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O hospital japonês de Carajás

O hospital japonês de Carajás

Por Lúcio Flávio Pinto/ Amazonia Real


Em 1986, a Companhia Vale do Rio Doce, ainda estatal, inaugurou o hospital Yutaka Takeda, na Serra dos Carajás, em Parauapebas, no Pará. Foi um ano depois de iniciar as suas atividades de extração do minério de ferro mais rico do planeta, o que a consolidaria como a maior vendedora interoceânica do mundo.
Em 1997, ano da privatização da CVRD, a OSS (Organização Social de Saúde, entidade sem fins lucrativos) Pró-Saúde assumiu a gestão da unidade. No início deste mês, a entidade encerrou a sua administração, depois de 25 anos de atuação. Encerrou também sua função no hospital 5 de Outubro (HCO), em Canaã dos Carajás, sudeste paraense, igualmente mantido pela mineradora Vale.
“Temos muito para comemorar. Nosso Yutaka [a Pró-Saúde grafou errado o nome do hospital] foi a primeira unidade de saúde no Brasil certificada pelo Programa Nacional de Qualidade, do Conselho Federal de Enfermagem”, ressaltou Francisco Ferreira, diretor administrativo financeiro do HYT, com 14 anos de serviços prestados ao hospital, segundo comunicado da organização. 
Ela ressaltou que em 24 anos de trabalho na região, “foi responsável pela realização de 1,9 milhão de atendimentos, dos quais 23.532 cirurgias, 39.271 mil internações, 540.861 mil consultas ambulatoriais, 343.350 atendimentos de urgência e emergência e 1.015.086 mil exames”.
Fornece outras informações, mas nada diz sobre a mudança do nome anterior do hospital de Carajás. Originalmente, ele se chamava Nossa Senhora de Nazaré, padroeira dos habitantes do Pará, Estado no qual se localiza a província mineral de Carajás. Mas como 60% da produção de minério de ferro iriam para o Japão, a Vale decidiu homenagear o presidente da Mitsui, a principal compradora do minério. E que, contrariando o edital da privatização, se tornou acionista da Vale, embora o acesso ao capital ordinário fosse vedado aos seus clientes, como a multinacional japonesa.
Carajás é deles, os chineses
Em agosto de 2017, lembrei essa história, em artigo no meu já extinto Jornal Pessoal, o único a revelar o episódio, de grande valor simbólico para definir quem efetivamente manda na exploração e na destinação dos recursos minerais extraídos de Carajás.
Dizia o artigo:
A Vale começou a divulgar no seu site uma série de matérias sobre os 50 anos de Carajás citando uma frase do primeiro-ministro da China, Zhao Ziyang: “Seus antepassados devem ter agradado a Deus para que Ele lhes tenha dado tanto”, disse ele, durante visita que fez à Serra dos Carajás, no Pará, em 1985.
A reportagem registra as comemorações no dia fixado para a descoberta da primeira riqueza de Carajás, o minério de ferro, em 31 de julho de 1967. Lembra que Ziyang era então o segundo homem na hierarquia do governo chinês e responsável pela internacionalização econômica do país. E que ele tinha razão.
Eu desconhecia essa frase na boca do dirigente chinês. Mas já a ouvi em muitas outras bocas, que serviam e ainda servem de instrumento para a expressão em língua nacional por brasileiros. Eu próprio, bem antes do profético Ziyang, já havia escrito várias vezes essa afirmativa, por criação própria ou reproduzindo observação alheia.
De estrangeiros, as primeiras dessas observações que testemunhei foram ditas por japoneses. Antes dos chineses e bem antes de os brasileiros tomarem consciência do que Carajás representava, eles expressavam com o olhar o seu reconhecimento à excepcionalidade das riquezas existentes naquela paisagem maravilhosa de serras e rios, florestas e animais.
A exuberância de Carajás, hoje uma ilha de natureza ainda conservada num oceano de selvagem desmatamento, contrastava imensamente com a aridez da Austrália. Era onde os japoneses iam buscar o minério de ferro por ser um país muito mais próximo do deles do que o Brasil (e, principalmente, a Amazônia).
Combinar imensos depósitos de rochas ricamente mineralizadas (em ferro, manganês, cobre, níquel, ouro e o que ainda está por ser descoberto) no topo de serras acima de 300 metros do nível do mar (até quase 700 metros), só podia mesmo ser obra divina. Dilapidada desde então sem trégua pelos homens que para lá foram.
Como os japoneses se tornaram os maiores compradores do minério de Carajás, a Vale – dona de toda província mineral – trocou o nome do hospital da vila residencial dos seus funcionários, que homenageava a padroeira dos paraenses, Nossa Senhora de Nazaré, para Yutaka Takeda, o presidente da Misui, a maior cliente individual da mineradora, que era estatal naquele momento.
Assim, sem sutileza ou medo de remorso. De reação, não haveria de ter. O paraense é passivo, ou bonzinho, como preferem dizer, coloniais que são.
Agora que o maior comprador é a China, que fica com 60% da produção de Carajás, a Vale se lembrou da bela frase do chinês, trazendo-a de um passado já longínquo, quando a mina de Serra Norte começou a produzir, 32 anos atrás, para o presente, com uma projeção para o futuro que parece afirmar: o futuro é a China – ou da China. E a Vale é sua vassala.


Foto de Capa: Saúde Pasa
Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:
* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.
valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.
amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.
cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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