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Escorre Ouro em Paracatu

Escorre Ouro em Paracatu

Escorre Ouro na maior mina do país, num dos morros que cercam a cidade de Paracatu, em Minas Gerais, fronteira com Goiás…

Por Jaime Sautchuk 

Luís Antônio chegou em um dos muitos ônibus da empresa, André em seu próprio carro. Faltam cinco minutos pras seis da tarde, quando começará o turno de 12 horas na maior mina de ouro do país, num dos morros que cercam a cidade de Paracatu, em Minas Gerais, fronteira com Goiás.

Os dois conversam animadamente e se despedem. Só se encontrarão de novo às seis da manhã, quando darão lugar a outra turma, que tocará o trabalho durante o dia.

Um, enfurnado em uma máquina que controla uma esteira que arrasta minério até grandes tanques de água; o outro, ajudando no manejo das montanhas de terra que chegam. São, no total, mais ou menos, 1.700 operários e operárias que se revezam na mina.

O turno de 12 horas, por quatro dias, com folga de outros quatro, foram os extrativistas que definiram, em acordo coletivo do Sindicato da categoria com a empresa mineradora.

O presidente do Sindiextra (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas e Paracatu/Vazante), José Rogério Ulhoa, diz que só assim os trabalhadores e trabalhadoras conseguem ficar algum tempo com suas famílias, o que era inviável quando tinham turnos de oito horas, sem as folgas.

Pra cada grama de ouro que irá aparecer, é preciso revolver 2,5 toneladas de terra, cascalhos e pedras. Com isso, o Morro do Ouro, bonita serra bem ao lado da cidade de Paracatu, presente em seus cartões-postais antigos, já sumiu – virou um chapadão acinzentado, onde se veem as escavadeiras e os caminhões, entremeado pela lama das barragens de resíduos minerais.

A empresa canadense Kinross Gold Corporation, proprietária da mina, retira dali 1,2 tonelada de ouro por mês. Ou seja, movimenta uma quantidade brutal de solo todos os dias, sem parar. E, no ano passado, um lucro líquido de US$ 110 milhões.

Uma das barragens, a de Santo Antônio, já deixou de receber rejeitos e está em processo de assentamento, pois a recuperação completa é impossível. A nova barragem, Eustáquio, vai tomando todos os vãos entre a cadeia de morros existente na região e chegando a profundidades de até 500 m. A empresa alega que, quanto a isso, não há riscos naquela mina.

“As barragens da mineradora são referência no setor e estão entre as mais seguras do mundo. Elas possuem paredes em forma de triângulo que são aumentadas para cima e para frente, em etapas, possibilitando melhor distribuição da força da água e tornando incapaz de romper o maciço”, diz a empresa, em publicação. No entanto, suas águas vão ganhando espaços não preparados com antecedência.

Apesar da proximidade da cidade, a empresa alega que a descaída do terreno é no sentido contrário, do rio Paracatu, afluente do Velho Chico. Nessa área há várias pequenas comunidades, inclusive 69 famílias remanescentes que moram no Quilombo São Domingos e vivem principalmente da produção de açafrão.

Há outras pequenas comunidades de quilombolas e populações ribeirinhas, que também vivem da agricultura. Mas, tampouco elas estariam correndo risco, embora o lago da barragem esteja em processo de enchimento.

O superintendente do Ibama em Minas Gerais, Júlio Cesar Dutra Grillo, diz, contudo, que “todas as barragens de rejeito são perigosas”, o que inclui esta, de Paracatu. Ele sugere legislação “muito mais rígida” sobre esses empreendimentos e propõe imediato descomissionamento (desativação) das que estão em operação.

E vai além, sugerindo o que fazer com elas. “Mas não apenas parar de colocar rejeito nelas. E sim remover o rejeito e colocar dentro da cava da mina ou usar a disposição com o empilhamento a seco”, afirma. E alerta sobre o risco de atingir o Rio São Francisco, inutilizando um dos mais importantes rios do país, como já ocorreu com o rio Doce, após o rompimento da barragem de Mariana.

