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Lampião, o adorável cangaceiro

Lampião, o adorável cangaceiro

Passados 80 anos desde a sua morte, a figura de Virgulino Ferreira da Silva se consolida como símbolo nacional. A imagem do bandido, do cangaceiro comum, se esvai em definitivo. Dá lugar à de um sujeito doce, que costurava e bordava com a mesma destreza com que manejava a espingarda, o fuzil e a pistola – a rapidez geradora dos relampejos que lhe renderam o apelido de Lampião.

Virou, primeiro, símbolo da resistência social, da revolta do sertanejo ao jugo dos coronéis, os latifundiários que ainda hoje se apossam do poder político e econômico no Brasil inteiro. Um mito que o pensador inglês Eric Hobsbawm comparou a outros “bandidos sociais”, como Robin Hood, da Inglaterra, Jesse James, dos Estados Unidos, e Juraj Janosik, da Polônia, em seu livro Primitive Rebels (Manchester UP, 1974).

Nas ações deles todos, prevalecia o lema “tirar do rico pra dar ao pobre e nunca matar senão em autodefesa ou justa vingança”. No caso brasileiro, a coragem, o carisma e a lideranç

a de Lampião sempre foram decantadas nas formas populares de literatura, especialmente a de cordel, e estudadas em publicações acadêmicas.

No entanto, era quase sempre de forma crítica, dando destaque ao lado violento, agressivo e até perverso das atividades atribuídas a ele e seu grupo. Mais recentemente, porém, a simbologia contida na indumentária e armamentos dele e seu bando passou a ser constantemente imitada em peças usadas por jovens.

É certo que, no tempo em que atuou, Lampião contava com aquilo que o historiador Frederico Pernambucano de Mello chama de “escudo ético”, que é a justificativa social ao descaminho. A vingança de uma morte, de uma agressão física (bofetão ou cusparada) e violação sexual de mulher da família são exemplos de motivos que protegiam eticamente o cangaceiro.

No caso específico de Virgulino, pesava a seu favor o roubo de gado e atentados da família Saturnino, vizinhos de fazenda, e, com mais gravidade, o ato de Lucena, o policial militar que matou seu pai. E ainda mais quando suas ações eram revestidas de ousadia e alguma pirotecnia, motivos de admiração.

Em seu livro Guerreiros do Sol (A Girafa, SP, 2011), esse historiador lembra que, naquele tempo, era muito difundida no Nordeste a figura dos cavaleiros medievais. Livros como Carlos Magno e os 12 Pares de França, em edições artesanais, baratíssimas, vendiam feito pão quente e eram replicados em cantorias e na literatura de cordel. Alguns cangaceiros eram comparados a esses guerreiros.

É verdade, também, que, nas primeiras décadas do século passado, surgiu aquilo que podemos chamar de “estética do cangaço”, que influenciou a moda nas cidades do país inteiro. Os chapéus de couro, com abas viradas, chegavam a virar estorvo em eventos públicos e no transporte coletivo, como revelam jornais da época. Isso, todavia, não abrandava a condenação ao banditismo.

Hoje, essa estética é revisitada, mas agora sem as críticas. Não há medalhas e botões de ouro e prata, nem espelhinhos, pedras preciosas ou semipreciosas, mas as imagens se reportam a um tempo de alegria e opulência, um lado menos difundido do cangaço. Vale lembrar, por exemplo, que algumas das medalhas afixadas no chapéu de couro de Lampião eram dispostas no formato da palavra “amor”.

Também o tratamento dado aos tecidos, couros e outros materiais, de reconhecida qualidade técnica e criatividade, é lembrado em roupas, calçados, bolsas e chapéus. Sem falar nos bordados das camisas, com rendados floridos, e nos nomes de cada um, cuidadosamente inscritos com agulhas e linhas nos lenços de pescoço

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MOÇO BOM NO CANGAÇO

Era um espaço novo na formação da sociedade brasileira, inteiramente da orla marítima, em especial de Pernambuco e da Bahia, por onde começou o Brasil. A opulência do desmatamento inicial e do ciclo da cana-de-açúcar do litoral dava lugar à pecuária, aos poucos implantada num ambiente rude, castigado pela seca sazonal e desdenhado pelas elites dominantes na região. Uma atividade de segunda categoria.

