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Leonardo Scardua: primeiro judoca trans brasileiro a chegar no alto rendimento

Leonardo Scardua: primeiro judoca trans brasileiro a chegar no alto rendimento

Leonardo Scardua: primeiro judoca trans brasileiro a chegar no alto rendimento

Em entrevista exclusiva à NINJA Esporte Clube, atleta colecionador de títulos compartilha a carreira de 10 anos, os desafios na modalidade e na reivindicação de seu selo, e sua metamorfose…

Por Danilo Lysei/via NINJA Esporte Clube

.Conquistar qualquer título na trajetória esportiva requer dedicação, disciplina, fundamento, luta e estudo. Em alguns casos ainda, como o de Leo, reivindicar um selo maior no esporte, vai além do tatame. Após 10 anos de carreira pelo Judô e a certificação de seu nome oficial, Leonardo Scardua, 26, hoje leva para si o título de primeiro atleta trans brasileiro a ter chegado no alto rendimento.

Trajetória

Na contramão das carreiras de berço, Leo encontrou o judô e o sucesso na modalidade, casualmente, ainda aos 12 anos. Em 2008, quando estava na escola em Salvador -BA, sem qualquer envolvimento com o judô, recebeu do seu professor o convite para um treino descompromissado e aos poucos foi se admirando pelo esporte.

Resgatando aquele tempo, o judoca conta que na época o profissional treinava equipes no clube Sesc da região e, visto a desenvoltura de Leo, o convidou para participar de uma ‘seletiva’, dada a vacância de vaga.

“Foi tudo muito rápido, um negócio muito doido. Lembro de dizer isso, ‘nem vou ser atleta’”.

Apenas com o indicativo de que seria o Campeonato Regional Baiano, que recolhia competidores do RJ, MG, BA e ES, foi a Guarapari-ES com a família para ‘participar e curtir’ – sem ter ideia do degrau que subiria. Naquele ano (2008), disputou na categoria +64 Kg e venceu em primeiro lugar, com a garantia de vaga para o seu primeiro Brasileiro.

Foto: CBJ

Com foco e preparação para o nacional, o técnico, Sensei Marcelo, solicitou à mãe que o atleta passasse a treinar focado no rendimento e o convidou a compor a equipe do Sesc. “Eu estava ali, realmente por pura curtição”, se recorda Leo aos risos e memórias sobre aquele início desacreditado. Acompanhado do técnico que viu nele potencial, o judoca então tomou para si o compromisso com as competições e começou a se aprimorar, repetindo os feitos no ano seguinte (2009) – com o bicampeonato no regional e avanço novamente ao nacional.

Entre 2009 e 2010, Scárdua se recorda que houve a abertura de uma equipe adulta de alto rendimento focada na seletiva olímpica – a chamada FTC Esporte Clube. Seu treinador da época acionou o técnico da equipe e apresentou o Leo, com seus ainda 14 anos, que se tornou o único atleta juvenil a dividir treinos com a equipe sênior. “Ao chegar lá, o técnico, Sensei Paulo, me pediu uma apresentação e desgostou de todos os meus movimentos. Explicou que teria que treinar ‘tudo do 0’”, conta ao lembrar de como aquilo começou a se profissionalizar em sua vida.

Dividindo os treinos com a rotina de estudos e deslocamento pela cidade, com apoio do técnico, Leo se inclinou de fato à modalidade. “Para se ter uma noção, o treino do sênior começava às 15h. Eu chegava com o meu técnico às 13h30. Das 13h30 às 14h15, mais ou menos, ele falava assim ‘a gente vai andar no tatame. Você vai pegar no meu kimono e a gente vai andar’, para eu aprender a fazer a caminhada certa do judô.

Gira para cá, gira para lá, a gola faz assim, a manga faz assim. Quando era 14h15, treinávamos golpes básicos. Só uma hora depois começava o treino”, relembra aos risos. Léo treinava mais uma hora e meia após o horário regular, onde ficava mais um período com um dos garotos da equipe em luta e finalizava com alongamentos junto ao treinador.

