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Grande Otelo: Herói de muito caráter

Grande Otelo: Herói de muito caráter – O mineiro Sebastião Bernardes de Souza Prata, codinome Grande Otelo, teria completado 100 anos agora, provavelmente ainda encantando o Brasil com seu vigor e sua arte. Mas morreu de infarto há 22 anos, em novembro de 1993, na França, onde receberia mais uma homenagem internacional, daquela feita no Festival de Nantes.

Por Jaime Sautchuk

Menino serelepe, com pouco mais de metro e meio de altura, se agigantava em picadeiros de circos, cassinos, teatros refinados, no rádio, na telinha de TV ou telões de cinema. Ator, dançarino, cantor, humorista, compositor, escritor, de tudo um pouco ele foi no mundo das artes. Era querido por todos pela sua simplicidade e por ter um caráter a toda prova.

Talvez por ironia, era o contrário de Macunaíma, o “herói sem nenhum caráter”, que o pesquisador Mário de Andrade foi descobrir na Venezuela, na pequena Santa Helena de Uairén, fronteira com Roraima. Levado ao cinema em 1969, pelo diretor Joaquim Pedro de Andrade, o personagem amazônico ganhou notoriedade mundial na interpretação inesquecível de Otelo.

Àquela altura, porém, nosso guerreiro já tinha boa quilometragem rodada. Ele nasceu e cresceu em Uberlândia (MG), em berço muito humilde, trágico até. Seu pai morreu esfaqueado em briga de boteco, e a mãe não suportou o renitente copo de cachaça que a acompanhava dia e noite ao lado do fogão, em seu ofício de cozinheira, como empregada doméstica. Orfanato foi seu abrigo, mas ele contou com a sorte.

grande-otelo815Aos sete anos de idade, “Bastiãozinho”, como era chamado, caiu nas graças de um palhaço de circo que o colocava no picadeiro pra fazer brincadeiras. Ainda criança, ele se encantou com um grupo de teatro mambembe que passava por Uberlândia e pediu pra participar, ganhando o papel de filho de um alemão. A atriz Abigail Parecis, diretora do grupo, não só deu guarida ao novato como o adotou como filho e o levou pra São Paulo com a trupe.

Contudo, logo ele viu que a pauliceia não era café pequeno e andou se envolvendo em querelas com sua mãe adotiva, de modo que foi cair de novo nas mãos do Juizado de Menores. Mas a mulher do rico empresário e político paulista Antônio Queiroz percebeu o talento   do menino e o adotou. Uma das regalias que a nova família lhe proporcionou foi estudar no Sagrado Coração de Jesus, tradicional colégio de padres salesianos.

Ganhou de quebra a cidadania, pois foi registrado em cartório, oportunidade que teve de adotar um nome mais ao seu gosto. Em verdade, sua identidade original era Sebastião Bernardo da Costa, mas na certidão ele trocou “Bernardo da Costa” por “Bernardes de Souza”, em reverência à sua mãe. E, por fim, incorporou o apelido do pai, que era o “Chico dos Prata”, por trabalhar numa fazenda da família que deu nome à cidade de Prata, também no Triângulo Mineiro.

Ainda na adolescência, já no Rio de Janeiro, ele passou a integrar a Companhia Negra de Revistas, onde dançava sob a batuta de Pixinguinha. Ali, aperfeiçoou os dotes artísticos e teve sua iniciação política. Seu desempenho chamou a atenção de Jardel Jércolis, pioneiro do teatro de revistas, precursor da Chanchada, no cinema, gênero em que Otelo foi o maioral.

Foi esse produtor, aliás, quem em 1932 o apelidou de “The Great Othelo”, que virou seu nome de guerra, traduzido. E o manteve como principal atração dos shows do Cassino da Urca por mais de uma década. Jardel organizava, também, muitas apresentações por toda a América Latina e Europa, principalmente Portugal e Espanha, de modo que desde cedo Otelo ganhou o mundo.

Ao mesmo tempo, ele passou a ser requisitado por grandes produtores de todas as modalidades artísticas. Numa delas, a de compositor; porém, atuava por conta própria, de acordo com as ocasiões e parcerias que surgiam. Compôs dezenas de sambas, com realce ao “Praça Onze”, grande sucesso em parceria com Herivelto Martins.

No teatro de revistas e no cinema, atuou em muitas ocasiões com gente do porte de Carmen Miranda e fez dupla com Oscarito em 17 longas-metragens de comédia. Ao longo da vida, atuou na incomparável marca de 118 filmes, em grande parte humorísticos, mas em vários do chamado cinema de arte, inclusive estrangeiros.

grande-oteloO primeiro destes foi “It’s all true”, filmado no Brasil por Orson Wells, cineasta ianque de quem ele se tornou grande amigo. Outro de grande destaque foi “Fritzcarraldo”, rodado na Amazônia peruana, em 1982, pelo cineasta alemão Werner Herzog. A filmagem na selva, que incluía o temperamental ator Klaus Kinski, foi uma antológica aventura. Otelo exigiu falar em espanhol, e não em alemão nem inglês, Herzog concordou, e esta virou a grande marca da obra.

Já em 1957, ele havia participado de “Rio Zona Norte”, filme de Nelson Pereira dos Santos, considerado um marco no cinema nacional. Em 1962, atuou com destaque no clássico “Assalto ao Trem Pagador”, dirigido por Roberto Farias. Nesse período, o engajamento político foi significativo pra ele, que se juntou a artistas, intelectuais, sindicalistas e todos os que combateram o golpe de estado de 1964, que originou a ditadura militar.

Dali em diante, ele passou a atuar mais intensamente em televisão, numa faceta de sua carreira que ele desempenhava desde a década de 1950, na antiga TV Tupi, em programas de variedades. Em 1966, foi contratado pela Rede Globo, onde atuou em grande número de seriados, programas de humor e telenovelas, até morrer.

Grande Otelo foi casado mais de uma vez. No início da década de 1940, sua primeira mulher protagonizou mais uma tragédia na vida dele. Ela se suicidou após matar um filho que já tinha quando se casou com ele. Em outro casamento, ele teve cinco filhos, um dos quais é o também ator José Prata.

Fotos: al.sp.gov.br | correiodaparaiba.com.br | correiodeuberlandia.com.br


https://xapuri.info/elizabeth-teixeira-resistente-da-luta-camponesa/

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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