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Mulheres, jornalistas e ameaçadas

Mulheres, jornalistas e ameaçadas

Mulheres, jornalistas e ameaçadas

Monitoramento da Abraji revela 119 ataques contra 89 jornalistas em 2021, a maioria com viés de gênero; Repórteres Sem Fronteiras coloca o Brasil pela primeira vez na zona vermelha para países de “difícil” exercício do jornalismo. Na imagem acima, o presidente Bolsonaro em coletiva de imprensa em Cuiabá (Foto: Isac Nóbrega/PR/19/08/2021)…

Por Nicoly Ambrosio/via Amazonia Real

A jornalista amazonense Alessandra Taveira, como tantas outras colegas por todo o País, é uma vítima da violência de gênero contra profissionais da comunicação. Essa violência se dá tanto veladamente como de forma explícita e humilhante. Os episódios se acumulam e vão desde constrangimentos no próprio ambiente de trabalho a ser hostilizada pelos entrevistados, homens.
“Uma autoridade me respondeu com arrogância, pedindo para eu falar mais alto a minha pergunta. Já me acostumei com esse tipo de resposta, mas o que mais me chateou foram os comentários depois das pessoas me chamando de jornalista de merda, feminista, comunistinha e maconheira da Ufam (Universidade Federal do Amazonas)”, desabafa Alessandra. Mesmo sendo alvo de ataques covardes, é impossível não se abalar. “Cheguei a questionar se eu realmente servia para fazer trabalho jornalístico, se eu era burra.”
O mais novo monitoramento realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em parceria com a Unesco, mostra que as mulheres foram as principais vítimas de casos de violência de gênero contra profissionais da imprensa. Foram registrados 119 casos contra 89 jornalistas (algumas foram agredidas mais de uma vez). Desse total, 91,6% dos casos tiveram como alvo comunicadoras. 
Os ataques levantados nesse monitoramento da Abraji incluem discursos estigmatizantes envolvendo aparência, traços sexistas e estereotipados de personalidade, sexualidade e identidade de gênero. Em 0,9% dos casos, envolviam mulheres trans. Em comum, as agressões procuram comprometer a reputação e a moral das vítimas. 
O levantamento mostra também que em 91,3%, homens estão envolvidos nos ataques. E a quase totalidade das agressões (36,1%) partiram de autoridades de Estado, como vereadores, deputados, senadores e o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). 


Outras situações chegam a envolver agressões físicas e censura na internet, onde esse tipo de crime se dissemina rapidamente. Até maio do ano passado, a Abraji havia registrado 15 casos de mulheres jornalistas que sofreram agressões físicas, discursos estigmatizantes e campanhas de desprestígio pelas redes sociais. São xingamentos semelhantes aos ouvidos por Alessandra Taveira: “Chorume, prostituta profissional, porca mentirosa, velhota ordinária, cadela comunista, vaca, monstra, cheiradora de pó, égua, piranha rampeira”, entre outros ataques proferidos por milícias virtuais contra mulheres jornalistas.
Outros levantamentos recentes também apontam para a dificuldade do exercício profissional. O Relatório da Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil – 2021, lançado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) em janeiro, já confirmou que o Brasil é um país hostil ao trabalho realizado por colunistas, apresentadoras e repórteres. Foram 430 ocorrências (duas a mais que em 2020 e novo recorde), sendo que 147 delas foram cometidas por Bolsonaro. Em encontro com jornalistas, o presidente já partiu para agressões verbais contra as repórteres.
“De atentados contra a vida e a integridade pessoal aos mais diferentes tipos de
ameaça e intimidação, passando por ataques a redações, violações de domicílios, agressões sofridas durante coberturas jornalísticas e processos judiciais abusivos, a violência sistemática contra comunicadores e jornalistas no Brasil tem sido uma arma poderosa para silenciar essas vozes”, anota o Relatório Sob Risco da Repórteres sem Fronteiras (RSF). O estudo lembra que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) vê com grande preocupação a questão de gênero: “Entende-se que o contexto particular em que as jornalistas realizam seu trabalho pode gerar um duplo risco para elas” (Veja mais sobre o relatório da RSF abaixo).