Ao fim de 2010, com o objetivo de pegar volume de luta, Leo foi ao US Open, nos Estado Unidos, inscrito pelo seu técnico. Em seus plenos 15 anos, o judoca alcançou ali a sua primeira medalha internacional, bronze pela categoria -70 Kg.

.Durante a viagem, a família conheceu outros atletas, entre eles uma família que sugeriu a Leo participar do treinamento de campo de verão, pelo Sogipa-RS, para que se preparasse para as outras competições – na época, a seletiva nacional após um mês. “Eu fiquei um mês em Sogipa, na casa dessa ‘tia’. Ali assim, o treino era punk, punk. Eu nunca havia treinado tanto, muito forte. Treinei um mês e fui à seletiva. Entenda que assim, eu ia para os lugares, não tinha técnico comigo. Era eu e minha mãe”, comenta sobre as inúmeras viagens inusitadas do começo.

Em 2011, entre disputas, derrotas e repescagens na primeira seletiva esperada, o atleta chegou à poule (zona entre primeiros e terceiros lugares, com possibilidade de classificação) e conquistou vaga inédita para a seleção brasileira e disputa internacional. Com o patrocínio baiano que tinha, Léo pode ir ainda para a Europa para treinar e competir em dois circuitos anuais (Alemanha/Portugal e República Tcheca/ Romênia).

“Nesse primeiro circuito eu não medalhei pois foi um negócio muito difícil. Competição difícil, sofri bullying, não dormia. Era terrível. Eu cheguei a pensar em não fazer mais Judô”, relembra dos momentos desafiadores passados. “A segunda viagem, cheguei a disputar medalha, e foi super legal, viagem mais bacana, as pessoas eram ‘gente fina’. Aí voltei e pensei, talvez não seja tão ruim assim e vou continuar no Judô”.

Ao fim dos circuitos, sem clube cravado, Leo aproveitou o convite do treinador do Minas Tênis Clube (MTC)-MG durante a seletiva inicial e o desempenho em teste local, e passou a compor a equipe oficial do clube no mesmo ano.

“Eu lembro que eu cheguei assim e falei ok, isso não é mais uma ‘brincadeira’, agora é trabalho”, recorda da reflexão com a pouca idade.

.Iniciando aos grandes holofotes entre 2011 e 2012, após prata no Québec Open de Montréal – Canadá, Scárdua se inclinou à rotina intensa de estudos e 3 treinos diários, com o compromisso com o alto rendimento pela modalidade. O atleta comenta que enfrentava dificuldades de perda de peso e harmonia no colégio, com até ‘perseguição de professores’, que se perpetuou até o ano seguinte.

Em 2013, prestes a fazer 18 anos, Leo conta que para chegar às grandes competições a balança começou a ser um fator desafiador. Com dieta restritiva e alimentação regrada, distância dos pais e com a saúde emocional estressada, a perda de peso para se manter na categoria até 70kg e a convivência com o grupo seleto passaram a ser os principais obstáculos. “Eu precisava de muito foco.

Emocionalmente eu estava sendo lentamente destruído, mas a gente não percebia isso no início, eu era muito novo. Aquilo vai se tornando uma ‘lavagem cerebral’, por assim dizer. Meu sonho era ir para as Olimpíadas e se tiver que passar por aquilo, vamos passar por aquilo”, narra sobre o período complicado.

Com toda essa atmosfera, naquele mesmo ano Léo decidiu que subiria para lutar no -78Kg, o peso seguinte. Na mudança, o atleta enfrentou rejeição do técnico para com os treinamentos, já que já haviam outras duas atletas no mesmo peso. Ainda sim, seguiu à seletiva pela categoria, enfrentando adversárias de outros estados pela poule junior. Após alguns embaraços com a arbitragem e alguns ippons não marcados, Léo encerrou em 4º lugar e não entrou para a Seleção.

Decidido a mudar, seguiu posteriormente com a Sogipa – RS em 2014, onde começou a alavancar a carreira. No ano, foi ouro no júnior e prata no sênior 78kg pelo Campeonato Brasileiro Regional, que recolhia competidores do RS, SC, PR e SP; bronze no Troféu Brasil, em disputas com as melhores do ranking da época; medalhou com bronze no Campeonato Brasileiro no júnior e sub-23. Ao fim, mesmo com a constância de medalhas e boa temporada, não recebeu a convocação para o Time Brasil.