A palavra “cangaceiro” é sinônimo de “jagunço” ou “bandoleiro”, utilizada em toda a Região Nordeste pra designar o bandido errante. Segundo a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz, no livro Os Cangaceiros (Duas Cidades, São Paulo, 1977), o termo advém da canga de madeira usada em carros de boi e carroças. A coronha da espingarda ou rifle, deitada sobre os ombros, lembra essa peça.

Originalmente, “cangaço” era o conjunto de armas e outras tralhas usadas por esses bandidos, mas o termo passou a ser empregado pra designar o próprio ambiente da Caatinga em que eles viviam. Um cenário geográfico e socioeconômico propício a assaltos e saques de grupos autônomos e à ação dos jagunços a soldo de coronéis controladores de terras e usuários da servidão, do trabalho semiescravo.

Virgulino Ferreira era cria desse ambiente. Seu pai, José Ferreira dos Santos, era um misto de pequeno proprietário rural e comerciante, um almocreve, que fazia transporte de peles e couros em lombo de animais, numa ampla região. Ele nasceu a 7 de julho de 1897, na comarca de Vila Bela (hoje Serra Talhada), oeste de Pernambuco, na fazenda Passagem das Pedras, de seu pai, e ali passou a infância.

Era o terceiro de nove filhos e desde criança se incumbia do cuidado dos animais, inclusive o gado bovino, por isso virou boiadeiro, bom de montaria, muito cedo. Participava dos jogos típicos das fazendas, como as vaquejadas. Também ajudava ou substituía seu pai na função de almocreve, o que o aproximava das áreas urbanas, fato que teve grande relevância na sua vida, como veremos mais adiante.

Não frequentou escola, pois não havia, mas aprendeu a ler, escrever e fazer contas com professor particular. Lia o que lhe caísse às mãos e, nas festas da roça ou feiras de cidades, se aproximava dos poetas e cantadores. Desde menino, tocava harmônica e animava os bailinhos domésticos, em que todos dançavam.

Muito cedo, também, aprendeu a manejar armas, por causa das caças, que serviam de alimentos, e das ameaças de desafetos nas redondezas. Os principais deles eram os Saturnino, vizinhos de fazenda, que forçaram seu pai a se mudar, em 1916, pra um sítio que ele adquiriu em Nazaré, comarca de Floresta, com o acerto de que uns não frequentariam a cidade dos outros.

No entanto, o chefe Zé Saturnino quebrou o pacto de honra e foi visto com um de seus filhos na feira de Nazaré, por Virgulino e seu irmão mais velho, Antônio. Houve ameaças e o conflito reascendeu. No dia seguinte, o violador voltou com 15 capangas e cercou a casa dos Ferreira. Houve longo tiroteio, mas sem mortes.

Por dois anos de muitos entreveros, a polícia foi acionada e os Ferreira, menos influentes, tiveram que mudar de cidades e até de estados sucessivamente, de modo que a família foi severamente afetada. Em 1920, foram bater em Água Branca, Alagoas, em uma fazenda alugada, mas parte da polícia do local, ligada aos Saturnino, passou a persegui-los.

Os irmãos mais velhos se espalharam pela Paraíba e Pernambuco. Ficaram ali o pai, a mãe, D. Maria José Lopes, bastante adoentada, e João, filho mais novo, que chegou a ser preso, mas liberado após ameaças dos irmãos.

Em dezembro, porém, foram forçados a deixar a fazenda e pararam por uns dias num engenho de um fazendeiro conhecido. O velho Zé Ferreira foi à Água Branca comprar mantimentos, mas, na volta, sua mulher, debilitada pelas andanças, havia morrido. Ele ficou por ali com João, desesperançados.

