Concentração do gás atingiu mais uma marca redonda: 410 partes por milhão em abril.
Por Claudio Angelo/Observatório do Clima – Parem as máquinas! Na última quarta-feira (2), a Instituição Scripps, na Califórnia, anunciou que a concentração máxima de gás carbônico na atmosfera da Terra superou pela primeira vez na história a marca das 410 partes por milhão. Previsivelmente, o noticiário se encheu de superlativos: “recorde”, “jamais visto antes”, “da última vez que isso aconteceu os humanos não existiam”.Exagero? De forma alguma. Novidade? Tampouco.Em 2015, quando essa mesma marca superou a cabalística cifra de 400 partes por milhão na média anual, nós no OC já tentamos botar o dado em perspectiva. Nunca antes nos 250 mil anos de existência do Homo sapiens chegamos perto desse valor. Os dados climáticos são incertos e a evidência direta da composição da atmosfera no passado, aprisionada no gelo da Antártida, só vai até 800 mil anos atrás.Mas é provável que a última vez que o carbono no ar atingiu 400 ppm tenha sido 3,5 milhões de anos atrás, no Plioceno, quando os ancestrais dos seres humanos ainda viviam em árvores, a temperatura era 3ºC mais alta e o nível do mar era 20 metros mais elevado do que hoje.A julgar pelo comportamento da Terra no passado, manter esses níveis de CO2 no ar é uma ideia de jerico, porque isso causou derretimento de geleiras, extremos climáticos violentos e possivelmente extinção de espécies.Só que agora é pior, já que há 7 bilhões de pessoas no mundo e trilhões de dólares em infraestrutura na linha da maré. A diferença entre 400 ppm e 410 ppm é pouco mais do que fetiche numérico, já que: 1) há tempos entramos em território climático desconhecido, e 2) a atmosfera está se comportando exatamente como deveria num cenário em que as emissões globais de gases de efeito estufa só aumentam ano após ano.Não é notícia no sentido estrito de novidade (imagine a manchete: “Extra! Extra! Cientistas descobrem que atmosfera se comporta exatamente como previsto!”). Mas não deixa de ser um lembrete – mais um – de que, ei, galera, tá tendo aquecimento global ainda.Há exatos 60 anos e um mês, o físico americano Charles David Keeling escalou os 3.500 metros do vulcão Mauna Loa, no Havaí, para começar a medir a concentração de CO2 na atmosfera. No ano anterior, 1957, o professor de Keeling Roger Revelle havia publicado um estudo seminal mostrando que o carbono emitido por atividades humanas não é todo sequestrado pelo oceano, como se supunha: ele fica no ar e pode aquecer o planeta. Keeling quis comprovar isso com uma série de dados. Produziu um dos gráficos mais icônicos da história da ciência, a chamada curva de Keeling – que não dá sinais de mudar de direção.A curva tem um “serrilhado” que reflete a absorção anual de CO2 pelas folhas no hemisfério Norte (onde está a maior parte da vegetação da Terra) no começo do outono, quando atinge a mínima anual, e na primavera, quando atinge a máxima (porque as folhas caem e apodrecem no outono, liberando CO2).A máxima mensal de 2018 não significa que a média anual será essa. De fato, no começo de maio ela já caiu para 409 ppm, à medida que a primavera boreal avança. Hoje a média anual é dada por medições feitas em 40 lugares diferentes do mundo, mas o Mauna Loa segue sendo a referência mais importante. Fecharemos 2018 com menos de 410 ppm, mas chegaremos lá logo, logo. Porque, apesar da variação sazonal, de ano a ano a concentração média sobe. E sobe. E sobe.
Quando Keeling começou seu trabalho, ela estava em 315 ppm, que significa 315 moléculas de CO2 por milhão de moléculas de ar. Parece pouco, mas aqui vale a máxima de que os piores venenos estão nos menores frascos: o CO2 é tão eficiente em aprisionar o calor irradiado pela Terra que mudanças discretas em suas quantidades têm um efeito climático brutal. Só para dar um exemplo, variações na concentração de CO2da ordem de 50 ou 60 ppm no passado faziam a diferença entre um dia agradável em Nova York e uma camada de 2 km de gelo sobre a cidade.
Nunca no registro climático dos últimos 800 mil anos, nem uma vezinha sequer, as concentrações ultrapassaram 300 ppm. Até a era industrial.
Desde o início do trabalho de Keeling – morto em 2004 e substituído no posto por seu filho Ralph – o que se viu foi uma aceleração brutal da escalada do carbono na atmosfera. Em 50 anos, a concentração do gás cresceu 30%. Do fim da era do gelo, 12 mil anos atrás, até Keeling subir o Mauna Loa, ela havia crescido cerca de 12%.
No ritmo atual, teremos dobrado o CO2 na atmosfera em relação à era pré-industrial antes do fim do século, levando a Terra a um aquecimento de 2,2ºC a 2,8ºC. É o maior experimento de engenharia planetária já feito. E já não estamos gostando do resultado.
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