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Seu Zé, e o carnaval?

Seu Zé, e o carnaval?

Seu Zé, e o carnaval? Uma importante reflexão sobre a premonitória musica de Gonzaguinha. Um samba gravado em 1973 falando do que viria a ser os bolsominions, ‘sempre de cabeça baixa a dizer sempre muito obrigado’ é simplesmente genial. Música que é extremamente atual, em 2021.

Por Marcia Bortone

Comportamento Geral
Gonzaguinha

Você deve notar que não tem mais tutu
e dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
e dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
e dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
e esquecer que está desempregado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: “Muito obrigado”
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você merece, você merece

E, ai, seu Zé? Acabaram com seu carnaval?

Gonzaguinha foi profético nesse samba, embora, tenho certeza, ele nunca teria imaginado que isso viesse a acontecer de fato, que o Brasil ficaria sem carnaval. Um samba gravado em 1973 falando do que viria a ser os bolsominions, ‘sempre de cabeça baixa a dizer sempre muito obrigado’ é simplesmente genial.
O vírus, mas, principalmente, o verme instalado na presidência, com seus desmandos, negacionismo, negligência com a pandemia, obstáculos à vacinação, desrespeito à OMS e com inúmeras incitações à população para se contagiar, são algumas maneiras de chegarmos a fevereiro de 2021 com números crescentes de infecções pelo vírus e sem medidas concretas e eficazes de promoção da vacinação e…sem carnaval!
O carnaval é a nossa festa maior, uma alegria que o brasileiro sonha o ano inteiro pra se acabar na folia dos blocos, das escolas de samba, nas esquinas e ruas de cada pedacinho do país.

O carnaval faz falta? Muita! É uma ausência de alegria, pública ou privada. É a falta da folia na alma, independente de sambar ou não. Há, no carnaval, uma sensação de plenitude, de esperança de amores inconfessos, de frenesi e de, como diz o sempre genial Chico, “tomar a mão de cada irmão pela cidade”, quebrando barreiras de classe social, de cor e de gênero. O homem que pode se vestir de mulher, a moça que pode, de repente, receber um beijo na boca, o velho que dança com seus netos, a dor que se envergonha e vai embora.
Gonzaguinha não imaginava que seu samba era prenúncio (aquilo que se anuncia, por indícios, um acontecimento) do que viria a acontecer em nosso Brasil. Hoje, meu Brasil está bem mais triste. Não há samba, não há esperança, não há luz! Há medos, dores e perdas pelos caminhos do Brasil.

Seu Zé, e o carnaval?

 

 

 

Marcia Elizabeth Bortone – Professora aposentada da UnB – Departamento Letras. Trabalha com a linha da Sociolinguística e é Membro Efetivo da Alaneg/RIDE – Academia de Letras e Artes do Nordeste Goiano. Reside atualmente em São Lourenço – MG.

 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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