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Quando o poeta morreu

Quando o poeta morreu

Quando o poeta morreu

Quando Thiago de Mello faleceu, dormia eu ainda. Sextas-feiras são dias bons de ir para outros cantos, nem a voz se afina assim, ecoa distante apenas, no fim de semana da vida…

Por Helio Carlos Mello/via Jornalistas Livres

Logo cedo recebi a mensagem na voz de um mestre indígena. Chovia na grande cidade, lamentei também. Era um homem de branco, carregava certos cheiros de flores, havia uma paz que corrompia o mal das redes do balanço dos homens, nele nos invadia um tratado de humanidade.

Deram-lhe o nome de Amadeu, daquele que ama a Deus. Poetas morrem, ficam as palavras impressas nas mentes de tantos. De minha juventude, creio agora, que todos os mestres já foram. Thiago é o último a entrar no trem azul para a estrela. Agora tudo é novo, novo será, assim é o fluxo das coisas, palavra que se conclui, finda em canto escuro, mas canta, cantará, ainda escreve.

É luz, é chama.


imagem Helio Carlos Mello©
Hoje o poeta retirou o óculos, nem será mais necessário ler ou escrever. Espaço e tempo não lhe importam mais. Amadeu.

Partir deve ser bom também, encontro de águas, doce e sais da Terra, mar, oceano e chuva. Olho d’ água, mina.


Tudo o que de mim se perde
acrescenta-se ao que sou.
Contudo, me desconheço.
Pelas minhas cercanias
passeio — não me frequento.

Por sobre fonte erma e esquiva
flutua-me, íntegra, a face.
Mas nunca me vejo: e sigo
com face mal disfarçada.
Oh que amargo é o não poder
rosto a rosto contemplar
aquilo que ignoto sou;
distiguir até que ponto
sou eu mesmo que me levo
ou se um nume irrevelável
que (para ser) vem morar
comigo, dentro de mim,
mas me abandona se rolo
pelos declives do mundo.

Desfaço-me do que sonho:
faço-me sonho de alguém
oculto. Talvez um Deus
sonhe comigo, cobice
o que eu guardo e nunca usei.

Cego assim, não me decifro.
E o imaginar-me sonhado
não me completa: a ganância
de ser-me inteiro prossegue.
E pairo — pânico mudo —
entre o sonho e o sonhador.

Publicado no livro Narciso Cego; Seguido do Romance do Primogênito (1952).

In: MELLO, Thiago de. Vento geral, 1951/1981: doze livros de poemas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira

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