Risco em dobro

(Cuiabá-MT 19/08/2021) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante Coletiva de Imprensa (Foto: Isac Nóbrega/PR)

Em 2020, 37,5% dos 367 ataques a jornalistas foram direcionados a mulheres, segundo dados coletados pela Abraji em parceria com a rede Voces del Sur. O contexto pandêmico de isolamento e desinformação, seguido pelas constantes ataques do presidente Bolsonaro, revelam as dificuldades de ser comunicadora no Brasil.
A Abraji faz o acompanhamento dos ataques a jornalistas com a rede Voces del Sur desde 2019, coordenado pela jornalista Letícia Sarmento Kleim. A comunicadora garante que, no contexto atual, o projeto é necessário para dar visibilidade à violência de gênero contra jornalistas no Brasil, que possui especificidades e consequências muitas vezes ignoradas, especialmente pelo poder público. 
“Os efeitos que esses tipos de ataques têm nas comunicadoras pode ser muito grande, justamente por ser uma violência que se soma ao ataque contra a imprensa e tem o intuito de descredibilizar a vítima e silenciar o seu trabalho, tendo impacto na carreira individualmente e na liberdade de imprensa e democracia como um todo”, diz Letícia.
O levantamento pretende alertar para a questão da violência e a necessidade de seu enfrentamento, apresentando seus resultados para diversos atores envolvidos, incluindo os parlamentares, responsáveis por pautar essa temática no Legislativo. No caso das redes sociais, a ideia é criar diálogo sobre as melhorias que podem ser feitas em suas políticas internas, para aumentar a proteção para jornalistas e comunicadoras que sofrem ataques.
As violências cometidas no exercício da profissão buscam humilhar e silenciar as profissionais, portanto violam também a liberdade de imprensa e o direito à livre expressão. Em 2017, a pesquisa “Mulheres no jornalismo brasileiro”, realizada pela Abraji e pela agência Gênero e Número com apoio do Google News Lab, entrevistou 477 mulheres jornalistas e evidenciou os efeitos nocivos de atitudes sexistas no ambiente de trabalho. Mais da metade das entrevistadas (59%) afirmou ter tomado conhecimento ou presenciado uma colega sendo assediada no exercício da profissão por uma fonte ou chefe. 
Naquele levantamento, 67% das entrevistadas indicam que o fato de ser mulher é motivo para ter o trabalho desqualificado ou sua competência questionada por colegas de trabalho ou superiores. “Infelizmente, é muito comum que a gente enquanto mulher sofra assédio sexual, moral e outros constrangimentos no ambiente de trabalho. Às vezes, não é explícito em falas diretas, mas em ações e atitudes. Para apresentar uma pauta, você tem que se impor e ser incisiva. Se você não for assertiva, os homens não vão te ouvir”, acrescenta a jornalista Alessandra Taveira. 

Jornalista, mulher e negra

A historiadora Francy Júnior do do coletivo Dandaras e do FPMM (Foto: Alberto César Araújo/Manaus/25/07/2019)

A questão racial também influencia no tratamento a jornalistas. Em levantamento divulgado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), de 500 mulheres entrevistadas, 86% afirmaram que jornalistas negras têm menos chances de serem promovidas em meios de comunicação tradicionais. Ainda no levantamento de 2017 “Mulheres no jornalismo brasileiro”, 94,5% das entrevistadas disseram haver mais pessoas brancas do que negras nos veículos em que trabalham.
No Amazonas, está prevista para o primeiro semestre deste ano a instalação da Comissão de Mulheres no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado. Ainda não há registros oficiais sobre casos de racismo e LGBTfobia. Segundo o sindicato, a maioria dos casos de violência praticada contra jornalistas se relaciona a questões trabalhistas. A entidade afirma que as ações de combate a esse problema são desenvolvidas por meio de palestras ou seminários, com o objetivo de conscientizar e estimular as vítimas a apresentar denúncias contra os agressores. Há também apoio jurídico e psicológico.
Para a feminista, historiadora e militante Francy Júnior, integrante do coletivo Dandaras e do FPMM (Forúm Permanente de Mulheres de Manaus), a posição da mulher no mercado de trabalho é repleta de dificuldades e discrepâncias desde a participação econômica e igualdade de salários até o preconceito que fortalece o machismo, o patriarcado e o sexismo. 
“Há muito o que ser melhorado para que haja equidade de fato. O relatório do Fórum Econômico Mundial de 2021, conclui que a igualdade de gêneros só se dará se continuarmos na evolução pelos direitos e equidade das mulheres, No ranking de igualdade de salários, o Brasil é o penúltimo entre os países das Américas, perdendo somente para o Chile (ocupamos o 124° lugar de 142 países avaliados). Esse cenário é apenas uma parcela de toda a problemática que envolve as mulheres e os desafios na carreira feminina. Lidamos com o fantasma colocado pela sociedade de não aceitar que somos capazes de conseguir um cargo maior, um salário compatível ou ser reconhecidas pelo que fazemos”, diz.
O machismo estrutural tem um papel fundamental na manutenção da violência contra as mulheres no mercado de trabalho, constituindo a ideia de que mulheres são inferiores aos homens, e a partir disso limitando seus direitos. “As mulheres não possuem os mesmos direitos que os homens como o artigo 5° da Constituição Federal afirma, pois a cultura machista ainda prevalece principalmente nas questões salariais e nas oportunidades de emprego, embora algumas mudanças venham ocorrendo”, avalia Francy.