Dezoito dias depois, chegou à localidade uma volante (pelotão) da polícia estadual, comandada pelo sargento José Lucena, que cercou a casa onde estava Zé Ferreira e o matou, após breve troca de tiros.

Embora mais novo que Antônio e Livino, Virgulino, com 22 anos e já chamado de Lampião, assumira o comando da família e determinou que João ficasse de fora dos conflitos e fosse cuidar dos demais. Décadas depois, João contou que seu irmão encerrou a conversa com uma frase solene:

– Perdemos tudo, não perdemos? Agora é matar até morrer.

Por uns meses, Lampião e seus dois irmãos passaram a integrar o bando de Sinhô Pereira, um aparentado. Mas logo ajuntaram mais gente e formaram seu próprio grupo, com ele na liderança, e já conhecido em todo o Nordeste.

Em seu livro Lampião, o rei dos cangaceiros (Paz e Terra, SP, 1983), o historiador estadunidense Billy Jaynes Chandler, que morou muito anos no Brasil, escreveu: “Entre os anos de 1922 até 1938, não se passava uma semana sem que Lampião fosse mencionado no noticiário, quer regional, quer nacional. Poucas vezes um bandido conseguiu captar o interesse da nação por tão longo período”.

Seu bando atuou principalmente no interior dos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Bahia e pontualmente no Ceará e Rio Grande do Norte. Nunca pôs os pés nas capitais, todas localizadas no litoral, e tampouco pisou no Maranhão e Piaui.

Nessas duas décadas que viveu no cangaço, Lampião experimentou as situações mais diversas e se safou pela astúcia militar, mas também pela habilidade diplomática. Afinal, por mais débeis que fossem as polícias e os bandos de jagunços de ruralistas dos estados em que seu grupo atuou, ele contava com uma proteção mais forte do que a das armas.

O bom relacionamento com as comunidades dos sertões incluía coronéis mais flexíveis, lideranças de todo tipo. Duas delas tiveram grande influência na vida de Virgulino Ferreira: a do padre Cícero Romão Batista, cearense à época excomungado pela Igreja Católica, e a do empresário Delmiro Gouveia, que havia estabelecido a sede de seus negócios na região.

 

O AMIGO PADRE CÍCERO

Atualmente, a Igreja Católica, com o beneplácito do Vaticano, está concluindo o processo de reavaliação da punição imposta a Cícero, que o impediu de exercer o sacerdócio. A pedra já havia sido cantada em 2001, quando a TV Verdes Mares, braço da Rede Globo no Ceará, promoveu um evento em que apontou o padre Cícero como “O Cearense do Século”.

De outra parte, o perfil do “Rei do Cangaço” passa a ser mais e mais o de uma alma boa, homem de grandes valores, que viveu seu tempo do modo que o ambiente lhe permitiu. São incontáveis os registros de vezes em que ele, ao praticar assaltos ou saques, pedia desculpas às vítimas dizendo coisas do tipo “não sou industrial, nem comerciante, nem agricultor – a vida que me restou é esta”.

No julgamento popular, a vida de ambos é bastante diversa do que nos revela a maior parte dos livros que frequentam os bancos escolares. Por certo eles não chegarão a virar santos, dignos de estátuas oficiais, mas terão suas imagens reconhecidas de outra forma, resguardadas as diferenças entre eles.

Os dois se cruzaram na vida meio por coincidência e conviveram por um período relativamente curto. Afinal, padre Cícero nasceu em 1844, 53 anos antes de Lampião, e morreu em 1934, quatro anos antes da chacina de Angicos, que acabou com o cangaceiro. Eles se conheceram oficialmente em 1926, por iniciativa do padre Cícero, num encontro em Juazeiro do Norte, que teve direito a povo nas ruas e fotos, divulgadas pela imprensa na ocasião.

