Os poemas cerratenses do professor Pau Pereira
O professor e artista Flávio Paulo Pereira, o Pau Pereira, é conhecido em Brasília e fora da nossa capital por seu ABCerrado, método ecológico de educar encantando por meio do aprendizado prático com as coisas da natureza. Pau Pereira é também poeta, e dos bons.
Por Redação Xapuri
Nesta matéria, que nos foi indicada pelo professor e historiador cerratense Robson Eleutério, publicamos alguns de seus lindos poemas, compilados pela professora Lívia dos Reis Amorim, Gestora da Escola-Classe Córrego do Meio, escola da área do rural do Distrito Federal onde o professor Pau Pereira pratica o seu método eficiente e inovador de engajar consciência para as gerações presentes e futuras.
BEM-TE-VI
Bem-te-vi, bem-te-vi
Quando fui no Cerrado
Tava comendo pequi
Bem-te-vi, bem-te-vi
Quando eu ia no Cerrado
Ia caçar murici
Bem-te-vi, bem-te-vi
Acabaram com o Cerrado
E você fugiu daqui.
CODORNA
Tem uma coisa que não me conforma
Quem foi que arrancou
O rabinho da codorna?
Se o homem arranca
Depois não retorna
Te cuida, bicho!
O Cerrado vai embora
Depois não vai ter
Água fria, nem morna
Quem foi que arrancou
O rabinho da codorna?
Ninguém arrancou
O rabinho da codorna
Foi Deus do céu
Quem fez dessa forma
O homem arranca
É a fauna e a flora
Vou fazer duas penas
Martelo e bigorna
Vou fazer a duras penas
Martelo e bigorna
Quem foi…
HOMEM
Cuidado, “Homi”
Cuidado do “Homi”
Cuidado, “Homi”
Cuidado do “Homi”
Não morra de sede
Não morra de fome
Cuida da Terra
Dos filhos seus
Cuida da Terra
“Homi” de Deus
Cuida do bicho
Cuidado, bicho
Só consumo
Joga no lixo?
Cuidado, “Homi”
Dinheiro não come.
IPÊ
Mais belo que o Ipê
Nunca vi vi
E nem vou ver
Mais belo que o Ipê
Nem eu
E nem você
Mais belo que o Ipê
Não vai ter
E ponho fé:
Mais belo que o pé-de-Ipê
Só mesmo
O Ipê de pé
QUERO – QUERO
Passarim, bota no chão
Não me vem com lero-lero
Você voa muito alto
Passarim te quero, quero
Passarim … te quero-quero
Passarim vê lá do alto
Que o Cerrado tá banguelo
Jã não tem onde pousar
Passarim te quero, quero
Passarinho… te quero-quero
Passarinho canta forte
Bico preto e amarelo
Mas ninguém quer te escutar
Passarim te quero, quero
Passarinho… ter quero-quero
Homem que tirou o Cerrado
Não me vem com lero-lero
Você ganhou muito dinheiro
E o passarinho zero, zero
Passarinho… te quero-quero.
MATOMÁTICA
Quantos folíolos tem o araticum?
Meu nome já diz!
Só tenho um.
Quantos folíolos tem o jatobá?
Eu tenho dois!
Um pra lá e um pra cá.
Quantos folíolos em o pequi?
Eu tenho três,
Um no meio, um aqui, outro aqui.
Quanto folíolos tem a paineira
Tenho quatro
Uma menos que a zeieira.
Quantos folíolos tem a zeieira?
Tenho cinco!
Uma mão inteira.
Quantos folíolos tem o ipê?
Também tenho cinco,
Vem aqui ver.
Quantos folíolos tem o mandiocão?
Seis, sete, oito
É mais que uma mão.
Quantos folíolos tem a embaúba?
Nove, dez…
São duas luvas.
Quantos folíolos tem o barbatimão?
Eu tenho doze,
É um montão!
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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