Onde denunciar

A jornalista Samira Castro, da Fenaj (Reprodução YouTube)

Para a jornalista Samira de Castro, segunda tesoureira da Fenaj, a violência contra mulheres jornalistas é política e reflete os ideais misóginos da sociedade. “O jornalismo é um lugar de fala, um lugar de empoderamento das pessoas e a mulher quando está exercendo sua profissão é vítima de ataques não só pela sua atuação profissional, mas ataques com viés machista, misógino e sexista. Ela é atacada pelo exercício de sua profissão e por ser mulher”, analisa.
Samira afirma que uma forma de conter isso está na organização sindical, o que permite a possibilidade de fazer denúncias formais. “Temos que conscientizar as nossas colegas de que elas devem denunciar as violências que sofrem no dia a dia, elas precisam denunciar aos sindicatos e os sindicatos precisam denunciar à Fenaj”, afirma. Os sindicatos, segundo Samira, têm a tarefa de investir na organização das mulheres jornalistas para que elas apresentem suas pautas, incluindo não só a violência, mas questões mais específicas relacionadas ao direito de trabalho. 
“Precisamos que as mulheres efetivamente se coloquem para assumir postos dentro da estrutura sindical, porque só vai mudar quando tivermos a visão das mulheres para atuar contra as nossas próprias dores”, opina Samira. “Um homem pode até simpatizar com as nossas causas, mas efetivamente ele não vai estar com o olhar apurado para as nossas questões e para que elas sejam implementadas de uma maneira perene dentro dos sindicatos”, finaliza.

O 2º país mais violento

PM do Rio de Janeiro agride jornalista durante protestos de 2014 (Foto: Mídia Ninja)

De acordo com levantamento da RSF, na América Latina, o Brasil é o segundo país com maior número de jornalistas assassinados entre 2011 e 2020 (atrás apenas do México). Ao menos 30 comunicadores, entre repórteres, locutores de rádio, blogueiros e outros profissionais, foram mortos violentamente, sendo que 19 deles foram em cidades com menos de 100 mil habitantes. 
A RSF alerta que o trabalho da imprensa brasileira ficou particularmente complexo com Bolsonaro. “Insultos, difamação, estigmatização e humilhação de jornalistas passaram a ser a marca registrada do presidente brasileiro”, explica o relatório, explicitando que só no primeiro semestre do ano passado a família Bolsonaro e seus ministros proferiram 331 ataques contra profissionais da comunicação. “Qualquer revelação da mídia que ameace os seus interesses ou os interesses de seu governo desencadeia uma nova onda de ataques verbais violentos, que fomentam um clima de ódio e desconfiança em relação aos jornalistas no Brasil.”
O relatório, que é voltado também para defensores no campo e na floresta, mostra que esse fomento ao clima de ódio no país tem comprometido a proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas. Desde 2004, o Estado brasileiro lançou o Programa de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), mas que ele jamais alcançou um arranjo institucional que o torne realmente eficaz para proteger a vida de muitas pessoas ameaçadas. E, nesse ponto, a RSF ressalta a baixa proteção dada a comunicadores: apenas 7 em todo o País, e com uma ressalva: “Todos os defensores ouvidos no estudo que hoje encontram-se sob proteção de entidades gestoras nos estados afirmaram que, se fossem transferidos para o programa federal, em Brasília, considerariam pedir o desligamento do PPDDH”.

O post Mulheres, jornalistas e ameaçadas apareceu primeiro em Amazônia Real.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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