Há registros, porém, de que desde bem antes disso havia alguma comunicação entre os dois, via interlocutores. O fato é que, neste encontro de 26, o caráter oficial era necessário, até para efeito de propaganda. Cícero propôs que Lampião formasse um “Batalhão Patriótico”, como eram denominados os grupos armados criados Brasil afora pra combater a Coluna Prestes, que percorria o País do Sul ao Nordeste e Centro-Oeste (1925/27), indo se refugiar na Bolívia.

Cícero seguia instruções de seu mentor político, o médico baiano Floro Bartolomeu, que havia se tornado deputado federal pelo Ceará e era ligado ao então presidente da República, Arthur Bernardes. A Coluna, por sua vez, era um movimento liderado pelo tenente Luiz Carlos Prestes, que combatia a República Velha e percorria o país pregando a derrubada de Bernardes, portanto.

Lampião topou, mas com três condições básicas: (1) anistia dos crimes que lhe eram imputados, (2) uma patente de capitão da Guarda Nacional, e (3) armas com munições. Acordo fechado, ele foi a Juazeiro e manteve o rumoroso encontro, onde cobrou o que lhe havia sido prometido. Surgiu, assim, o Capitão Virgulino Ferreira, com modernas armas do Exército Brasileiro. Mas, ele e seu bando nunca deram um tiro sequer contra a Coluna, apesar das várias chances que tiveram.

Havia, contudo, se consolidado uma amizade e dela derivaram vários fatos que interferiram decisivamente na vida de Lampião. Um deles é o de que duas irmãs do cangaceiro moravam em Juazeiro do Norte (CE), onde viveram sob a proteção de Cícero.

Outro, muito mais importante para a história do cangaço, deu-se ali mesmo, em Juazeiro, sob as asas do padre. O bando de Lampião usava os serviços do sapateiro Zé de Neném, que era casado com Maria Déa. Esta mandava recados de que era apaixonada por Virgulino, com fitinhas e outros flertes, até que ocorreu um encontro, em 1930. Lampião, que já estava meio empolgado, ficou caidaço por ela.

Ela acabou largando o marido para adotar o nome de Maria Bonita e seguir seu novo amor até a morte. O fato gerou notícias em jornais, que a tratavam como adúltera, mulher da vida e outros adjetivos ainda mais fortes. Mas ela pouco ligava. E tampouco o padre Cícero, que no fundo foi quem incentivou o romance eterno.

Ela se encantava não só com as histórias de bravura de seu amado que corriam pelos sertões. Gostava do seu jeito, dos seus trajes e hábitos. Ao passar a conviver com ele, ela viu e sentiu muito mais. Entre suas tralhas, nas andanças ele carregava uma máquina de costura e uma caixinha com agulhas e linhas de bordar. Mas quem costurava e bordava não era ela, era ele.

Compositor e bom no gingado, ele cantava e dançava muito bem. Tanto que é atribuída a ele a invenção do xaxado, uma dança apropriada ao ambiente em que a maioria era de homens e, assim, podiam dançar juntos, pois não precisavam se tocar.

Na extensa bibliografia sobre Lampião há registros de toda sua trajetória artística, a começar por um poema que escreveu aos oito anos de idade, e grande número de bilhetes que, na juventude ou já no cangaço, escrevia em versos.

O padre e intelectual pernambucano Frederico Bezerra Maciel, que escreveu Lampião, Seu Tempo e Seu Reinado (Vozes, Petrópolis-RJ, 1985), em quatro volumes, conta muitas histórias. Uma delas, sobre o compositor, é a de uma visita que Lampião fez a Tia Jacosa, sua avó materna, num dia 15 de agosto, aniversário dela. Longa viagem, madrugada adentro, até chegar.

