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O Centenário de Jesco Von Puttkamer

O Centenário de Jesco Von Puttkamer

Por Altair Sales Barbosa

Nascido no Brasil em 1919, na cidade de Niterói, filho de descendência nobre alemã, ligado genealogicamente a Frederico II, Jesco deixou para a humanidade um patrimônio de valor inestimável.

Seu pai, um nobre barão alemão, serviu na Namíbia, África, à época colônia alemã. Num desses deslocamentos do navio que transportava a tropa, recebeu um comunicado para atracar num porto seguro, durante a primeira guerra Mundial, para fugirem dos navios ingleses. Esse porto era o Rio de Janeiro.

Por ali mesmo ele ficou, casou-se com uma dinamarquesa e tiveram três filhos, Jesco, o mais velho, Olavo e Helga, todos até então residentes no Rio. Tempos depois, Jesco e Olavo foram estudar na Alemanha, Olavo fazia agronomia e Jesco fazia o doutorado em química, na Universidade de Munique, quando estourou a segunda Guerra Mundial.

Tendo em vista que tinham também a cidadania alemã, ambos foram procurados pelas forças alemãs, para se alistaram no exército alemão. Mas se negaram, por serem também cidadãos brasileiros. Este fato os levou à prisão num campo de concentração. O irmão foi fuzilado e Jesco conseguiu sair e voltar ao Brasil, graças à intervenção do Consulado Sueco.

Nesse período, o pai já havia se mudado para Goiás, adquirindo uma grande área de terras, que ia das cabeceiras do córrego Vaca Brava até o onde hoje se situam os setores Coimbra e Bueno, em Goiânia.


Com o fim da Segunda Guerra, Jesco foi nomeado embaixador do Brasil no Leste Europeu, ficando por lá até a instalação do Tribunal de Nuremberg.

De volta ao Brasil, veio direto para Goiânia, sendo convidado pelo então governador Jeronimo Coimbra Bueno, para junto com Bernardo Sayão implantarem um Projeto de Colônias Agrícolas em Goiás, aproveitando a migração de técnicos e trabalhadores oriundos do leste europeu. Nessa perspectiva foram implantadas as Colônias de Ceres, Rialma, Montividiu e Uvá, dentre outras.

Também, tanto Jesco como Sayão foram designados pelo governo de Goiás para integrarem a equipe de Juscelino Kubistchek na construção de Brasília.

Passada a inauguração da nova capital, Jesco integrou-se à Fundação Brasil Central, iniciando dessa forma um trabalho singular de documentação dos Povos Indígenas do Brasil.

No início foi a Operação Bananal, com Acary de Passos Oliveira; depois, integra a equipe dos irmãos Leonardo, Cláudio e Orlando Villas Boas, realizando magnífico trabalho na região do Xingu. Mais tarde, passa a acompanhar Francisco Meirelles e seu filho Apoena Meirelles, em trabalhos de atração de povos isolados, noutras áreas mais a oeste do território brasileiro.

Jesco von Puttkamer inaugurou de forma sistemática a Antropologia Visual no Brasil. Seu trabalho,  desenvolvido durante décadas de convivência direta nas aldeias e frentes de atração com índios e sertanistas, registra o cotidiano de vários grupos indígenas, alguns dos quais extintos atualmente, como cultura e como população.

Os indígenas americanos, de modo geral, como também os brasileiros, contribuíram muito para a humanidade moderna. Essa contribuição vai desde alimentos, utensílios e remédios. Entretanto, essa contribuição poderia ser muito maior se essas comunidades fossem melhor conhecidas.

Dentro dessa perspectiva, a obra do Dr. Jesco constitui um verdadeiro Patrimônio da Humanidade, um verdadeiro Patrimônio Universal, pois além de registrar parte desse saber, hoje já perdido, constitui uma chave importante para a auto compreensão da humanidade.

Conheci o Dr. Jesco em 1971, nas aldeias dos índios Nambikwara. Desde aquele ano, percebi que seu lugar era dentro de uma Universidade, instituição que reunia condições para abrigar seu grande acervo sonoro, visual e diários de campo, sobre índios do Brasil, sem sombra de dúvida, o maior acervo do mundo sobre o tema.

Foram quase oito anos tentando convencer os reitores da então Universidade Católica de Goiás dessa necessidade. Ganhei, por causa disso, um pouco de cabelos brancos, mas compensou.

Hoje a Pontifícia Universidade Católica de Goiás se orgulha de possuir este patrimônio, e eu me orgulho de ter sido escolhido pelo professor Jesco para ser o curador desse acervo, que está muito bem cuidado e aproveitado pelos professores do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia–IGPA, Instituto este que fundei em 1972.

Altair Sales Barbosa
Arqueólogo. Historiador. Pesquisador do CNPq. Membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.

 

 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

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