Ainda sim, se classificou para a seletiva junior e decolou. “Cheguei na seletiva júnior e foi assim, meu dia de brilhar!”. Novamente com alguns contratempos com a arbitragem, sofreu com alguns lances não marcados e foi à poule. Em um disputa intensa com algumas reviravoltas, o atleta encerrou em 2º lugar na Seletiva e infelizmente não recebeu a convocação ao Mundial.

.No ano seguinte, 2015, iniciou mais à deriva, com poucos treinos focais e com empecilhos financeiros que o levassem ao circuito nacional. Nele foi prata no Campeonato Brasileiro Sub21, novamente só atrás da adversária mineira. Ainda no Sogipa-RS, quando conseguiu a vaga para o Sub23, machucou o joelho. “Não era uma lesão grave, eu não tive que operar, mas foi em um momento muito ruim. Eu estava a um mês do Brasileiro (Sub23), mas não pude ir, tinha estourado o ligamento do joelho”, relembra o judoca. “Foi um ano muito solitário”.

Com a recuperação e retorno às atividades em 2016, Scárdua foi surpreendido com um convite inesperado de um dos técnicos mais renomados do Mundo pelo Judô, Ronaldo Veitía. Devido ao seu desempenho e potencial, o cubano o chamou para treinar durante 6 meses no país, sob sua supervisão, a fim de auxiliar nos treinos olímpicos cubanos. “Como não tinha condição financeira de ficar 6 meses, morei 2 meses em Cuba.

Eu treinava 6h por dia de segunda a sexta-feira e sábado eram 4h de treino. Mas era muito perfeito. Eles eram muito meticulosos e ganhei uma experiência boa”, recorda. Neste ano ainda teve passagens de treinos no Canadá e Alemanha, onde fortemente encontrava espaço para treino com equipes olímpicas e suas preparações aos campeonatos, na contramão da rejeição de suporte brasileira.

Voltando ao Brasil, disputou o Campeonato Baiano, onde foi ouro, e o Campeonato Regional, com a prata. No ano realizou diversas viagens e treinos pela América Latina. Encerrando com chave de ouro, conquistou a prata no Campeonato Brasileiro Sênior, o que garantiu pela primeira vaga para a seletiva olímpica, um dos principais êxitos na modalidade. No ano ainda disputou o Troféu Brasil e participou de treinamento em colônia na Alemanha, onde recebeu oficialmente a convocação.

“Nessa altura do campeonato, eu nunca tive muito um técnico que me pegou pela mão e saiu levando. Eu meio que fazia as coisas sozinho. Então quando chegou a esse ponto de eu estar na Alemanha, eu era meu preparador físico, meu nutricionista, meu técnico de judô, meu fisio, sem ter estudo para nada disso.

Eu já estava no limite do meu cansaço, mas vamos nessa, treinar para essa seletiva!”, comenta ao lembrar do foco nas Olimpíadas. No retorno para o Brasil, á no fim de 2016, passou a treinar em diversos lugares. Um pouco no Sogipa-RS, depois foi para o no Flamengo -RJ. Até que chegou a se filiar ao clube baiano Paulo Fraga.

Em 2017, a um passo de seu sonho, foi à Osasco onde seria a tão aguardada seletiva olímpica. Na ocasião, Leo chegou com 82 kg a um dia da prova, cujo peso precisava bater 78 kg. “E não tinha sauna, não tinha o que fazer. Eu correndo de um lado para o outro, travava as costas, corria, corria. E ligava chuveiro, pulava no chuveiro. Beleza, bati o peso”, descreveu. O atleta lembra que, além de todo o processo de pesagem, participação ao congresso técnico e análises de chaves pous, entrou para lutar sem treinador.