No caso, não há mais a cava pra recolocar os rejeitos. O próprio morro foi desbastado, e a própria vegetação não nasce mais naquele solo, hoje contaminado pelo arsênio que se solta do conjunto e vira um perigoso veneno. Pesquisas de universidades e entidades ligadas ao tema revelam sua presença em organismos humanos de habitantes da cidade.

Morador de Paracatu, o professor e geólogo José Márcio Santos afirmou, em entrevista ao jornal Estado de Minas, que há um nível de arsênio acima do recomendado em águas subterrâneas, rios e córregos.

Ele apresenta análise da urina de 37 moradores – 29 adultos e 8 crianças – das margens do Ribeirão Santa Rita, feita entre abril e julho de 2016. Segundo ele, 70% dos exames mostraram concentração elevada de arsênio.

CONVÍVIO DIFÍCIL

A presença da mineração praticamente dentro da cidade provoca reações das mais diversas. Mas o fato é que, por razões econômicas, talvez, muita gente defende aquela atividade.

Nas ruas, gabinetes, escolas e mesmo nas casas, é comum se ouvir dizer que “a cidade está dividida” a respeito do assunto. E está mesmo, num permanente conflito, que se reflete na política e faz crescer o debate sobre a vida em sociedade.

A própria Câmara Municipal de Paracatu, composta por 17 vereadores, é bastante heterogênea, com vários representantes de movimentos populares. Outras entidades representativas, também atuantes, asseguram certo controle sobre as atividades do serviço público e empresas privadas que atuam principalmente na mineração e atividades da agropecuária.

Pesquisa de grande porte sobre a qualidade da água e do ar em Paracatu começou a ser feita em 2010. O Centro Tecnológico de Pesquisa Mineral (Cetem), do Ministério de Ciência e Tecnologia, informou, em nota, que “teores de arsênio em águas superficiais e solos se mostraram, via de regra, acima do estipulado pela legislação brasileira para consumo humano”.

O texto informa que “empregados da mineradora, que são também moradores do município, não participaram da pesquisa, embora tenham sido convidados”. Em verdade, há nos contratos da empresa restrições à participação de funcionários em qualquer tipo de pesquisa que envolva suas atividades, atitude criticada por entidades e moradores.

A Kinross se defende dizendo que a água devolvida aos ribeirões da cidade passa por processo de filtragem e que, nas usa avaliações, é de boa qualidade. Mas há, de todo jeito, outros problemas quanto ao seu uso.

O Sindicato dos produtores Rurais de Paracatu diz, por exemplo, que os produtores tiveram redução no limite de água da irrigação, por decisão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad).

O município de Paracatu cresceu muito nos últimos anos, em boa parte em função da mineração. A maior empresa da idade é a Kinross, com um total de cerca de 5.000 funcionários, mas há, também, o Grupo Votorantim, que opera na extração de outros minérios, também com alguns milhares de trabalhadores.

A cidade está com cerca de 95 mil habitantes, mas mantém as festas populares tradicionais, como Reis e Divino Espírito Santo, acrescidas de um Carnaval que também atrai turistas de toda a região. Seu centro histórico, requintado, praticamente se diluiu em meio à expansão e a uma arquitetura modernosa, mas ainda se mantém bastante presente na parte central da sua zona urbana.

OUTRAS BARRAGENS

As barragens de usinas hidrelétricas, mesmo as maiores e mais complexas do país, oferecem um padrão de segurança bem superior ao de lagos de resíduos de minérios. Estes, porém, pela legislação em vigor, deveriam ser temporários.

Mas essa norma tem sido descumprida pelas empresas mineradoras, prenunciando desastres gigantescos, como esse que se repetiu no mês passado em mina de ferro da Vale, em Brumadinho, Minas Gerais.

A tragédia é muito parecida com a ocorrida há três anos, também em Minas, em exploração mineral também encabeçada pela Vale, em associação com multinacionais. Na ocasião, a lama venenosa atingiu em cheio o Rio Doce, em toda sua extensão, em Minas e Espírito Santo, e toda a grande população ribeirinha.

