“Sou bravo, Sou forte, Sou filho do Norte”
Por Gonçalves Dias
I-Juca Pirama
Sou bravo, Sou forte, Sou filho do Norte,
Guerreiros, ouvi!
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos inimigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
Andei longes terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimorés;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes – escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.
Aos golpes do inimigo,
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d’espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossego
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, – dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? – Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.
Para entender melhor o poema I-Juca Pirama:
O poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias, é um ícone do romantismo brasileiro. A obra, indianista, está dividida em dez cantos. Publicado em 1851, no livro Últimos cantos, o poema é composto por 484 versos protagonizados pelos índios tupis e timbiras. O título do poema significa “o que há de ser morto, e que é digno de ser morto.”
Quem conta a história é um velho timbira que foi testemunha do que se passou e resolve recontar os fatos. O cenário do poema escrito por Gonçalves Dias é a floresta brasileira, já nos primeiros versos somos situados em meio a mata: “no meio tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos — cobertos de flores”.
As primeiras criaturas a serem apresentadas são os índios timbiras, conhecidos como guerreiros valentes. Anos atrás os índios timbira capturaram um prisioneiro de guerra tupi, o projeto dos timbiras era matá-lo. Ao final do terceiro canto, um dos índios timbira pediu que o prisioneiro se apresentasse e contasse um pouco da sua história de vida. O guerreiro respondeu e no canto IV faz um apelo de vida em seu canto de morte.
Ao longo do quarto canto ficamos conhecendo a história do índio tupi: as guerras que assistiu, os lugares por onde passou, a família que o rodeava. O pai, um velho cego e cansado, o acompanhava para todo lado. O filho era uma espécie de guia, que o conduzia sempre.
Apesar de ter um pai inteiramente dependente, para provar a sua honra, o índio tupi capturado se coloca a disposição da tribo timbira para servir como escravo.
O chefe da tribo timbira, ao ouvir o relato do prisioneiro, manda soltá-lo imediatamente afirmando que ele é um grande guerreiro. O tupi diz que parte, mas que, quando o pai estiver morto, irá regressar para servir.
O guerreiro finalmente encontra o pai moribundo e conta o que se passou. O velho decide regressar com o filho para a tribo timbira e agradece o chefe pela generosidade de o ter libertado, embora peça que o ritual seja cumprido e o filho seja castigado.
O pai fica surpreso com a revelação feita pelo cacique porque os tupis não choram, menos ainda a frente dos outros, e amaldiçoa o filho. Por fim, renega o próprio filho: “Tu, cobarde, meu filho não és.”.
Para provar que é forte, corajoso, e para fazer valer a sua honra, o filho se volta, sozinho, contra a tribo timbira inteira. O pai percebe, pelo som da batalha, que o filho luta bravamente. O chefe da tribo, então, intervém e pede que o conflito se encerre. Pai e filho, por fim, se reconciliam.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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