“Naquela (seletiva), eu era o único atleta que não tinha técnico na cadeira. Quem gritava para mim eram os colegas da arquibancada. E ainda tive de fazer a segunda pesagem, naquele dia. Pois bem, tinha duas vagas para o 78kg, eu fiquei com a segunda vaga. E eu entrei no Time Brasil, na seletiva olímpica, primeira atleta da Bahia do feminino a fazer isso. E aí eu cheguei, assim, caraca, fiz história!”, contou, aliviado.

Após a conquista, recebeu a notícia de que teria um treinamento de campo em Pindamonhangaba -SP na semana seguinte. Exausto de todo aquele movimento, mas ainda cumprindo com o compromisso com a modalidade, foi convocado para o Grand Slam Mundial Baku – Azerbaijão, uma das principais disputas mundiais de judô.

“Agora vou começar a viver o que almejei a viver durante 10 anos”, elucida.

Crente de que tudo sairia como os conformes após a convocação, com todos os bônus (treinador, preparador físico, salário), foi surpreendido pelo não apoio e dificuldades para a preparação. Com portas fechadas de clubes, o atleta assumiu treinamentos independentes, com exercícios físicos dentro de casa. Resultado: chegou ao mundial completamente fora de forma, sem treino e sem técnico.

“A gente tinha a competição aberto mundial e o Grand Slam. Na primeira luta do aberto mundial, fui com a atleta da casa e peguei uma luta de 8 minutos. Eu saí da luta, eu desmaiei”, se lembra, descrevendo ainda a falta de suporte.

Situações à parte, fez os treinamentos internacionais junto de outras equipes, o que descreve como maior motivador. “As meninas me chamavam para treinar. Eu sempre fui muito bem quisto pelas outras equipes. Então assim, para o resto do mundo, eu tinha respeito. Aqui no Brasil não. Lá fora eu tinha o reconhecimento que eu tinha que ter”, coloca sobre a valorização.

Infelizmente, sem a condição ideal, Leo perdeu a competição internacional. “Ai foi que percebi, que havia caído no presente de grego: me convocaram assim: ‘vamos ver se você está afim de judô mesmo ou está aqui só para pegar uniforme’”. Com a perda, recebeu o retorno de que não iria mais à disputa olímpica. “Me senti muito desrespeitado, tendo em vista que tudo que foi feito nos últimos 10 anos”, ressalta. No limite do seu rendimento, com duas lesões na coluna, cansaço, desgastes emocionais e físicos, retiraram a convocação.

“Me disseram o seguinte: você não viaja mais. Não importa o que você faça, quem vai para a olimpíada não será você”, recebeu.

Apesar de algumas lutas posteriores e competições pontuais, Leo finalmente tomou a decisão de encerrar sua carreira e se desvencilhar do judô.

Mudança de vida e Transformação

Após inúmeras sequelas emocionais e físicas, a decisão da aposentadoria levou o atleta a deixar a modalidade e as relações, para se inclinar em seus estudos e em sua metamorfose. Em seu entendimento com a transgeneridade, Léo se recorda nuances que se passavam em sua cabeça: “Eu era tão focado naquele objetivo. Eu treinava muito, trabalhava para a federação, dava aula de inglês, estudava espanhol, morava sozinho e não tinha tempo para pensar em mim”, relata. Parou, refletiu e entendeu que precisava se voltar a si

“Isso que eu sou agora a sociedade não é assim, não estão querendo seu mal. Me perguntava, “quem eu sou? vamos voltar a si?”. E nessa coisa de voltar a si, eu fui descobrindo e me abrindo a possibilidade de descobrir quem eu era de verdade”

.

Mas o auto-reconhecimento como Trans de fato iniciou muito antes da aposentadoria do Judô. Em meados de 2015, o atleta começou a se interessar sobre o tema, pesquisar sobre sexualidade, gênero, pois sabia que dentro de si havia um incômodo, queria saber quem ele era. Se recorda que chegou a ver uma entrevista de João Neri, primeira trans operada clandestinamente brasileiro e adquirir o livro de sua autoria Viagem Solitária.

“Cheguei a comprar esse livro, mas nunca terminei, pois fiquei apavorado. Eu via capítulos e ficava tão apavorado, porque era exatamente o que eu sentia. Tanto que minha primeira reação foi dizer NÃO! Trans foi morto, foi expulso, apanhou, foi prejudicado”, descreve de como era bem trágico ver e se inclinar aquilo, mesmo que verídico.

