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A lenda do Memorial Serra da Mesa

A lenda do Memorial Serra da Mesa 

Contam que certa vez, em tempos recentes, o Sonho, sentindo-se fraco diante da esplendorosa destruição da mãe natureza, vendo os riachos de água cristalina secarem, percebendo a erosão corroer os valores humanos, ficou pensativo, sentado num canto, quietinho…

Por Altair Sales Barbosa

Então, esperou uma noite de lua prateada e saiu pelo mundo afora.

Depois de andar vários dias, já cansado, procurou descanso numa encruzilhada de uma estrada de areia branca e aí garrou no sono. Depois de algumas horas, é despertado por um ruído semelhante a parada de escola em dia de feriado.

De longe, reconheceu uma velha amiga que empunhava uma grande bandeira branca. Era a Utopia que por ali passava.

Ao avistar o Sonho tão deprimido, a Utopia lhe indagou:

– O que faz por essas bandas, meu amigo?

Foi quando o Sonho narrou sua história de tristeza e decepção.

Depois de ouvir atentamente a história, a Utopia retrucou:

– Muitas vezes, também fico igual a você, com vontade de virar as costas para os homens e ir embora juntamente com a estrela da manhã, mas esta bandeira branca sempre impede a minha atitude, porque ela carrega no coração o brilho da esperança, fato que nos faz pensar que uma biquinha de água pode-se transformar numa torrente rugidora.

Foi então que o Sonho indagou:

– O que a amiga Utopia pode fazer para que eu possa recuperar a juventude do sonhar? Sonhar com as bonanzas, com a igualdade entre os homens, com os passarinhos um dia novamente nos galhos das árvores, com os riachos de água limpa, sonhar com a bondade brilhando nos cantos desse mundão!

– Precisaremos da companhia do amigo Trabalho, respondeu a Utopia.

– Por onde anda esse nosso companheiro? Indagou o Sonho.

Nesse meio tempo, no centro de um redemoinho eis que vai passando o Trabalho. Ao ver seus amigos na encruzilhada, ele pergunta:

– O que vocês estão fazendo por estas bandas?

Numa voz uníssona, o Sonho e a Utopia responderam:

– Estávamos falando no seu nome, para nos ajudar a construir um lugar onde os viventes pudessem navegar nos seus sonhos e a utopia pudesse despertar nas pessoas a vontade de construir um mundo novo.

O Trabalho pensativo responde:

– Eu também ando vagando, quase sem direção. Os tempos de ociosidade me corromperam na essência. Desiludido, resolvi pegar carona nos redemoinhos dos ventos, buscando também algo que preencha minha felicidade.

Nós três até podemos fazer algum alicerce, mas se quisermos construir o caminho, a vida, o despertar de um mundo novo, temos que urgentemente encontrar aquela nossa velha companheira denominada Sabedoria.

– E por onde ela anda? Indagaram o Sonho e a Utopia.

– Não sei, respondeu o Trabalho. E, continuando sua fala, narrou:

– A última notícia que tenho é que ela foi vista vagando numa canoa de casca de jatobá, buscando as cabeceiras do rio Uru. Se vocês quiserem, podemos procurá-la.

E assim, saíram os três: o Sonho, a Utopia e o Trabalho em busca da Sabedoria. Após dias de caminhada, eis que a encontram repousando entre as rochas das cabeceiras do rio Uru.

Depois de algum tempo, os três narram as suas desilusões. E, após alguns minutos indagam:

– O que podemos fazer?

Foi quando a Sabedoria falou:

– Conheço um local, longe daqui, que os índios chamavam de Uruaçu, ou seja, onde o Uru é grande e os habitantes modernos chamam de rio Maranhão, onde o rio das Almas, que vem dos Pirineus, chega carregado de peixes. Lá existe um local, onde talvez pudéssemos fincar um marco que funcionasse como o farol de um novo caminho.

E assim, resumindo a história, rumaram para o local e lá fundaram o Memorial Serra da Mesa, com seus espaços que lembram, questionam e apontam.

Assim, da união do Sonho com a Utopia, o Trabalho e a Sabedoria, nasceu o Memorial Serra da Mesa.

Quem passa por aquelas bandas diz que avista um grande portal, onde se lê: o rio que passa, fica. Dizem também os mais supersticiosos que esse portal representa a passagem de um mundo real para um mundo de utopias e que, uma vez lá dentro, os sonhos se multiplicam nas mentes das pessoas.

Contam os mais sábios que às vezes esse Memorial funciona como uma tempestade que aterroriza as pessoas na escuridão, mas que ao amanhecer mostra os caminhos que se abrem. Dizem ainda que, quando o vento sopra de leste para oeste tocando as copas das árvores, ouve-se ao longe um ruído que se mistura aos cantos dos pássaros dizendo:

É o caminho!

É o caminho!

É o caminho!

 Publicado originalmente em 17 de março de 2017 


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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