal político da velha esquerda, da esquerda do século XX, que foi prisioneira das experiências da esquerda europeia nos anos 1930 e tratou de estendê-la até a América Latina. Essa velha esquerda, centrada nos partidos comunistas, se apressou em caracterizar a ditadura militar brasileira de 1964 como fascista, porque era a única visão de que dispunha. Evidentemente se equivocou, foi uma das razoes porque foram outras forças que protagonizaram a oposição ao regime militar.

A nova modalidade de golpe imposto pela direita latino-americana fez renascer de novo a linguagem do fascismo, porque obviamente existem valores típicos do fascismo na extrema direita latino-americana: racismo, machismo, discriminação dos negros, das mulheres, apelo a soluções de extrema violência contra os inimigos, etc. Mas é um tipo de regime novo, diferente, para o qual o apelo ao fascismo não ajuda, só confunde.

Visões que não conseguem apreender a situação concreta, particular, do mundo na era neoliberal, se valem dos vocabulários do fascismo como confissão da incapacidade de compreender as novas condições históricas do mundo no século XXI. São visões da esquerda do século XX, que em nada contribuem para a definição de formas de luta da esquerda do século XXI. O pensamento deve servir para diferenciar os fenômenos e compreender suas diferenças e não para amalgamar fenômenos distintos na mesma categoria.

O regime de exceção instaurado pelo golpe de 2016 faz parte da guerra híbrida, a nova estratégia imperialista. Ela se insinua dentro das instituições para descaracterizar a soberania popular nas democracias existentes, forjando governos com aparência de legitimidade, mas eleitos mediante processos fraudulentos. O governo Temer foi resultado de um processo desses, assim como será o governo Bolsonazi.

Podemos perguntar-nos como alguém que representa o que de pior tem os brasileiros conseguiu chegar ao cargo de presidente do país. E, ao mesmo tempo, a melhor pessoa que o país já teve foi proibida de concorrer, porque ganharia as eleições no primeiro turno. Porque se instalou um processo de perversão da natureza das instituições.

O judiciário, ao invés de zelar pelo Estado de direito e pelos processos eleitorais, tornou-se cúmplice da ruptura da democracia e da instauração de um regime de exceção no país. A mídia passou a ser o partido da direita, fabricando a opinião pública conforme os objetivos do regime de exceção, condição indispensável para a realização dos objetivos de desqualificar as lideranças populares e impor a agenda da direita.

O resultado é um regime de exceção, em que a soberania popular foi expropriada. O neoliberalismo só pode sobreviver com um regime que não expresse a vontade da maioria, que sempre se choca com os efeitos negativos desse modelo. A direita brasileira abandonou qualquer veleidade democrática, qualquer compromisso social, qualquer compromisso com um projeto de nação. Se joga nos braços do primeiro aventureiro que lhe promete garantir esse modelo e impedir um governo petista.

Emir Sader
Sociólogo
Autor do livro “O Brasil que
queremos. ”

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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