Scardua reforça que passava na sua cabeça um forte sentimento de negação. Ao pesquisar e ver a realidade, principalmente no Brasil, país que mais mata pessoas trans no mundo, lia relatos de pessoas infelizes e isso o distanciou por muito tempo de si mesmo ao traçar um paralelo com sua vida, sobreposta durante 10 anos no judô.

.“Só depois que sai do judô foi que eu consegui enxergar aquilo e comecei a assentar aquela ideia de quem eu era. Isso em meados de 2018. E foi só depois de parar, canalizar, que eu percebi que então havia sido o primeiro atleta trans de judô do Brasil a chegar no alto rendimento”.

Em suas pesquisas, garimpou para encontrar se encontrava menções sobre isso no meio e não tinha, inclusive em grupos internacionais. “Tido isso, eu reivindiquei este título”, descreve, “se alguém aparecer posteriormente a gente conversa”, descontrai.

Diferente da maioria da realidade geral da comunidade, o atleta teve apoio dos familiares, principalmente de sua mãe e pai, tanto no esporte, quanto na transformação de gênero que se estendeu após a aposentadoria. Contudo, como o período atlético de certa forma se tornou um obstáculo em sua identificação, coloca que hoje o assunto – judô – é até traumático dentro de casa. “Falar disso ainda causa muitos sentimentos ruins, por assim dizer. Minha mãe fala ‘ai, não me recorde, você sofreu tanto’. Imagina que você tem um filho que passou por aquilo. Imagina eles pensarem ‘a gente investiu no sonho, a gente acreditava que daria certo e que ia ser bom, e que no final ceifaram esse sonho e deixaram meu filho mal’”, explica.

Na especulação sobre a comunidade trans dentro da modalidade, recebeu apontamentos excludentes. “Até cheguei a falar com coletivos de judô, preparando e falando um pouco da minha história. E na verdade as pessoas foram super negligentes e ainda me colocavam como alguém que estava fazendo aquilo por estrelismo. E eu falava: eu nem tenho por quê fazer isso. Hoje, se estou falando e expondo minha vida, não estou buscando palmas. Não quero que outras pessoas LGBTQIA+ passem pelo que passei. Você não vê homens gays no judô, trans muito menos. É um meio muito tóxico”, fortalece ao recordar de todas complicações que teve com estresse pós traumático, transtornos alimentares e crises de pânico.

Hoje, Leo vive o assentamento da metamorfose em todas as esferas da sua vida. Desde 2018, passou a dar passos focados em si.

Morou com os pais, no litoral sul, naquele ano. Em 2019 voltou a Salvador e retomou seus estudos focado em vestibulares e universidades. Já em 2020, durante a auto imersão e pandemia, as coisas “foram se encaminhando”. O anseio precoce de cursar medicina aos poucos foi se modificando e levando o atleta à área da psicologia. “Voltei a realizar atividades físicas, comecei terapia psicológica e a recuperar minha saúde mental. Agora as coisas estão legais”, conta mais descontraído

Mesmo dividindo lutas e estabelecendo relações amigáveis ao longo da sua carreira esportiva com atletas referências como Anna Maria Wagner, Idalys Ortiz, Mayra Aguiar e Ketleyn Quadros, durante o processo de transformação Scardua optou pelo isolamento social. “Eu me isolei. Realmente voltei com outro nome e falei, depois, ao pessoal do judô – ‘Oi, meu nome agora é Leonardo’ – e de alguns já tive o reconhecimento, sem problema algum. Mas o que mais me ajudou, foram os meus amigos de fora. Tenho amigos muito bons, inclusive da comunidade trans. Sempre me apoiaram, nunca tive esse problema, tive essa sorte”.

“Já que eu passei por isso, que tenha essa história para que outras pessoas não passem. Sem vitimismo. Não é sobre isso”, deixa como recado, enquanto pessoa que viveu intensamente a modalidade no alto rendimento e sua transformação apenas após saída.