Na casa, ainda cedinho, a avó “já trocava ligeiros os bilros da sua almofada de fazer renda”. Lampião, seus irmãos Antônio e Livino e outros acompanhantes chegaram quietos. Pela porta entreaberta, ele estancou e ficou admirando a agilidade daquela gente que tece rendas. O dia foi de muitos parentes, histórias, cantorias e, já noitinha, na hora de ir embora, Lampião prometeu que faria uma música pra sua avó.

O resto, é Maciel quem conta:

“Cinco meses depois…

Precisamente, 22 de fevereiro de 1922.

Outra vez Lampião em Poço do Negro. Desta vez trazendo a grande novidade – a canção ‘Mulher Rendeira’ – Música e letra de sua autoria, prometida homenagem à sua estremecida Tia Jacosa.

Não se teve em emoção a boa velhinha ao ouvir, pela primeira vez cantada e na voz de Virgulino, a sua canção. Comovida e admirando sem cessar a habilidade – ‘a arte’ – de seu neto:

– Não é que ele aproveitou as palavras que eu costumava dizer a ele, quando menino reinador e desesperado, começava a embirrar com suas teimas: – Chorou pru mim não fica, soluçou vai pro borná?”

Os biógrafos de Lampião são unânimes quanto às vaidades do cangaceiro. Ele adorava se vestir bem pra festas e eventos, ocasiões em que usava seus óculos de lentes meio opacas, para esconder o glaucoma que o cegara do olho direito. Tirar fotos, então, era o que mais gostava, mas não se deixava fotografar por qualquer um.

Nisso, de novo entra o padre Cícero. As melhores e mais conhecidas fotos e filmes de Lampião são do imigrante palestino Benjamin Abrahão Botto. Seu pai era mascate e a família foi bater em Juazeiro do Norte em 1920. Benjamin se tornou secretário particular do padre e, nas horas de folga, gostava de fotografar e filmar.

E fotografava e filmava Lampião e seu bando, com autorização do seu chefe. Em verdade, Abrahão produziu um filme documentário, em 16 mm, sobre o cangaceiro, mas morreu em 1934, antes que pudesse lançá-lo comercialmente. Quando o filme foi redescoberto, em 1957, boa parte tinha estragado nas latas, mas são essas as imagens em movimento que se tem de Lampião e seu bando.

 

GRUTAS DE PAULO AFONSO

Ainda adolescente, como almocreve, Virgulino acabou trabalhando pro maior comprador (e exportador) de peles e couros dos sertões, que era nada mais, nada menos que Delmiro Gouveia. Quando o empresário foi se estabelecer em Alagoas, ele já trazia uma rica história de vida, o que influenciou muito Lampião.

Delmiro nasceu em Ipu, no Ceará, mas aos 5 anos seu pai morreu em combate na Guerra do Paraguai. Sem recursos, sua mãe se mudou pro Recife, onde trabalhou como empregada doméstica, mas também morreu alguns anos depois, de modo que o filho adolescente ficou sozinho. Contudo, como funcionário da alfândega, no porto do Recife, ele aprendeu os macetes do comércio exterior e construiu um verdadeiro império em Pernambuco, baseado na exportação de peles, de cabras e ovelhas pra Europa e Estados Unidos.

Ousado e inovador, ele atraiu a ira da elite açucareira pernambucana, inclusive do oligarca Francisco de Assis Rosa e Silva, que durante 15 anos foi governador do Estado e, no governo do presidente Campos Sales (1898-1902), foi também vice-presidente da República. Nesse período, com investimentos em diversos setores, Delmiro construiu o Mercado do Derby, inspirado em similares dos EUA, com perto de 300 pequenas lojas modernas e barateiras, um arraso.

Em 2 janeiro de 1900, porém, a polícia estadual pôs fogo no Derby, por ordem de Rosa e Silva, que declarou verdadeira guerra a Delmiro, levando-o à falência. Ele, no entanto, resolveu recomeçar do zero em Alagoas e começou por estabelecer um comércio de peles em Pedra, então distrito de Água Branca, tendo como um de seus fornecedores o velho Zé Ferreira e seu filho Virgulino.