Desta vez, é o rio Paraopeba e, portanto, o São Francisco, onde a lama venenosa irá chegar, e, de novo, todas as cidades e comunidades ribeirinhas. Um estrago que não tem tamanho, a começar pelas mortes e devastação de áreas urbanas. Impede, de igual modo, o uso das águas atingidas e afeta o próprio terreno por onde vai passando. Desastres socioambientais que se repetem.

A Vale S.A. é a mesma Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), criada por Getúlio Vargas, em 1942, e privatizada por Fernando Henrique Cardoso, em 1997. Foi vendida por ridículos 3,3 bilhões de dólares, o que não pagava nem os 17 navios que a empresa tinha na ocasião. O restante, incluindo ferrovias, as minas de Itabira (MG) e de Carajás (PA) e tudo o mais que a empresa já controlava foi na manha.

Foi junto, também, o enorme conhecimento técnico acumulado pela empresa em vários ramos de conhecimento, em especial na extração de minérios e em logística de transporte. É, hoje, uma das 30 maiores empresas do mundo, em todos os ramos de atividade.

As barragens de resíduos de minérios que a empresa mantém em suas áreas de mineração, no Brasil, são verdadeiros atentados ao bom senso. São buracos abertos no chão e pronto, como se o terreno fosse preparado pra suportar o peso e a ação dos rejeitos minerais que compõem aquela lama guardada nesses reservatórios.

O correto – e previsto na legislação do país – seria preparar essas crateras que recebem os resíduos, compactando e impermeabilizando o solo, com a aplicação de concreto armado pra vedação, usando técnicas semelhantes às utilizadas em barragens de hidrelétricas, por exemplo.

É certo que o controle dos padrões técnicos do barramento de cursos d’água e depósitos de resíduos é feito por diversas instâncias de governos, sob a forte influência das empresas mineradoras. Estas, especialmente a Vale, mantêm em sua folha de pagamentos grande parte dos deputados federais e estaduais, nos estados onde têm atividades, de modo que controla os processos.

Em relação à barragem de Brumadinho, pra citar o caso mais próximo, decisão de dezembro do ano passado, do Conselho Estadual de Águas de MG, reduziu a posição dessa barragem na classificação de risco, eliminando a necessidade de cumprir novas etapas pra poder ficar do mesmo jeito. Ou seja, pelas normas em vigor, esse depósito deveria se adequar aos padrões, mas foi isentado disso por essa decisão de âmbito estadual.

Ademais, vale lembrar que, hoje, são 20.094 barragens cadastradas no país, a maior parte delas destinadas ao armazenamento de resíduos de minérios. Menos de 1% já foi vistoriada pela Agência Nacional de Águas (ANA), embora grande parte seja considerada de “alto risco” nos papéis oficiais.

Entretanto, esse órgão federal alega dispor de pequeno quadro de técnicos e de recursos financeiros cada vez mais escassos, o que faz sentido, levando-se em conta o total descaso do governo do país com relação a temas socioambientais.

A impunidade da Vale no caso de Mariana, no entanto, deu aval a que a empresa continuasse tocando seus projetos da mesma forma, com inteira liberdade, repetindo o desastre agora e pronta a repetir quantas vezes a natureza quiser.

Nunca é demais lembrar, de igual modo, que a exploração mineral é um tipo de atividade econômica de necessidade duvidosa ao país. Em primeiro lugar, porque se trata de um recurso natural não renovável, que não precisa ser retirado do subsolo às pressas, numa política que interessa apenas aos grandes barões da mineração, entre os quais, a Vale.

GUIMARÃES ROSA

Essa parte de Paracatu é muito conhecida e descrita pela literatura nacional desde o Ciclo do Ouro goiano (1720-1820), do qual ela fez parte. A cidade é citada também por Guimarães Rosa, no livro “Grande Sertão: Veredas” e, numa das ocasiões, o jagunço Zé Bebelo promete levar Diadorim e Riobaldo até lá, afirmando:

“Ainda quero passar, a cavalos, levando vocês, em grandes cidades! Aqui o que me faz falta é uma bandeira, e tambor e cornetas, metais mais… (…) Eh, vamos no Paracatú-do-Príncipe!…”.