“Eu conto minha história porque é o que cabe a mim. Mas a minha história contém fatos que atingem a várias pessoas e não só a mim”, finaliza.

Scardua iniciou a jornada de tratamento hormonal em outubro de 2021 e hoje, em 2022, após passar no vestibular, o ex-judoca inicia seus estudos em Psicologia na Universidade Federal do Recôncavo Baiano, em Santo Antônio de Jesus -BA. Léo também compartilha a intenção de escrever sua história futuramente em um livro.

Dentre os sonhos, o maior deles é a paternidade. “O meu sonho é ser pai, eu diria. Ser um bom pai. Já estudo sobre desenvolvimento infantil desde muito tempo, sempre foi minha paixão, tanto que vou para a área de psicologia infantil, para unir toda a questão pedagógica das crianças e as psicopatologias que possam existir. A infância é um momento muito curto e muito crucial para a vida e é ali que eu quero fazer a diferença. Ter um vida confortável, um emprego que eu gosto e se der algumas viagens de vez em quando, legal, com minha família com saúde. Eu fiz tanta coisa ‘fora da casinha’, que agora eu tenho a chance de viver a normalidade”, encerra e reflete sobre este momento em que vive o seu gênero da forma certa.

Títulos

2008
Ouro Campeonato Estadual
Ouro Campeonato Regional
Quinto Lugar Campeonato Brasileiro

2009
Ouro Campeonato Estadual
Quinto Lugar Campeonato Brasileiro

2010
Ouro Campeonato Regional
Ouro Campeonato Estadual
Quinto Lugar Campeonato Brasileiro
Bronze US Open – Fort Lauderdale, Estados Unidos

2011
Classificado Seleção Brasileira Juvenil Sub 17
Ouro Campeonato Estadual
Quinto Lugar Campeonato por equipes Aberto Internacional Bad Brandemburgo – Alemanha
Quinto Lugar Campeonato Aberto Internacional Ploiesti – Romênia
Prata Campeonato Regional
Prata Québec Open Montréal – Canadá
Participação Campeonato Aberto Internacional Bad Brandemburgo – Alemanha
Participação Campeonato Aberto Internacional Coimbra – Portugal
Participação Campeonato Aberto Internacional Téplice – República Tcheca

2012
Ouro Campeonato Mineiro
Prata Campeonato Regional

2013
Classificado na Poule- Seletiva Nacional Sub-21
Bronze Campeonato Regional
Prata Campeonato Mineiro

2014
Bronze Troféu Brasil
Ouro Campeonato Regional Sub-21
Prata Campeonato Regional Sênior
Ouro Campeonato Citadino Porto Alegre
Ouro Campeonato Gaúcho Sub-21
Ouro Campeonato Gaúcho Sênior
Bronze Campeonato Brasileiro Sub-21
Bronze Campeonato Brasileiro Sub-23
Ouro Jogos Abertos de São Paulo Individual
Ouro Jogos Abertos de São Paulo Absoluto
Prata Seletiva Nacional de Base Sub-21
Quinto Lugar Campeonato Aberto Pan-americano Santiago – Chile

2015
Ouro Campeonato Gaúcho Sub-21
Ouro Campeonato Gaúcho Sênior
Ouro Campeonato Citadino
Prata Campeonato Brasileiro Sub-21
Participação Aberto Internacional Liebnitz – Áustria

2016
Ouro Campeonato Baiano
Prata Campeonato Regional
Treinamento Olímpico com Seleção de Cuba em Havana
Treinamento Olímpico com Seleção Canadense em Montreal – Canadá
Treinamento Pré-Olímpico com Equipe Olímpica Cubana
Treinamento internacional Seleção Alemã em Colônia
Prata Campeonato Brasileiro Sênior
Quinto Lugar Campeonato Aberto Pan-americano Buenos Aires- Argentina
Participação Campeonato Aberto Pan-americano Lima- Peru

2017
Classificado na Seleção Nacional Time Brasil Tóquio 2020
Quinto Lugar Campeonato Aberto Pan-americano Lima – Peru
Convocado para Campeonato Aberto Internacional Praga – República Tcheca
Convocado para Grand Slam Mundial Baku – Azerbaijão


Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

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