Essa localidade (hoje município de Delmiro Gouveia) fica na confluência dos estados de Alagoas, Sergipe, Pernambuco e Bahia, junto à cachoeira de Paulo Afonso e ao início do cânion do rio São Francisco. Uma extensa área depois percorrida pelo cangaceiro Lampião, que vai até os municípios de Poço Redondo (SE), onde está a fazenda em que ele e seu bando foram mortos, e Piranhas (AL), onde suas cabeças foram expostas após a chacina.

No sopé do paredão onde está a cachoeira, em 1913 Delmiro inaugurou sua famosa usina hidrelétrica, pioneira no Brasil, junto a uma série de cavernas que serviram de abrigo e refúgio ao bando de Lampião por bons períodos. Na parte superior, está o povoado Malhada da Caiçara, no município de Paulo Afonso, onde nasceu Maria Bonita e morava sua família, tantas vezes visitada pelos cangaceiros. Há muitas fotos dessas visitas.

Foi ali, em Pedra, que Delmiro enfrentou a Machine Cottons, companhia inglesa que até então monopolizava o mercado brasileiro de linhas de costura e fios de malharia, com a marca “Corrente”. Em vez de entregar o algodão bruto, em 1914 ele abriu uma fábrica de linhas (marca “Estrela”) que chegou a ter 1.700 trabalhadores, 700 dos quais mulheres. O Brasil industrial chegava à região do cangaço, assim como a luz elétrica, as escolas, creches e o saneamento básico nas comunidades.

Na noite de 10 de outubro de 1917, Delmiro lia os jornais na varanda iluminada de sua casa, quando foi atingido por tiros de fuzil e morreu. Seus herdeiros resistiram ainda 12 anos até venderem a fábrica à gigante inglesa, que vinha tentando comprá-la desde sua fundação e é apontada como mandante do crime. O matador nunca foi descoberto.

Naquela data, Virgulino ainda estava longe de virar o cangaceiro Lampião. Era apenas o almocreve que fornecia peles ao curtume que fazia parte do complexo industrial ali instalado e nem usava arma de fogo, pois na cidade era proibido.

Nunca, porém, nos anos que se seguiram, a fábrica teve qualquer problema com Lampião e seu bando – seus inimigos eram muito outros. Nas rodas de conversa, Delmiro era citado como referência.

 

MORTE CRUEL

A morte de Lampião, Maria Bonita e outros membros do bando se deu por traição de Pedro Cândido, comerciante na cidade de Piranhas, Alagoas. Ele foi preso por volante da polícia estadual, comandada por um cabo de nome João Bezerra, sob acusação de negociar com o cangaceiro. Apanhou bastante e, sob tortura, concordou em entregar o local do esconderijo, que ficava do outro lado do rio São Francisco, em Sergipe.

Pedro confessou que ia com frequência à Gruta do Anjico, onde os cangaceiros moravam, e se dispôs a levar a polícia até lá. Lampião e Maria Bonita viviam numa cavidade na rocha, com todo o conforto necessário, mas sem a única filha que tiveram, que morava com os avós, em Paulo Afonso.

O denunciante havia feito um mapa do local, indicando onde cada um dos presentes dormia. Durante a noite, os policiais armaram uma metralhadora num ponto estratégico e ao amanhecer do dia 29 de julho de 1938, quando os cangaceiros se levantavam, dispararam várias rajadas, sem a menor chance de defesa.

Em seguida, os policiais se aproximaram e foram cortando as cabeças dos atingidos, com facões. Consta que Lampião já estava morto, mas Maria Bonita ainda agonizava quando foi decapitada. As cabeças dos dois e de outros nove cangaceiros foram colocadas em latas de querosene com água e sal e levadas a Piranhas, onde ficaram expostas nas escadarias da igreja matriz por vários dias.

Foram, pois, vítimas de traição e de um massacre impiedoso, com requintes de crueldade.

 


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