A história da cidade, aliás, é imbricada com o precioso metal. Seus primeiros colonizadores foram mineiros chegados da Bahia e a grande quantidade de escravos negros que levaram, pros trabalhos pesados. O ouro dali, como nos demais locais abertos no mesmo período, era principalmente de aluvião.

Ou seja, ao longo de milênios o metal assenta no leito do rio, por ser mais pesado que os demais pigmentos carregados pela água. Assim, especialmente nas curvas, áreas mais profundas e entrâncias do curso de água, são formados depósitos do minério, de onde é retirado.

No mais das vezes, esse trabalho braçal é feito com pequenos desvios de água, que é canalizada em valetas e cai em bateias manuseadas por garimpeiros. Quanto mais gente bateando, em movimento giratório como se fossem peneiras, maior será a produção, daí o intensivo uso de mão de obra.

Para este tipo de trabalho, o colonizador preferia utilizar escravos negros, em lugar de índios. Primeiro, porque se um índio ainda isolado tivesse que escolher entre uma pena de pássaro e uma pepita de ouro, sua escolha por certo recairia sobre a pluma, tal o valor que ele dava ao metal.

Já o outro, em especial o chamado “negro de mina”, que conhecia o minério havia 4.000 anos, de tão habituado, identificava terreno aurífero colocando uma pitada de terra na boca. A química da saliva possibilitava a identificação do pigmento dourado. E onde havia um pouco, decerto haveria mais, no subsolo, conforme suposição que se confirme na Mina de Paracatu.

Na manipulação do metal, os exploradores continuam usando técnicas antigas, como é o caso do mercúrio e cianureto na separação e solidificação das pepitas.

Contudo, o trabalho individual, nas bateias, foi substituído por processos de maior volume e mais acuidade na identificação e seleção desse mineral, a ponto de, no caso da mina de Paracatu, haver uma reciclagem nos resíduos, mais refinada, o que duplica a produção.

CHEGADA DA SOJA

Outra parte do município, de terras planas, passou a viver da pecuária bovina, atividade a que se dedicou por mais de um século. Depois, foi palco das primeiras experiências com a soja tropical, grão desenvolvido no Brasil, pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias).

Há muito tempo, a soja – ou o feijão de soja, como era chamada – era plantada nos estados do Sul, em maior quantidade no Paraná e Santa Catarina, como uma alternativa aos feijões tradicionais, mas sem largo uso culinário.

Na década de 1970, porém, o Japão, altamente dependente dela, criou a Japan International Cooperation Agency (JICA), destinada a buscar alternativas ao grão que comprava exclusivamente dos Estados Unidos, e por isso financiou o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), que pagou pesquisas da Embrapa, voltadas a um produto mais versátil, passível de cultivo em regiões quentes.

Desde o início, o Prodecer levou agricultores sulistas, financiou a aquisição de terras e o plantio pioneiro, experimental, no Sul de Goiás, especialmente em Rio Verde e Jataí, e Oeste de Minas Gerais, com foco em Paracatu. Cooperativas de produtores, também incentivadas, cuidavam da comercialização.

Eficiente, a Embrapa desenvolveu sementes que se adaptaram bem aos solos e climas tropicais, mas exigindo o uso de venenos de vários tipos, inclusive pra evitar a rebrota das raízes de plantas nativas que haviam sido arrancadas. Assim, as lavouras de soja passaram a ser também depositárias de galões de agrotóxicos vazios.

Esse processo provocou fortes mudanças na região de Paracatu, especialmente na composição social daquela sociedade, até então majoritariamente de origem negra. O ex-ministro (e presidente) do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, por exemplo, é um descendente daquela geração.

Nos anos 1980, a Kinross, que usava o nome de Rio Paracatu Mineração, obteve do governo federal a concessão do Morro do Ouro, onde pequenos garimpeiros ainda mariscavam, tentando tirar algum ouro em bateias. A mineradora cercou a área, pôs vigias na mina e começou a comprar lotes, sítios e fazendas de antigos moradores.

Hoje, a empresa tem uma área de milhares de hectares, toda cercada e com acesso restrito. A parte principal, onde fica a mina, tem acesso pela BR-040 (Brasília-BH-Rio). No entanto, logo ao deixar a rodovia federal, pegando a estrada interna, também asfaltada, o visitante se depara com uma barreira, onde há uma guarita, sendo permitido o ingresso somente de pessoas autorizadas. Toda a área é mantida sob constante vigilância de guardas armados.

ALFORRIA PRECOCE

É difícil precisar o número de escravos que se ocupou das minas de Paracatu, mas é certo que chegou a 15 mil, nos períodos de garimpo mais intenso. É certo, porém, que grande parte ganhou a liberdade bem antes do restante do país,

pois muitos de seus proprietários foram embora e achavam pouco compensadora a venda, já que os prováveis compradores estariam em Salvador (BA) e no Rio de Janeiro, ambos distantes.

A descoberta de ouro na região se deu na década de 1.740, mas alguns bandeirantes relataram suas passagens por ali bem antes disso. De qualquer modo, foi em 1.744 que o padre Antônio Mendes Santiago, da diocese de Olinda, no Pernambuco, assentou praça na localidade de Arraial das Minas do Paracatu. Oficialmente, porém, a vila foi criada pela Coroa portuguesa em 1.798, com o nome de Vila do Paracatu-do-Príncipe.

Ele seguia uma convenção antiga, que dava àquela alça da Igreja Católica o controle de todo os vales do Rio São Francisco. Era matador de índios e odiado por seus métodos de ação.

Nos meios católicos, a parte superior do Velho Chico, até sua nascente, em Minas Gerais, estaria sob o jugo de Mariana, então capital da província, onde os clérigos não gostavam dessa intromissão vinda do Nordeste.

De toda forma, a vila passou a influir na ocupação da parte Sudeste de Goiás, iniciada pela Vila de Santa Luzia, hoje Luziânia, que era deslocada do eixo inicial daquele estado, que foi Vila Boa da Santíssima Trindade (hoje Cidade de Goiás, ou Goiás Velho), fundada pelo bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva Filho, o Anhanguera II, em 1.726. Logo depois, surgiram Corumbá de Goiás (1.730) e Pirenópolis (1.731), mas todas elas na parte ao Norte de onde está hoje o Distrito Federal.

Jaime Sautchuk (in memoriam) – Jornalista. Escritor. Fundador da Revista Xapuri. Matéria publicada originalmente em julho de 2020. Falecido em 14 de julho de 2021. Os dados da matéria não foram atualizados. Permanece o registro histórico do ano de 2020.


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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Zezé Weiss

Gratidão pelos comentários. Jaime faleceu em julho de 2021.

Eduardo Pereira

Salve, Marco, caso queira receber uma cópia da revisa Xapuri impresssa com esta matéria por gentileza mande seu endereço completo para: contato@Revista Xapuri.info

Marco

A cidade de Goiás, antiga capital goiana surgiu em 1729 como um arraial, batizado de Sant’ana, sendo elevada a vila em 1736, sob o nome de Vila Boa de Goiáz e não Vila Boa da Santíssima Trindade como diz o texto. Existe uma Vila Bela da Santíssima Trindade, que foi a primeira capital da província de Mato Grosso.

Eduardo Pereira

Prefere outra Mariana, outro Brumadinho?

Mky

Muitas críticas à mineração, mas se esquecem que se ela não existisse ela não teria nem escrito esta matéria duvidosa, e também não falou que antes da empresa chegar para exploração as pessoas matavam o meio ambiente com garimpo jogando mercúrio para todo lado, mas é claro os órgãos ambientais eram concientes porque não gerava lucro de impostos então …

Eduardo Pereira

Imensa gratidão pelas correções. Seu comentário foi repassado ao autor para nova edição.

Eduardo Pereira

Gratidão pelo comentário. Por gentileza, envie os pontos onde estamos desatualizados para fazermos as correções.

Adriano

Nossa. Vc tá muito desatualizado

Aline Rodre

Existem algumas informações erradas. A barragem de Santo Antônio que é maior. A câmara são17 vereadores

Dirce Fernandes Gomes

Aprendi muito com essa página Xapuri,e constatei como o nosso país é riquíssimo em minerais líquidos e fisicos. Uns com tanto e outros sem nada. Obrigada pela oportunidade!

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